PT24995 – Trespasse
02-06-2020
Um empresário em nome individual com contabilidade organizada (supermercado) tinha e tem registado na conta 441 (goodwill/trespasse) um valor de 7 481,96 euros, referente ao valor do trespasse que pagou há 19 anos. Este valor foi a diferença entre os vários ativos fixos tangíveis e Inventários (mercadorias) que existiam no estabelecimento e o valor total despendido. A contabilização deveria ter sido efetuada de outra forma, ou seja, este valor deveria ser distribuído pelos vários items adquiridos e que foram individualizados? Este entendimento está correto? Deveria regularizar-se esta verba antes do fecho de 2019 por contrapartida da conta 5131 - conta particular do empresário?
Parecer técnico
Determinado sujeito passivo, um empresário em nome individual, tem registado na subconta 441 – Ativos intangíveis – Goodwill o valor do trespasse pago há 19 anos. Questiona-nos sobre se deve manter esse valor registado no ativo ou proceder ao seu desreconhecimento.
Importaria saber qual o procedimento adotado aquando da transição do POC para o Sistema de Normalização Contabilística (SNC). Efetivamente, aquando desta mudança de normativo contabilístico deveria ter considerado o disposto na NCRF 3 que se refere quanto à «Adoção pela primeira vez das normas contabilísticas e de relato financeiro.»
Desde logo, esta norma estabelecia que uma entidade, na elaboração do balanço de abertura de acordo com as NCRF deveria reconhecer todos os ativos e passivos cujo reconhecimento seja exigido pelas NCRF e não reconhecer itens como ativos ou passivos se as NCRF não permitirem esse reconhecimento.
Ou seja, se o ativo intangível reconhecido ao abrigo do POC continuasse a verificar as condições de ativo intangível previstas no SNC, então tal ativo deveria permanecer reconhecido nesses termos. Por outro lado, se se verificasse que tal item não reunia as condições para ser reconhecido como ativo intangível, deveria o mesmo ter sido desreconhecido.
Se, no caso em concreto, o saldo da conta POC 434 - Trespasses se refere a uma aquisição do património de uma atividade, em que se aplicaram os procedimentos previstos na diretriz contabilística (DC) n.º 1/91 - Tratamento contabilístico de concentrações de atividades empresariais, então o valor reconhecido como trespasse poderá manter-se reconhecido como goodwill no âmbito do SNC.
Na prática, esse valor reconhecido como trespasse na conta POC 434, terá que dizer respeito à diferença positiva entre o custo da operação (valor pago pela aquisição do património dessa atividade) e o justo valor do património líquido (ativos e passivos identificáveis) adquirido, conforme previsto no ponto 3.2.5 da DC 1/91.
Como o tratamento para os trespasses (agora designado de goodwill) previsto na DC 1/91 e DC 12/92 se mantém no SNC, nomeadamente na Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) n.º 14 - Concentrações de Atividades Empresariais, os valores desse tipo de operações que existam à data de transição do POC para o SNC, poderão manter-se reconhecidos como ativo.
Nos termos do parágrafo 10 a) da NCRF 3 - Adoção pela primeira vez das NCRF, a entidade terá opção de mensurar o ativo relativo ao goodwill pela respetiva quantia escriturada determinada nos termos do POC e DC 1/91. Na prática, a entidade teria a opção de manter, ou desreconhecer, as amortizações efetuadas ao goodwill no âmbito do POC.
No entanto, deveria ter procedido ao teste de imparidade à concentração de atividade empresarial (incluindo goodwill) à data de transição, e reconhecer qualquer perda por imparidade, se fosse o caso, nos termos da NCRF 12 - Imparidade de ativos. Essa perda por imparidade, reconhecida à data de transição (se existisse), deveria ter sido registada por contrapartida de resultados transitados.
A entidade teria também que reclassificar o valor do trespasse (goodwill) da conta POC 434 para a conta SNC 441, podendo existir, ou não, ajustamentos de transição, conforme referido em cima.
No período de 2010 e seguintes, nos termos da NCRF 14, esse goodwill não deveria ter sido amortizado, ficando sujeito a testes de imparidade anuais. No entanto, desde que a entidade mantivesse a atividade adquirida num nível considerado normal, atendendo ao pressuposto de continuidade, não haveria que reconhecer qualquer perda por imparidade desse goodwill.
Por outro lado, se esse valor de trespasse, registado no âmbito do POC, não corresponde à aplicação dos procedimentos referidos no ponto 3.2.5 da DC 1/91, sendo por exemplo uma aquisição de um direito ao arrendamento num estabelecimento comercial (cessão da posição contratual no contrato de arrendamento), ou outra situação qualquer, haveria que proceder ao desreconhecimento desse montante à data de transição, pois nesse momento, tais valores já não cumpriam a definição e os critérios de reconhecimento como ativo (goodwill).
Por exemplo, o direito ao arrendamento num estabelecimento comercial adquirido no âmbito de um contrato de trespasse (conforme o artigo 1112.º do Código Civil), que se traduz na aquisição da posição de arrendatário, deixou de cumprir a definição de ativo devido às alterações ao Regime de Arrendamento Urbano. As novas regras das rendas dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais (por exemplo para fins comerciais), no âmbito de um contrato de trespasse, com o Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU - Lei 6/2006, de 27 de fevereiro), em que o senhorio pode denunciar o contrato de arrendamento (cf. alínea a) do n.º 6 do artigo 26.º do NRAU), e efetuar uma atualização do valor da renda (cf. alínea b) do n.º 2 do artigo 53.º do NRAU), estabelecem que esse custo associado à aquisição desse direito ao arrendamento deixem de cumprir com a definição de ativo. Efetivamente, desde a alteração das regras do NRAU, conforme referido em cima, quando existe um trespasse, o proprietário do imóvel onde se encontra o estabelecimento comercial tem a possibilidade de rescindir o contrato de arrendamento ou de aumentar o valor do arrendamento.
