Em dezembro de 2016 determinado contabilista certificado ficou desempregado e, no início de 2017, decidiu criar o seu próprio emprego, apresentando um projeto ao IEFP para criação do próprio emprego. O projeto foi aprovado e foi constituída uma sociedade unipessoal, investindo o valor total recebido na compra de ativos fixos tangíveis e intangíveis para a atividade da empresa. Em termos contabilísticos, o montante recebido e investido foi tratado como subsídio à exploração, reconhecendo o rédito em três anos.
Um parecer técnico da OCC esclarece, contudo, que o apoio concedido ao empreendedor não deve ser tratado como um subsídio à exploração, mas sim como sendo entrada de suprimentos do sócio.
No encerramento do ano de 2019, esta situação pode ser revertida? Ou seja, pode-se desreconhecer o rédito reconhecido em 2017 e 2018? Caso a resposta seja afirmativa, é um custo aceite fiscalmente? Que contas devem ser movimentadas? E quais os movimentos contabilísticos a fazer para regularizar o saldo credor da conta 282, uma vez que já não se reconhece o subsídio no ano 2019?
Parecer técnico
A questão colocada refere-se ao tratamento contabilístico da atribuição de subsídio não reembolsável referente à medida de apoio ao empreendedorismo e à criação do próprio emprego.
O programa de apoio ao empreendedorismo e à criação do próprio emprego (PAECPE) prevê várias medidas de apoio ao estímulo à criação de emprego e empresas, nomeadamente, apoio à criação de empresas de pequena dimensão, com fins lucrativos, independentemente da respetiva forma jurídica, incluindo entidades que revistam a forma cooperativa, que originem a criação de emprego e contribuam para a dinamização das economias locais, e apoio à criação do próprio emprego por beneficiários de prestações de desemprego.
A Portaria n.º 985/2009, de 4 de setembro (com redação dada pela Portaria n.º 58/2011, de 28 de janeiro, Portaria n.º 95/2012, de 4 de abril e Portaria n.º 157/2015, de 28 de maio), que regulamenta o PAECPE, prevê as seguintes modalidades de apoio: crédito com garantia e bonificação da taxa de juro; apoio técnico à criação e consolidação dos projetos; pagamento, por uma só vez, do montante global das prestações de desemprego; apoio complementar ao pagamento das prestações de desemprego, sob a forma de subsídio a fundo perdido (antes da redação da Portaria n.º 58/2011).
Este programa veio substituir o programa de estímulo à oferta de emprego (PEOE), que previa várias medidas de apoio ao estímulo à criação de emprego, nomeadamente «Apoios à contratação»; «Apoios a iniciativas locais de emprego (ILE)»; «Apoios a projetos de emprego promovidos por beneficiários das prestações de desemprego.»
Os apoios do Programa de Estímulo à Oferta de Emprego (PEOE) estavam regulamentados na Portaria n.º 196-A/2001, de 10 de março, com a redação que lhe foi dada pela Portaria n.º 255/2002, de 12 de março e outras pequenas alterações posteriores.
O IEFP disponibiliza um manual de procedimentos destes apoios do PAECPE, incluindo o regulamento e formulários de apoio a serem apresentados no centro de emprego, nomeadamente quanto aos apoios financeiros, indicando o tipo de apoios concedidos, as condições necessárias de acesso e as despesas elegíveis para o investimento.
A medida de apoio «Apoios a projetos de emprego promovidos por beneficiários das prestações de desemprego» tem como objetivo a concessão de incentivos à criação do próprio posto de trabalho dos beneficiários de prestações de desemprego, nomeadamente através da criação de uma empresa, por exemplo, uma sociedade comercial por quotas unipessoal.
Estas iniciativas podem incidir sobre qualquer área ou setor de atividade económica, desde que tenham como destinatários os beneficiários das prestações de desemprego.
Os apoios concedidos podem ser de nível técnico (formação e acompanhamento do projeto) e financeiro.
O apoio financeiro da medida «Apoios a projetos de emprego promovidos por beneficiários das prestações de desemprego» é o pagamento, por uma só vez, do montante global das prestações de desemprego que lhe são devidas pelo facto de estar na situação de desempregado.
Como se trata de um apoio financeiro concedido pessoalmente ao empreendedor, e não diretamente à empresa, este não deve ser classificado como um subsídio.
