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Transmissões intracomunitárias
24 Agosto 2021
Transmissões intracomunitárias
05-08-2021

Uma empresa espanhola quer comprar mercadoria a uma entidade portuguesa. O transporte é feito pela empresa nacional até à sede de uma empresa em Portugal. O cliente espanhol faz o resto do transporte.
Como documento de prova há apenas o documento de transferência bancária e uma declaração do cliente a comprovar que recebeu a mercadoria. É suficiente? Na declaração, o cliente quer mencionar que é a empresa portuguesa quem faz o transporte porque justifica que se o transporte for feito por eles não é transmissão intracomunitária. Está correto?

Parecer técnico

A questão colocada refere-se aos documentos de prova a utilizar por uma empresa portuguesa, para efeitos de aplicação da isenção prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do RITI quanto às transmissões intracomunitárias de bens.
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do RITI estão isentas de IVA as transmissões de bens, efetuadas por um sujeito passivo do imposto dos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do mesmo diploma, desde que verificadas as seguintes condições:
- Os bens sejam expedidos ou transportados pelo fornecedor, pelo adquirente ou por conta destes, a partir do território nacional para outro Estado-membro (EM) da União Europeia, com destino ao adquirente; e
- O adquirente se encontre registado para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado noutro EM, tenha indicado o respetivo número de identificação fiscal e aí se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens.
Como decorre da citada disposição, para estarmos perante uma transmissão intracomunitária, os bens têm que sair do território nacional, com destino a outro EM, e serem faturados a um sujeito passivo de imposto registado nesse outro EM, ou seja, as duas condições têm que se verificar cumulativamente.
Caso não se verifique qualquer uma das referidas condições, a operação será tributada em território nacional, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do CIVA.
Entretanto, a 1 de janeiro de 2020, entraram em vigor as alterações introduzidas pelo Regulamento de Execução (EU) n.º 2018/1912 do Conselho, de 4 de dezembro de 2018.
Estas alterações ao Regulamento de Execução do IVA visam regular, por um lado, os meios de prova da expedição ou transporte de bens para efeitos da aplicação da isenção prevista no artigo 14.º do RITI e, por outro, a informação a constar do registo que devem manter os sujeitos passivos no âmbito do regime das vendas à consignação previsto no artigo 17.º-A da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006 (Diretiva IVA).
Entretanto, a Autoridade Tributária (AT) emitiu o Ofício-Circulado n.º 30 218, de 2020-02-03, com o objetivo de tentar clarificar estas matérias, nomeadamente, no que respeita aos meios de prova da expedição ou transporte de bens para efeitos da aplicação da isenção prevista no artigo 14.º do RITI. Adicionalmente, este Ofício revogou o anterior Ofício-Circulado n.º 30 009, de 10 de dezembro de 1999, da Direção de Serviços do IVA.
E mais recentemente, a AT emitiu esclarecimentos adicionais relativamente aos meios de prova da expedição ou transporte de bens para efeitos de aplicação da isenção do artigo 14.º do RITI, através do Ofício-Circulado n.º 30 231, de 2021-01-28.
Recomenda-se, assim, a análise destes dois Ofícios-Circulados (n.ºs 30 218/2020 e 30 231/2021).
