Pareceres
Transferência de sociedade
20 Novembro 2024
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.


Transferência de sociedade
PT28227 - junho 2024

 

Determinado empresário em nome individual pretende passar a unipessoal por quotas. Como deve proceder-se a essa transformação? Os resultados como empresário em nome individual são transferidos para a sociedade ora criada? É possível a transferência parcial da atividade, uma vez que tem mais de uma atividade?

 

Parecer técnico

 

A questão colocada refere-se ao enquadramento fiscal e contabilístico da transferência de parte de uma atividade exercida em nome individual para uma sociedade unipessoal a constituir para prosseguir essa mesma atividade.
No caso em concreto trata-se de um empresário em nome individual que detém mais que uma atividade, pretendendo passar o património de uma das atividades para uma sociedade.
Começamos por dar nota que os aspetos legais sobre esta operação estão fora do âmbito deste consultório, pelo que, sugerimos a consulta de uma jurista ou advogado.
Em todo o caso, atendendo à situação em análise, iremos efetuar o enquadramento fiscal e contabilístico da operação.

 

IVA

 

A transmissão de bens e/ou direitos e obrigações de uma pessoa jurídica, no âmbito de uma atividade comercial (empresário em nome individual) para outra pessoa jurídica (sociedade unipessoal por quotas) ficará sujeita as regras gerais de cada um dos impostos, IVA e IRC, aplicando-se-lhe os mesmos pressupostos que em qualquer outra transmissão ou prestação de serviços.
Há a considerar, de facto, a particularidade que aqui pode ocorrer e que é a exclusão da tributação em sede de IVA, conforme prevista no n.º 4 artigo 3.º e n.º 5 artigo 4.º do CIVA, e que consiste na não tributação da operação de transmissão quando em causa esteja a transmissão da totalidade, ou parte, do património suscetível de constituir uma atividade independente, sujeita a IVA.
Para que se verifique a aplicação desta norma é necessário que:
- Ocorra uma transmissão definitiva, a título oneroso ou gratuito, de:
- Uma unidade económica complexa - universalidade de facto ou de direito - englobando a cedência dos elementos corpóreos e dos elementos incorpóreos que a constituem (estes últimos, por força do disposto no n.º 5 do artigo 4.º do CIVA, considerando que a cedência de direitos é qualificada como prestação de serviços para efeitos de IVA); ou
- Parte de um património, que pelas características que reúne, tenha aptidão para o exercício de um ramo de atividade autónomo e independente.
- Que o adquirente já seja, ou venha a ser pelo facto da aquisição, um sujeito passivo do imposto dos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA.
A segunda condição, à partida, estará garantida, dado que entendemos que o adquirente será uma sociedade que irá desenvolver essa atividade comercial e que será, presumimos, um sujeito passivo de IVA do regime geral.
A primeira condição deverá ser avaliada face aos elementos concretos da operação, no conhecimento pleno das condições em que tal irá decorrer, sendo de começar por determinar quais as operações a desenvolver no âmbito da atividade da sociedade e em que medida é que, pegando exclusivamente nos elementos adquiridos, é possível proceder às operações necessárias - caso não seja possível, muito provavelmente não terá uma situação consentânea com a prevista na norma aqui analisada.
O objetivo do n.º 4 do artigo 3.º e do n.º 5 do artigo 4.º, ambos do CIVA, é estabelecer um regime de neutralidade fiscal a operações de cedência de uma atividade, pois ainda que exista uma alteração do sujeito passivo, o estabelecimento ou o património continua em desenvolvimento, nunca existindo uma cessação propriamente dita dessa atividade.
De referir que não bastará existir a transmissão de determinados ativos, seja por venda ou por cedência de posição contratual, para se aplicar o referido regime de neutralidade.
Terá de estar em causa, a transmissão de um conjunto de ativos (e eventualmente passivos) que constituam um património (uma universalidade), com o qual possa ser desenvolvida uma atividade independente da atividade anterior.