Nos termos do n.º 3 do artigo 12.º da Portaria n.º 985/2009, o montante das prestações de desemprego adiantadas deve ser aplicado, na sua totalidade, no financiamento do projeto, podendo ser aplicado em operações associadas ao projeto, designadamente na realização de capital social da empresa a constituir.
Se o empreendedor utilizar esse apoio financeiro, atribuído pessoalmente, para a realização do capital social da sociedade unipessoal por quotas, esse montante deve ser classificado como uma entrada de capital social:
- Débito da conta 12 - Depósitos à ordem por contrapartida a crédito da conta 51 - Capital, pelo montante da realização de capital em dinheiro.
Por outro lado, se o empreendedor utilizar esse apoio financeiro para financiar a atividade, mas como suprimento à sociedade, pode classificar esse montante entregue como um passivo financeiro:
- Débito da conta 12 - Depósitos à ordem por contrapartida a crédito da conta 2538 - Financiamentos obtidos - participantes de capital - sócio "X", pelo montante do suprimento em dinheiro.
Desta forma, este apoio financeiro não é considerado como um subsídio ou outro tipo de apoio no âmbito da norma contabilística e de relato financeiro n.º 22 - Subsídios e outros apoios das entidades públicas, nem no âmbito da norma contabilística para microentidades, no capítulo 14 - Contabilização dos subsídios atribuídos por entidades públicas.
Em qualquer das situações, este montante deve ser integralmente utilizado no financiamento do projeto, nomeadamente na aquisição dos investimentos previstos e demais encargos indicados no projeto.
Em termos de IRC, estes montantes recebidos não são considerados como rendimentos tributáveis, ainda que sejam classificados em capital próprio, conforme a alínea a) do n.º 1 do artigo 21.º do Código desse imposto.
Pressupõe-se que empresa em causa esteja a adotar a NC-ME, devendo adotar os procedimentos contabilísticos previstos nessa norma.
Se a entidade contabilizou o apoio atribuído pessoal ao sócio da sociedade como subsídio, seja subsídio não reembolsável relacionado com ativos ou subsídio não reembolsável relacionado com rendimentos, tal constitui um erro contabilístico relacionado com resultados de períodos anteriores, que sendo materialmente relevante deve ser objeto de correção no período corrente nos termos do parágrafo 6.8 da NC-ME.
Nos termos do parágrafo 6.8 da NC-ME, a correção de um erro material de um período anterior é excluída dos resultados do período em que o erro é detetado, sendo efetuada diretamente em resultados transitados.
A correção desse erro contabilístico deve ser efetuada no período corrente, ou seja, no período de 2019, efetuando-se um registo contabilístico à data de 1 de janeiro de 2019, com a retificação do erro contabilístico, por contrapartida de resultados transitados.
O registo contabilístico deve ser:
Em 01/01/2019:
Pela transferência do montante do subsídio ainda não imputado a rendimentos do período, para ser reclassificado como suprimentos:
- Débito da conta 593 – Subsídios (se classificado como subsídio ao investimento) (ou conta 282 – Rendimentos a reconhecer, se classificado como subsídio à exploração) por contrapartida da conta 253 – Financiamentos obtidos – Participantes de capital, pelo montante do subsídio ainda não imputado a resultados à data de 01/01/2019.
Pela transferência do montante do subsídio que já foram imputados a rendimentos de períodos anteriores:
- Débito da conta 56 – Resultados transitados por contrapartida da conta 253 – Financiamentos obtidos – Participantes de capital, pelo montante do subsídio que já foi imputado a resultados de períodos anteriores à data de 01/01/2019.
Em termos de IRC, se a parte do subsídio que já foi imputado a rendimentos de períodos anteriores, já foi objeto de tributação em sede de imposto sobre o rendimento (IRC), nomeadamente por acréscimo na determinação do lucro tributável de IRC desses períodos anteriores, a entidade pode proceder à entrega de declarações modelo 22 de substituição desses períodos anteriores, para acrescer na determinação do lucro tributável (no quadro 07), desde que essa submissão seja efetuada no prazo previsto no n.º 2 do artigo 122.º do Código do IRC (um ano a contar do prazo limite para entrega da declaração modelo 22 substituída).
No caso em concreto, parece ser possível a submissão de modelo 22 de substituição do período de tributação de 2018. Para o período de 2017, tendo já sido ultrapassado o prazo não é possível efetuar essa substituição da modelo 22.