Segundo o Regulamento de Execução do IVA, sendo os bens expedidos ou transportados pelo fornecedor ou por um terceiro agindo por sua conta, a expedição ou transporte presume-se efetuada quando o fornecedor:
- Está na posse de, pelo menos, dois elementos de prova não contraditórios, a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 45.º-A do Regulamento de Execução do IVA, emitidos por duas partes independentes uma da outra, do fornecedor e do adquirente, tais como:
- Uma declaração de expedição CMR assinada pelo adquirente;
- Um conhecimento de embarque;
- Uma fatura do frete aéreo;
- Uma fatura emitida ao fornecedor pelo transportador dos bens;
- Ou, em alternativa, na posse de qualquer um dos elementos a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 45.º-A do Regulamento de Execução do IVA (acima exemplificados), em conjunto com qualquer um dos elementos de prova não contraditórios a que se refere a alínea b) do mesmo n.º 3 do artigo 45.º-A, que confirmem o transporte ou a expedição, emitidos por duas partes independentes uma da outra, do fornecedor e do adquirente. Os documentos referidos na alínea b) do mesmo n.º 3 do artigo 45.º-A são os seguintes:
- Uma apólice de seguro relativa ao transporte ou à expedição dos bens;
- Documentos bancários comprovativos do pagamento do transporte ou da expedição dos bens;
- Documentos oficiais emitidos por uma entidade pública, por exemplo um notário, que confirmem a chegada dos bens ao EM de destino;
- Um recibo emitido por um depositário no EM de destino, que confirme a armazenagem dos bens nesse país.
Em face do exposto, para que o fornecedor possa beneficiar da presunção estabelecida no artigo 45.º-A do Regulamento de Execução do IVA, quando o transporte for efetuado por ele ou por um terceiro agindo por sua conta, ele terá de reunir dois documentos da alínea a) do n.º 3 do artigo 45.º-A, ou, em alternativa, um documento da alínea a) e um elemento da alínea b) do n.º 3 desse artigo.
Sendo que os referidos documentos têm de ser emitidos por duas partes independentes uma da outra e igualmente independentes do fornecedor e do adquirente. Para o efeito, não são considerados partes independentes os sujeitos passivos que partilhem uma mesma personalidade jurídica ou que mantenham relações especiais entre si, tal como se encontram previstas no n.º 10 do artigo 16.º do CIVA.
Estão em causa elementos de prova não contraditórios, emitidos por partes independentes entre si e independentes do fornecedor e do adquirente.
Se o transporte for efetuado pelo adquirente, ou por terceiro agindo por conta desse adquirente, neste caso, estabelece a alínea b) do n.º 1 do artigo 45.º-A do Regulamento de Execução do IVA que o fornecedor, para poder beneficiar da presunção estabelecida neste artigo, além dos documentos referidos anteriormente, ou seja, dois documentos da alínea a) do n.º 3 do artigo 45.º-A, ou, em alternativa, um documento da alínea a) e, pelo menos, um da alínea b) do n.º 3 do mesmo artigo 45.º-A, deve, ainda, ter na sua posse, uma declaração escrita do adquirente, indicando que os bens foram por ele transportados, ou o foram por um terceiro agindo por sua conta.
A declaração emitida pelo adquirente, que terá de ser entregue ao fornecedor até ao décimo dia do mês seguinte ao da entrega dos bens, deve conter os seguintes elementos: EM de destino dos bens; data de emissão da declaração; nome e endereço do adquirente; quantidade e natureza dos bens; data e lugar de chegada dos bens; no caso de entregas de meios de transporte, o número de identificação dos meios de transporte, e a identificação da pessoa que aceita os bens por conta do adquirente.
Por conseguinte, quando o transporte é efetuado pelo adquirente, ou por terceiro agindo por conta desse adquirente, o fornecedor deve estar na posse de três documentos: os mesmos dois que são exigidos quando o transporte é efetuado por ele ou por sua conta; e mais um, constituído pela declaração emitida pelo adquirente, nos termos explicados no parágrafo anterior.
O objetivo desta alteração, tal como já foi esclarecido pela AT no ponto 1 do Ofício-Circulado n.º 30 218, de 2020-02-03, é garantir a segurança jurídica na aplicação da isenção prevista para as transmissões intracomunitárias de bens, obviamente salvaguardando-se o cumprimento das demais condições.
Pretende-se dar certeza jurídica ao fornecedor de que, reunindo os documentos de prova indicados no Regulamento, está comprovado o transporte intracomunitário dos bens e presume-se que a transmissão intracomunitária ocorreu efetivamente.
Significa que para ilidir esta presunção terá de ser a AT a apresentar provas do contrário.