Portanto, esta disposição afasta de tributação em IVA, as cessões de um património, mas apenas no caso em que este constitua uma «universalidade», como atrás já referido, ou seja, uma certa unidade funcional (constituída, por exemplo, pelo imobilizado, existências, carteira de clientes, fornecedores, que sustentam o desenrolar daquela atividade), de modo a proporcionar um ramo de atividade autónomo e independente, e que o adquirente seja, ou venha a ser, pelo ato de aquisição um sujeito passivo do imposto. Apenas se poderá aplicar o disposto naquele artigo, quando cumpridas cumulativamente as exigências aí estipuladas.
Deixamos ainda referência a um entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) que poderá ajudar no enquadramento da operação em análise - Informação vinculativa - Despacho de 12-09-2005 - Proc. A100 2005026 - Cessão de estabelecimento.
No pressuposto de considerar uma transmissão de parte do património que possa constituir por si uma atividade independente nos termos já referidos anteriormente, então nestas circunstâncias, não se considerando transmissão de bens nem prestação de serviços para efeitos de IVA, não há obrigação de emissão de fatura para titular essa operação, podendo estar documentalmente comprovada através de um contrato, recomendando-se, contudo, que o mesmo inclua todos os dados previstos no n.º 5 do artigo 36.º do CIVA.
No entanto, poderá ser emitida fatura, a qual não será sujeita a IVA, nos termos n.º 4 do artigo 3.º e/ou do n.º 5 do artigo 4.º, ambos do CIVA.
Se não houver forma de assegurar que estão reunidos os requisitos para a sua aplicação, a transmissão do património não beneficia de qualquer exclusão, devendo o IVA ser liquidado sobre os bens e/ou direitos transmitidos de acordo com as regras gerais do imposto e às taxas (ou eventuais isenções) que estejam previstas.
No que se refere à aplicação do valor dos bens alvo de transmissão deverá atender ao estipulado no artigo 16.º do CIVA.
O valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro.
O n.º 4 refere que para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado, entende-se por valor normal de um bem ou serviço:
- O preço, aumentado dos elementos referidos no n.º 5, na medida em que nele não estejam incluídos, que um adquirente ou destinatário, no estádio de comercialização em que é efetuada a operação e em condições normais de concorrência, teria de pagar a um fornecedor ou prestador independente, no tempo e lugar em que é efetuada a operação ou no tempo e lugar mais próximos, para obter o bem ou o serviço ou um bem ou serviço similar;
- Na falta de bem similar, o valor normal não pode ser inferior ao preço de aquisição do bem ou, na sua falta, ao preço de custo, reportados ao momento em que a transmissão de bens se realiza;
- Na falta de serviço similar, o valor normal não pode ser inferior ao custo suportado pelo sujeito passivo na execução da prestação de serviços.
Atendendo que estamos perante relações entre sócio e sociedade, deverá ser atendido ao referido no n.º 10, que no caso de existirem relações especiais, nos termos do n.º 4 do artigo 63.º do Código do IRC, com os respetivos adquirentes ou destinatários, independentemente de estes serem ou não sujeitos passivos, deverá ser aplicado sempre o valor tributável determinado nos termos do n.º 4, quando se verifique qualquer uma das seguintes situações:
- A contraprestação seja inferior ao valor normal e o adquirente ou destinatário não tenha direito a deduzir integralmente o imposto;
- A contraprestação seja inferior ao valor normal e o transmitente dos bens ou o prestador dos serviços não tenha direito a deduzir integralmente o imposto e a operação esteja isenta ao abrigo do artigo 9.º;
- A contraprestação seja superior ao valor normal e o transmitente dos bens ou o prestador dos serviços não tenha direito a deduzir integralmente o IVA.
Note-se que as operações enquadradas no âmbito do n.º 4 do artigo 3.º CIVA não são de inscrever na Declaração Periódica de IVA.
Não obstante, a operação deve ser reportada no anexo L da IES, campo L61 - operações fora do campo do imposto.

