Opinião
A Teoria e a Prática Contabilísticas (I)
5 Março 2004
Opinião de J.F. Cunha Guimarães, Presidente do Conselho Fiscal da CTOC
«O que é a teoria contabilística sem a prática? É morta». «O que é a prática contabilística sem a teoria? É cega». A frase em frontispício adaptámo-la de uma outra da autoria de Willen van Gezel (citado por Pierre Jouanique, Boletim da AECA ¿ Asociacion Española de Contabilidad y Administracion de Empresas, n.º 31 de Janeiro/Abril de 1993, p. 26) em que a palavra «teoria» é substituída pela palavra «ciência». Em Dezembro do ano passado sugerimos à Direcção da CTOC a realização de uma entrevista ao Professor Doutor Camilo Cimourdain de Oliveira, em virtude de termos uma admiração especial pelo Professor desde que o conhecemos há cerca de uma dezena de anos, e por ser o decano dos professores universitários de Contabilidade em Portugal, o que veio a concretizar-se na revista «TOC» n.º 46, de Janeiro de 2004. Nessa entrevista, o Professor refere-se a um dos aspectos que, insistentemente, temos sublinhado na nossa actividade de docência no Ensino Superior - a ligação entre a teoria e a prática contabilísticas - pelo que apresentamos algumas ideias sobre o tema. Antes de mais é conveniente sublinhar que a dicotomia «teoria vs prática» ou «prática vs teoria», é apanágio de qualquer ciência, pelo que a Contabilidade não se afasta dessa regra. Na verdade, quantas vezes no nosso dia a dia profissional recorremos à teoria para fundamentar a prática (v.g. assentos contabilísticos). O distinto Professor critica o ensino da Contabilidade em Portugal, argumentando que o mesmo passou a fazer-se não já tanto no plano teórico, mas mais no plano prático, baseado no POC, que passou a ser, por assim dizer, o tratado da contabilidade. Um outro Professor, António Lopes de Sá, numa das aulas que nos ministrou no Mestrado de Contabilidade e Auditoria da Universidade do Minho, referia, com o humor que o caracteriza, que nos dias de hoje, a prática contabilística encontra-se muito subalternizada pela informática, pelo que os técnicos de contas que eram conhecidos por «guarda-livros», hoje são «guarda-computadores». É obvio que não podemos ignorar que a Contabilidade é encarada como um sistema de informação (computorizado ou não) para a tomada de decisões. Ou seja, a utilidade da Contabilidade é-lhe conferida pelos utilizadores/utentes da informação financeira que proporciona (v.g. demonstrações financeiras). O Professor Cimourdain reforça a sua ideia referindo que o POC deveria ser a transposição para o plano prático da teoria da contabilidade, teoria essa que está hoje desprezada no ensino, mesmo no superior. E como esta questão já não é nova, há cerca de 25 anos um outro nosso Professor da Universidade do Minho, Armandino Rocha, transmitiu-nos a ideia que não é aquele que memoriza e dita os códigos e ou títulos das contas do POC que sabe Contabilidade sublinhando que não pretendia ensinar o POC mas a pensar (raciocinar) a Contabilidade, i.e., a trabalhar com qualquer POC, pelo que, para atingir tal desiderato, a teoria contabilística é muito importante. O Professor Cimourdain que, como refere na entrevista, apenas deixou de ensinar há dois anos (actualmente tem 92 anos, o que «per se» constituiu um facto assinalável do seu gosto pelo ensino), vem abordar novamente esta questão, o que, sinceramente nos preocupa, pois se a mesma é recorrente na actualidade é porque essa problemática ainda se mantém. Assim, parece de concluir que não se registou grande evolução no ensino da Contabilidade. Note-se, porém, que na década de 90 do século passado, registou-se uma evolução do ensino teórico da Contabilidade, nomeadamente através do surgimento de doutores e mestres em Contabilidade e áreas conexas, o que constitui, indiscutivelmente, um factor positivo na evolução da teoria e prática contabilísticas.