Em dezembro de 2019, a Direção-Geral da Fiscalidade e da União Aduaneira da Comissão Europeia divulgou um documento intitulado "Explanatory Notes on the EU VAT changes in respect of cal-off stock arrangements, chain transactions and the exemption for intra-Community supplies of goods ("2020 Quick Fixes”)”, já disponível em português, que consiste em notas explicativas relacionadas com estas temáticas, as quais não têm valor legislativo, mas auxiliam na interpretação das alterações introduzidas.
Este documento contém algumas «Questões» e respetivas «Respostas» sobre esta matéria.
É esclarecido, na questão 5.3.3. destas notas explicativas, que o facto de as condições da presunção não serem cumpridas, não significa automaticamente que a isenção não se aplica. Nessa circunstância, caberá ao fornecedor provar, perante as autoridades fiscais, que as condições para a aplicação da isenção (transporte incluído) se mostram verificadas. Ou seja, quando a presunção não se aplica, a situação permanecerá a mesma que existia antes da entrada em vigor desta alteração.
Adicionalmente, a questão 5.3.5. refere que quando é o fornecedor ou o adquirente a assegurarem o transporte utilizando os seus próprios meios (não recorrendo a terceiros), a presunção não se aplica porque não é possível reunir os documentos de prova referidos no Regulamento. Neste contexto, o fornecedor terá de reunir elementos de prova alternativos e idóneos que permitam demonstrar a expedição ou transporte dos bens a partir do território nacional para outro EM da União Europeia.
Admitimos assim ser possível concluir que, não beneficiar da presunção, ou seja, não reunir os documentos de prova indicados no Regulamento (como parece ser o caso em apreço), não implicará automaticamente perder o direito à isenção do imposto nas transmissões intracomunitárias de bens, desde que o fornecedor demonstre a saída dos bens de um EM, com destino a outro, com recurso a meios de prova alternativos e fidedignos que fundamentem o cumprimento das condições de isenção.
Porém, para salvaguarda das entidades envolvidas e para evitar entendimentos divergentes, recomenda-se que questionem diretamente os Serviços do IVA sobre a aceitabilidade dos documentos que a empresa consegue reunir para efeitos de comprovar os pressupostos de que depende a isenção da alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do RITI quanto às transmissões intracomunitárias de bens.
Salienta-se a este respeito o disposto nos pontos 7 a 9 do Ofício-Circulado n.º 30 231, de 2021-01-28:
«(…) 7. A presunção é ilidível pela administração fiscal (n.º 2 do artigo 45.º-A do Regulamento), que a pode afastar, seja com fundamento em que o transporte não teve lugar ou que os bens não saíram do território nacional, seja porque a presunção não se verifica no caso por os seus fundamentos ou pressupostos não estarem reunidos (por exemplo, se os documentos relativos ao transporte forem falsos ou conterem informação incorreta, se forem emitidos por entidades não independentes ou se não disserem respeito aos bens objeto da operação a isentar).
8. No entanto, o artigo 45.º-A do Regulamento não determina que a expedição ou o transporte só possam ser objeto de prova ou demonstração na forma nele prescrita. Continuam, assim, a poder ser utilizados os meios gerais de prova admissíveis em direito, a ser objeto de apreciação e valoração na análise global da prova e dos elementos da operação. O valor dos meios de prova de que o sujeito passivo disponha não fica excluído ou desqualificado pelo facto de não poderem integrar a presunção.
9. De qualquer forma, não deixa de ser do interesse do sujeito passivo munir-se dos meios de prova elencados e poder beneficiar da presunção daí resultante, pois, nesse caso, considera-se provado a expedição ou o transporte intracomunitário, ficando assim satisfeito o ónus da prova que sobre ele recai com maior certeza e segurança jurídicas.»
Aproveitamos a oportunidade para recomendar a visualização do vídeo da OCC (disponível aqui), relativo à formação sobre o OE/2020, no qual Rui Bastos explica a aplicação destas e outras alterações em sede de IVA.