 

IRS

 

Em termos fiscais, o artigo 38.º do Código do IRS consagra um regime de neutralidade fiscal aplicável às pessoas singulares que pretendam transmitir a título oneroso o seu património afeto a uma atividade empresarial e profissional para realização do capital subscrito em sociedade.
Permite-se, então, que não haja lugar a apuramento de qualquer resultado tributável por virtude da realização de capital social resultante da transmissão da totalidade do património afeto ao exercício, por uma pessoa singular, de uma daquelas atividades.
Para que este benefício fiscal, que se traduza num diferimento de tributação proveniente da transferência do património, se concretize, torna-se necessário que se observem as seguintes condições:
- A entidade para a qual é transmitido o património seja uma sociedade com sede e direção efetiva em território português ou, sendo residente noutro Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, o património transmitido seja afeto a um estabelecimento estável situado em território português dessa mesma sociedade e concorra para a determinação do lucro tributável imputável a esse estabelecimento estável;
- O sujeito passivo deve deter pelo menos 50 por cento do capital da nova sociedade e a atividade exercida por esta deve ser substancialmente idêntica à que era exercida pela pessoa singular transmitente do património;
- Os elementos do ativo e do passivo da pessoa singular objeto de transmissão (do seu património) devem ser considerados pelos mesmos valores que tinham na escrita ou contabilidade da pessoa singular, ou seja, dos que resultam das disposições do Código do IRS ou de reavaliações feitas ao abrigo de diplomas de caráter fiscal;
- As partes de capital recebidas em contrapartida da transmissão sejam valorizadas, para efeitos de tributação aquando da sua transmissão futura, pelo valor líquido correspondente aos elementos do ativo e do passivo transferidos, valorizados como referido anteriormente, ou seja, segundo as disposições do Código do IRS ou de reavaliações efetuadas ao abrigo de legislação fiscal;
- A sociedade que recebe o património individualmente terá de se comprometer a respeitar o artigo 86.º do Código do IRC, através de declaração que deve ser junta à declaração periódica de rendimentos da pessoa singular relativa ao exercício em que se operou a transmissão.
Nos termos do n.º 3 do artigo 38.º do Código do IRS, se o titular da quota ou das ações recebidas em contrapartida do património individual proceder à sua transmissão onerosa antes de decorridos cinco anos serão os ganhos resultantes da transmissão das partes de capital tributados como rendimentos empresariais ou profissionais, e considerados como rendimentos líquidos da categoria B, não podendo durante aquele período efetuar-se operações sobre as partes sociais que beneficiem de regimes de neutralidade, sob pena de, no momento da concretização destas, se considerarem realizados os ganhos.
Se as partes de capital forem transmitidas depois de decorrido aquele período os ganhos correspondentes serão tributados como mais-valias da alienação onerosa de partes sociais, nos termos da subalínea 2) da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS e, portanto, tributados como rendimentos da categoria G.
Nos termos do disposto no artigo 86.º do Código do IRC, os bens transmitidos para a sociedade devem ser contabilizados pelos mesmos valores que tinham na contabilidade do sujeito passivo, devendo ainda ter-se em conta na determinação do lucro tributável da sociedade o seguinte:
- O apuramento dos resultados respeitantes aos bens transmitidos é calculado como se não tivesse havido transmissão;
- As reintegrações e amortizações serão efetuadas de acordo com o regime que vinha sendo seguido na contabilidade da empresa singular;
- Os ajustamentos em inventários, as perdas por imparidade e as provisões que tiverem sido transferidos têm, para efeitos fiscais, o regime que lhes era aplicável para efeitos de determinação do rendimento tributável da pessoa singular.
Os prejuízos fiscais relativos ao exercício pela pessoa singular de atividade empresarial e profissional, e ainda não deduzidos ao seu rendimento tributável podem ser deduzidos nos lucros tributáveis da nova sociedade até ao fim do período referido no artigo 52.º do Código do IRC, contado do exercício a que os mesmos se reportam, até à concorrência de 50 por cento de cada um desses lucros tributáveis.
