Ordem nos media
Sousa Franco Lamenta Fim dos Incentivos Fiscais às Empresas do Interior
22 Outubro 2003
«Documento pouco ambicioso» e «sem qualquer visão estratégica». Declarações do presidente do Gabinete de Estudos da CTOC, sobre o Orçamento de Estado
A descida do IRC prevista no Orçamento de Estado (OE) para 2004 é globalmente positiva, defendeu ontem o ex-ministro das Finanças Sousa Franco, mas cria «graves problemas de irracionalidade do sistema»: o principal será o desaparecimento puro e simples dos incentivos fiscais atribuídos em 1999 às empresas do interior do país como forma de as compensar pelas desvantagens competitivas inerentes à sua localização. Esses benefícios, atribuídos pela Lei 171/99, beneficiaram dezenas de milhar de empresas em 167 concelhos do Portugal interior. Todavia, com o texto da proposta de OE apresentada há oito dias pela ministra Manuela Ferreira Leite, caducam a partir do próximo dia 31 de Dezembro. 

«É incompreensível que este regime caia sem sequer lhe rezarem um Pai Nosso por alma», concluiu Sousa Franco. O ministro das Finanças dos primeiros quatro anos de Governo de António Guterres fez ontem uma pequena conferência sobre o Orçamento do próximo ano na sede da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, em Lisboa, instituição em que orienta o centro de estudos fiscais. Segundo António Sousa Franco, o documento apresentado pelo Executivo é «pouco ambicioso», sem «qualquer visão estratégica explícita» e «sem novidades no domínio fiscal», o que, contudo, «até é positivo, porque as reformas não se devem fazer no Orçamento». Dentro desta apreciação genérica, o ex-ministro lamentou também que, cada vez mais, a política tributária esteja a ser constituída por taxas: propinas, portagens, taxas moderadoras, etc. «Isto significa que só há a visão de sacar o mais possível», disse o professor. Quanto a algumas das projecções apresentadas por Manuela Ferreira Leite para o próximo ano - prevendo que a cobrança de impostos cresça 7,4 por cento (em relação à execução orçamental dos nove primeiros meses de 2003), o consumo privado 2 por cento, as exportações 4,5 por cento e o PIB 1,5 por cento -, Sousa Franco considerou existir uma clara sobre-avaliação da receita, «não tão infundadamente optimista como no ano passado», mas, ainda assim, marcada por um «optimismo excessivo». Isto porque, sustentou, «é muito provável que 2004 seja ainda um ano de estagnação, mesmo que existam alguns sinais de retoma que, hoje, só ao microscópio se poderão ver». Isto não significa, porém, que ele descreia na mudança de ciclo: «É como o discurso da morte do Papa: a retoma virá algum dia». «O PEC está melhor» O ex-ministro considerou ainda muito preocupante que dois terços das receitas venham, não de impostos directos sobre a riqueza ou o rendimento, mas de impostos indirectos (como o IVA), «mais fáceis de gerir mas mais cegos à justiça». 

Uma situação que, garantiu Sousa Franco, «vai ser agravada em 2004». Outra situação que favorecerá os ricos em detrimento dos pobres será a actualização de dois por cento dos escalões do IRS, «o que significa que o imposto irá aumentar para a grande maioria dos contribuintes». Por outro lado, a impossibilidade de utilização do saldo da conta poupança-habitação, sem perda de benefícios fiscais, para efeitos de amortização dos empréstimos, constitui-se como uma indesejável «restrição às poupanças familiares». A concluir, um elogio: «As melhorias introduzidas ao Pagamento Especial por Conta (PEC) são isso mesmo: melhorias», disse Sousa Franco. «Na minha opinião o PEC é um instrumento de justiça, o mais eficaz instrumento de luta contra a evasão e fraude fiscal no IRC desde 1989».