Desta forma, esse montante pago reconhecido anteriormente como ativo, deixa de cumprir o critério de gerar benefícios económicos futuros, neste caso, pela hipótese de beneficiar um valor de arrendamento mais baixo, devendo, portanto, ser desreconhecido como ativo.
Se for este o caso, os procedimentos à data de transição seriam os seguintes:
1.º passo - Reclassificação:
- Transferência do saldo da conta POC 434 para a conta SNC 441, pela quantia escriturada do goodwill (trespasse).
2.º passo - Desreconhecimento:
Em 01/01/2010:
- Débito da conta 56x -Resultados transitados - Ajustamentos de transição, por contrapartida a crédito da conta 441 - Goodwill, pela quantia escriturada do goodwill (trespasse).
3.º passo - Tratamento fiscal:
Este ajustamento de transição teria tido, à data da transição para o SNC, relevância fiscal, pois se fosse considerado como gasto no momento da aquisição do referido direito ao arrendamento, poderia ter sido considerado como um gasto fiscal, no âmbito geral do artigo 23.º do Código do IRC.
Desta forma, face ao regime transitório fiscal, previsto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, este ajustamento de transição deveria ter sido deduzido ao lucro tributável, em partes iguais, no período de tributação de 2010 e dos quatro anos seguintes (campo 705 do quadro 07 da declaração modelo 22).
Admitindo que o trespasse registado não reunia as condições de ativo intangível ao abrigo do SNC, pelo que, não tendo o mesmo sido desreconhecido nessa altura, agora estaremos perante uma correção de erro, pelo que importa considerar o disposto na NCRF 4.
Quando os erros afetem as demonstrações financeiras de períodos anteriores, sendo situações materialmente relevantes e estejam relacionados com resultados, devem ser imputados à conta de resultados transitados e implicar a reexpressão retrospetiva desde o período comparativo mais antigo apresentado, conforme previsto nos parágrafos 32 a 39 da NCRF 4, conforme já referido.
Apenas podem ser utilizadas as contas de perdas e ganhos do período corrente (correções de exercícios anteriores), quando os erros respeitarem a situações que não sejam materialmente relevantes, não sendo importante a reexpressão retrospetiva para a análise da informação comparativa das demonstrações financeiras, não se aplicando, portanto, os procedimentos da NCRF 4.
De acordo com os parágrafos 32 a 39 da NCRF 4, a correção de erros materiais de períodos anteriores deve ser efetuada através da reexpressão retrospetiva de acordo o procedimento que se segue.
A reexpressão retrospetiva implicará dois procedimentos:
- O registo no período corrente das respetivas correções nas respetivas contas de balanço, sendo que, quando esses erros tenham influenciado os resultados do(s) período(s) anterior(es), a contrapartida será resultados transitados;
- E, pela correção da informação comparativa das quantias comparativas desse(s) período(s) anterior(es) apresentados nas demonstrações financeiras do período corrente, até ao limite do período mais antigo apresentado, em que se deverá reexpressar os saldos de abertura dos ativos, passivos e capitais próprios (resultados transitados).
A questão da avaliação, se uma determinada operação (facto ou transação) é material, ou não, deve ser efetuada pela entidade em causa, não dependendo exclusivamente dos montantes em causa, mas também da natureza e dimensão das operações, e da situação económica e financeira da própria entidade, conforme previsto nos parágrafos 29 e 30 da Estrutura Conceptual do SNC.
O que a entidade deve verificar, para efetuar esse juízo de valor na determinação da materialidade, é aferir se esse erro irá influenciar a tomada de decisão dos utilizadores das demonstrações financeiras.
Se considerar que esse erro influenciou essa tomada de decisão deve considerar o erro como material, e proceder à reexpressão retrospetiva, ou seja, refletir na informação comparativa das demonstrações financeiras, a correção do erro de modo a efetuar os ajustamentos necessários para que estas apresentem a informação como se o erro nunca tivesse ocorrido. No período corrente, o efeito desse erro material, com influência nos resultados de períodos anteriores, passa a estar refletido nos resultados transitados, pois decorre da correção nos resultados desse período anterior.
Se considerar que o erro é imaterial, pode não aplicar a NCRF 4, e corrigir o erro, que afetou resultados de períodos anteriores, nos resultados do período corrente (por exemplo, conta 6881 ou 7881 - Correções relativas a períodos anteriores).
Em termos fiscais, independentemente do procedimento contabilístico utilizado pela entidade (considerar como material ou não), esta correção de um erro relativo a factos de anos anteriores, nunca deve afetar o lucro tributável do período corrente, conforme o n.º 1 e 2 do artigo 18.º do Código do IRC.
Considerando que se trata de um empresário em nome individual, e sendo tal correção materialmente relevante, então, esta correção deverá ser efetuada por contrapartida de subconta da 51 (em detrimento da utilização da conta 56).