Assim, contempla o artigo 38.º do Código do IRS, a figura da «transformação» em sociedade, que consiste na transmissão da totalidade do património do empresário em nome individual para realização do capital social da nova sociedade, ou seja, este regime de neutralidade, consiste em transferir o ativo e passivo da atividade de IRS para uma sociedade por quotas a constituir. Por outro lado, o valor de tal património deverá constar de certificação emitida por revisor oficial de contas (ROC) nos termos do disposto no artigo 28.º do Código das Sociedades Comerciais por se tratar da realização do capital da nova sociedade por novas entradas em espécie. O ROC será a entidade habitual para apurar o valor do património.
Para utilização deste regime de neutralidade fiscal deverão verificar-se algumas condições, entre elas a emissão de declaração pela nova sociedade constituída, em como esta se compromete ao cumprimento do disposto no artigo 86.º do Código do IRC, que deverá integrar o dossiê fiscal do empresário em nome individual. Esta declaração deverá ser adaptada a cada caso em concreto, de acordo com os itens objetos de transferência e nas condições que os mesmos possuem.
Por último, referimos que se a sociedade não paga nada ao ENI, na transmissão gratuita dos bens do ativo fixo tangível é considerado uma variação patrimonial positiva tributada em IRC.
Em termos de movimentos contabilísticos, considerado que o ENI tem contabilidade organizada, há que se proceder aos lançamentos decorrentes da transmissão do património, incluindo a cessão de créditos e a transmissão de dívidas (caso existam).
As contas do ativo e do passivo da atividade do empresário em nome individual serão saldadas por contrapartida da conta «51.3 - Capital - Conta particular.»
A diferença entre os valores ativos e passivos transmitidos representará o valor líquido da quota, pelo que não serão objeto de transferência para a nova sociedade os resultados transitados, nem outros valores do capital próprio da atividade em nome individual. Contudo, a nova sociedade poderá deduzir os prejuízos fiscais, nos termos do n.º 2 do artigo 86.º do CIRC.
Na nova sociedade, os ativos e passivos transmitidos serão registados consoante as respetivas naturezas, isto é, debitando as respetivas contas relativas aos bens que constituem valores ativos e creditando as contas que representam valores passivos.
A diferença entre estes valores terá por contrapartida o crédito da conta 262 -Sócio - Quota não liberada.
Esta conta 262 ficará com o seu saldo anulado, uma vez que já teria sido debitada por crédito da 51 - Capital social, no momento da subscrição do capital quando a sociedade foi constituída.
Desta forma, deverá ser preparado o balanço e a demonstração de resultados da atividade exercida em nome individual até à data da transmissão, sendo esses os elementos contabilísticos que serão objeto de tributação em IRS (declaração modelo 3).
Os restantes movimentos contabilísticos referentes à transmissão do património para a realização do capital da sociedade não deverão constar desse Balanço, sendo efetuados após tal procedimento.
Assim, após o registo na contabilidade da transmissão da totalidade do património do pagamento e recebimentos de débitos e créditos ou sua imputação à esfera pessoal, o empresário em nome individual apenas terá no seu balanço valores nas contas da classe 5 - Capital, nomeadamente na conta 51.1 - Capital - Inicial, conta 51.2 - Capital - Adquirido e conta 51.3 - Capital - Conta particular.
No caso concreto, devem ser registados os bens que vão ser utilizados para a realização do capital pelo valor determinado pelo ROC, por contrapartida da respetiva conta do ativo (ativo fixo tangível, intangível, inventários).
Para aplicação do regime de neutralidade do artigo 38.º do CIRS, devem constar todas as dívidas a receber de clientes, dívidas a pagar a fornecedores, bem como os restantes ativos e passivos financeiros afetos à atividade empresarial individual, e não apenas os bens físicos.
O relatório do ROC deve incluir a valorização dessas dívidas a receber e a pagar para determinar o valor líquido (ativos menos passivos) a considerar para a realização do capital social da sociedade.
Ainda em relação à cedência de créditos, esta é uma operação comum que se traduz na transmissão de um direito - direito ao recebimento do valor em dívida, encontrando-se prevista e regulada nos termos do artigo 577.º e seguintes do Código Civil.
A transmissão das dívidas a pagar da sociedade para os sócios exige a ratificação do credor, conforme estabelecido no artigo 595.º do Código Civil.
Desta forma, a possibilidade da transferência das dívidas a pagar a fornecedores ou relativas a financiamentos obtidos, depende sempre do consentimento prévio da entidade credora.
O empresário em nome individual deve solicitar a autorização aos credores da transferência dessas dívidas a pagar que estão em nome individual para a esfera da sociedade.
Quanto às dívidas a receber de clientes, não é exigido qualquer consentimento, bastando efetuar a respetiva notificação ao devedor, conforme previsto no artigo 577.º do Código Civil.
No caso em concreto, quanto às entradas em bens diferentes de dinheiro (entradas em espécie), dever-se-á ter presente os seguintes aspetos:
• As entradas dos sócios devem ser realizadas até ao momento da celebração do contrato de sociedade, sem prejuízo de estipulação contratual que preveja o diferimento da realização das entradas em dinheiro (artigo 26.º do CSC);
O relatório do revisor deve, pelo menos: descrever os bens; identificar os seus titulares; avaliar os bens, indicando os critérios utilizados para a avaliação; declarar se os valores encontrados atingem ou não o valor nominal da parte, quota ou ações atribuídas aos sócios que efetuaram tais entradas, acrescido dos prémios de emissão, se for caso disso, ou a contrapartida a pagar pela sociedade. No caso de ações sem valor nominal, deve também declarar se os valores encontrados atingem ou não o montante do capital social correspondentemente emitido.
O relatório deve reportar-se a uma data não anterior em 90 dias à do contrato de sociedade, mas o seu autor deve informar os fundadores da sociedade de alterações relevantes de valores, ocorridas durante aquele período, de que tenha conhecimento. O relatório do revisor deve ser posto à disposição dos fundadores da sociedade pelo menos 15 dias antes da celebração do contrato.
Caso o regime de neutralidade fiscal não se possa aplicar nomeadamente pelo facto de não ocorrer a transmissão da totalidade do património, a transferência dos bens deverá ser efetuada através da alienação do património havendo lugar à determinação de rendimentos tributáveis, tratando-se dos inventários e ao apuramento das mais ou menos valias no caso do ativo. Esta alienação deverá ser efetuada nos termos e condições que seriam normalmente utilizados numa situação normal de mercado com ausência de relações especiais, tendo em conta os bens em causa e a sua posição no mercado.
Neste pressuposto, ou seja, da não aplicação deste regime na medida em que não ocorra a transmissão da totalidade do património do sujeito passivo, nestes termos esta operação configurar-se-á como um rendimento tributável, pelo que considerando tratar-se de um empresário em nome individual (ENI) com contabilidade organizada, para efeitos da determinação dos rendimentos aplicam-se as regras do IRC (vide artigo 32.º CIRS).
Estando em causa a transmissão de parte de um património empresarial em que, conjuntamente são transmitidos elementos do ativo fixo tangível, intangível, inventários e outros bens e serviços, será conveniente que no próprio o contrato de suporte relativamente a esta operação se discrimine o valor de transmissão dos ativos em questão.
Para além disso, poderá existir a necessidade de quantificar os valores de direitos sobre clientes e outros devedores, bem como de obrigações para com credores, à data da cedência da atividade, se tal estiver previsto no contrato de venda.
Assim, se for caso disso, a determinação da mais ou menos-valia fiscal pode ser reduzida à seguinte fórmula:
Mais-valia fiscal:
MV/mv = VR - (CA - AAac - PIAac) x coeficientes de desvalorização da moeda
Sendo:
MV - Mais-valia
mv - menos-valia
VR - Valor de realização líquido de encargos
CA - Custo de aquisição acrescido de encargos
AAac - Amortizações acumuladas aceites em termos fiscais
No caso em concreto, do ponto de vista contabilístico, o ENI que cede a atividade à sociedade deve apurar os referidos resultados pelo desreconhecimento dos ativos e passivos, considerando como valor de realização (ou de alienação) o montante determinado por avaliação efetuada a cada um dos itens.
A título de exemplo, no caso dos ativos fixos tangíveis e dos ativos intangíveis, deve ser considerado o montante atribuído, no âmbito do contrato de venda, a cada item desses bens.
Em termos de registos contabilísticos, sugerimos o seguinte:
O desreconhecimento de itens do ativo fixo tangível deverá ser efetuado em conformidade com o disposto nos parágrafos 66 a 71 da NCRF 7 - Ativos fixos tangíveis, no caso em que esteja a ser adotado as NCRF. No caso de ser adotado as NCRF-PE deverá atender aos parágrafos 7.24 a 7.27 e se adotar as NC-ME deverá atender aos parágrafos 7.15 a 7.18.
Pelo desreconhecimento dos ativos fixos tangíveis e anulação das depreciações e perdas por imparidade acumuladas:
- Débito da conta 6871 - Gastos em investimentos não financeiros - Alienações (caso se determine uma menos-valia), ou da conta 7871 - Rendimentos em investimentos não financeiros;
- Alienações (caso se determine uma mais-valia), pela quantia escriturada do ativo à data da transmissão;
- Débito da conta 439 - Perdas por imparidade acumuladas, pelo montante das eventuais perdas por imparidade acumuladas;
- Débito da conta 438 - Depreciações acumuladas, pelo montante das depreciações acumuladas;
Por contrapartida a:
- Crédito da conta 431 a 437 - Ativos fixos tangíveis, consoante o tipo de ativo fixo tangível, pelo valor bruto do mesmo.
Pelo reconhecimento do valor a receber pela cedência dos ativos fixos tangíveis:
- Débito da conta 278x - Outros devedores e credores, por contrapartida a crédito da conta 6871
- Gastos em investimentos não financeiros - Alienações ou da conta 7871 - Rendimentos em investimentos não financeiros - Alienações (consoante exista menos ou mais-valia, respetivamente), pelo valor a receber.
O desreconhecimento de itens do ativo intangível deverá ser efetuado em conformidade com o disposto nos parágrafos 108 a 113 da NCRF 6 - Ativos Intangíveis, no caso em que esteja a ser adotado as NCRF. No caso de ser adotado as NCRF-PE deverá atender ao parágrafo 8.23 e se adotar as NC-ME deverá atender ao parágrafo 8.19.
Pelo desreconhecimento dos ativos intangíveis e anulação das depreciações e perdas por imparidade acumuladas:
- Débito da conta 6871 - Gastos em investimentos não financeiros - Alienações (caso se determine uma menos-valia), ou da conta 7871 - Rendimentos em investimentos não financeiros;
- Alienações (caso se determine uma mais-valia), pela quantia escriturada do ativo à data da transmissão;
- Débito da conta 449 - Perdas por imparidade acumuladas, pelo montante das eventuais perdas por imparidade acumuladas;
- Débito da conta 448 - Depreciações acumuladas, pelo montante das depreciações acumuladas;
Por contrapartida a:
- Crédito da conta 441 a 447 - Ativos intangíveis, consoante o tipo de ativo intangível, pelo valor bruto do mesmo.
Pelo reconhecimento do valor a receber pela cedência dos ativos intangíveis:
- Débito da conta 278x - Outros devedores e credores, por contrapartida a crédito da conta 6871;
- Gastos em investimentos não financeiros - Alienações ou da conta 7871 - Rendimentos em investimentos não financeiros - Alienações (consoante exista menos ou mais-valia, respetivamente), pelo valor a receber.
As depreciações e amortizações dos itens apenas devem ser contabilizadas até ao período anterior a esta alienação, que pode ser o ano anterior, ou o mês anterior, no caso de se estar a utilizar as depreciações e amortizações por duodécimos.
No que respeita à alienação dos inventários (registada a crédito da classe 3), deve ser reconhecida a respetiva venda, a crédito da conta 71x - Vendas, e o correspondente custo das mercadorias vendidas, a débito da conta 61x - Custo dos inventários vendidos e das matérias consumidas, de acordo com o valor que lhes seja atribuído no âmbito do contrato de venda e que ficará relevado a débito da conta 278x - Outros devedores e credores.
Na ótica da sociedade, adquirente deste património suscetível de constituir uma atividade independente, deve atender-se aos procedimentos contabilísticos para as concentrações de atividades empresariais que estão previstos na norma contabilística e de relato financeiro (NCRF) n.º 14 - Concentrações de atividades empresariais.
Esta norma prevê o método da compra, definindo que as aquisições dos ativos adquiridos e o reconhecimento dos passivos e passivos contingentes assumidos, que sejam identificáveis, sejam reconhecidos pelos respetivos justos valores.
Neste método, quando exista uma diferença positiva entre o custo de aquisição da operação e os justos valores dos ativos e passivos e passivos contingentes identificáveis adquiridos, esta diferença deve ser contabilizada como um ativo (goodwill).
A partir do período iniciado em, ou após, 1 de janeiro de 2016, o goodwill adquirido numa concentração de atividades empresariais deve passar a ser amortizado, nos termos da NCRF 6 - Ativos intangíveis, no período da sua vida útil (ou em 10 anos, caso a sua vida útil não possa ser estimada com fiabilidade), conforme o parágrafo 46 da NCRF 14.
O custo de aquisição da concentração de atividade empresarial é o justo valor dos ativos e passivos entregues pela entidade adquirente para a realização dessa operação, acrescido dos encargos diretamente relacionados.
O custo de aquisição da concentração de atividade empresarial pode incluir apenas a quantia de dinheiro entregue ou a entregar no futuro, devendo ser efetuada uma avaliação aos justos valores dos ativos, passivos e passivos contingentes adquiridos no âmbito do contrato de venda.
Face ao enquadramento contabilístico referido, a entidade deveria ter iniciado por obter os justos valores de todos os ativos adquiridos e passivos e passivos contingentes assumidos no âmbito do contrato de venda.
Os justos valores dos ativos, passivos e passivos contingentes podem ser determinados pelo preço acordado entre as duas partes e que pode constar do anexo ao contrato de venda. O contrato de venda poderia indicar o valor individual de cada um dos itens transmitidos, porque ambas as partes envolvidas precisam dessa informação. O alienante precisa dessa informação para proceder ao desreconhecimento dos itens e respetivo cálculo das mais-valias e/ou menos-valias e a entidade adquirente também precisa dessa informação para o registo do valor de aquisição de cada um dos itens.
Se não tiverem sido acordados valores para os diferentes itens patrimoniais adquiridos e assumidos no contrato de venda, a entidade pode determinar esse justo valor através de valores de mercado ou outra técnica.
Com a obtenção desses justos valores dos ativos adquiridos e passivos e passivos contingentes assumidos no âmbito do contrato de venda pode proceder à determinação do goodwill.
A goodwill da operação é obtida pela diferença entre o custo de aquisição da operação de venda e o somatório dos justos valores dos ativos adquiridos e passivos e passivos contingentes assumidos. O registo contabilístico do contrato de venda pode ser:
- Débito da conta 43x - Ativos fixos tangíveis, pelo justo valor determinado para os itens do ativo fixo tangível, e;
- Débito da conta 44x - Ativos intangíveis, pelo respetivo justo valor à data da operação;
- Débito da conta 31x - Compras, pelo justo valor determinado para os itens de inventários (por exemplo, mercadorias);
- Débito da conta 21x - Clientes, pela aquisição dos créditos de clientes avaliados ao justo valor na data de aquisição;
- Débito de outra conta de ativo, se for o caso, pelo respetivo justo valor determinado;
- Débito da conta 441 - Goodwill, se existir uma diferença positiva entre o custo de aquisição e os justos valores dos ativos adquiridos, passivos e passivos contingentes assumidos;
Por contrapartida a:
- Crédito da conta 22x - Fornecedores, pela assunção das dívidas de fornecedores (justo valor à data da aquisição);
- Crédito da conta 23 - Pessoal, pelos valores de férias e subsídio de férias dos trabalhadores cedidos;
- Crédito de outra conta de passivo, pela assunção de qualquer outro passivo ou passivo contingente relacionado com a operação de venda;
- Crédito da conta 12 - Depósitos à ordem, pelo valor pago pela operação de venda;
- (ou crédito da conta 788 - Outros rendimentos e ganhos - Outros, se existir uma diferença negativa entre o custo de aquisição e os justos valores dos ativos adquiridos, passivos e passivos contingentes assumidos).
Conforme referido, este procedimento contabilístico deve ser realizado como se de uma compra normal de ativos se tratasse, pelo que, por exemplo, os ativos fixos tangíveis, adquiridos no âmbito da venda do património empresarial, passam a estar sujeitos a depreciações nos termos gerais da NCRF 7.
O valor reconhecido como goodwill (se existir) fica sujeito a amortizações em função da vida útil estimada para o estabelecimento comercial adquirido, ou de dez anos se não for possível determinar com fiabilidade essa vida útil.
Face ao exposto, importa, no caso em análise, perceber exatamente em que termos se pretende que seja efetuada a transmissão da atividade para a sociedade a constituir e fazer o enquadramento nos termos referidos anteriormente, conforme se esteja perante a transferência apenas do "imobilizado" ou a transferência da totalidade do património.