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Utilidade pública
4 Novembro 2021
Utilidade pública
11-10-2021

Determinada entidade perdeu o estatuto de IPSS pela Segurança Social. No entanto, tem isenção definitiva de IRC. A entidade é uma escola e não está sujeita a IVA. Tem que assar a entregar declaração periódica de IVA referente aos fornecedores? Estava isenta da entrega da IES. Terá agora de passar a entregar? A declaração modelo 22 não sofre alterações dada a isenção definitiva de IRC ou terá que ser preenchida a declaração?

Parecer técnico

As questões colocadas referem-se ao enquadramento fiscal de uma associação que perdeu o reconhecimento de utilidade social.
Após contacto telefónico, foi esclarecido que estamos perante uma associação à qual foi atribuído, pela Segurança Social e praticamente desde a sua constituição, o estatuto de utilidade social, nomeadamente por esta prosseguir a atividade de escola/creche.
Tal enquadramento levou a que esta associação pudesse aplicar, em sede de IVA, a isenção prevista no número 7) do artigo 9.º do CIVA, e, em sede de IRC, a isenção prevista no número 1 do artigo 10.º do CIRC (à qual a colega chama de «isenção definitiva»).
Todavia, tal estatuto foi, recentemente, retirado, visto que os administradores da associação não entregaram, dentro do prazo, os respetivos documentos à Segurança Social.
Pretende-se saber, neste sentido, as implicações resultantes desta alteração.
Relativamente ao IVA, conforme resulta do número 7) do artigo 9.º do CIVA, encontram-se isentas as:
«7) As prestações de serviços e as transmissões de bens estreitamente conexas, efetuadas no exercício da sua atividade habitual por creches, jardins-de-infância, centros de atividade de tempos livres, estabelecimentos para crianças e jovens desprovidos de meio familiar normal, lares residenciais, casas de trabalho, (…) ou outros equipamentos sociais pertencentes a pessoas coletivas de direito público ou instituições particulares de solidariedade social ou cuja utilidade social seja, em qualquer caso, reconhecida pelas autoridades competentes, ainda que os serviços sejam prestados fora das suas instalações.»
Assim, a isenção prevista nesta norma abrange não só as prestações de serviços e as transmissões de bens estreitamente conexas, efetuadas no exercício da sua atividade habitual por quaisquer equipamentos sociais pertencentes a pessoas coletivas de direito público ou a instituições particulares de solidariedade social, mas, também, as efetuadas por equipamentos sociais pertencentes a quaisquer outras entidades, seja ou não prosseguida uma finalidade lucrativa, desde que, neste caso, a utilidade social se veja reconhecida.
De modo a clarificar a abrangência desta isenção, o ofício-circulado n.º 115 934, de 10 de dezembro de 1988 refere, no seu ponto 2, o seguinte:
«2 – A referida isenção abrange as prestações de serviços e transmissões de bens estreitamente conexas efetuadas no exercício da sua atividade habitual por quaisquer equipamentos sociais pertencentes a pessoas coletivas de direito público ou a instituições particulares de solidariedade social.»
Embora este documento não se encontre no Portal das Finanças, poderá facilmente encontrá-lo no SICC (base de dados da Ordem) através dos seguintes passos:
SICC instalado: Bases de dados » Doutrina » Ofícios Circulados » De 1981 a 1990 » 1988
SICC online: Normativos e doutrina » Instruções administrativas » Ofícios Circulados »...
Este entendimento vai de encontro ao disposto no artigo 134.º da Diretiva IVA 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro, que exclui o benefício da isenção quando as entregas de bens e as prestações de serviços não forem indispensáveis à realização das operações isentas, ou quando se destinarem, essencialmente, a proporcionar ao organismo receitas suplementares mediante a realização de operações efetuadas em concorrência direta com as empresas comerciais sujeitas ao IVA.
Se estivermos perante entidades privadas que desenvolvam atividades de creche/jardim-de-infância, torna-se necessário, para beneficiar da isenção prevista no n.º 7 do artigo 9.º do CIVA, a obtenção do reconhecimento de utilidade social, nos termos do Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14 de março (que revogou o Decreto-Lei n.º 133-A/97, de 30 de maio).
Respondendo à questão concreta, sendo retirado a esta associação o estatuto de utilidade social, somos de opinião de que deixará, por isso, de poder aplicar esta isenção, devendo passar a liquidar IVA nos termos gerais.
Este entendimento é corroborado pela informação vinculativa referente ao processo n.º 3 261, despacho do SDG dos Impostos, substituto legal do diretor-geral, em 2012-06-27, que poderá encontrar aqui.
Aconselhamos, ainda, a leitura da informação vinculativa referente ao processo n.º 10 658, por despacho de 12-07-2016, do SDG do IVA, por delegação do diretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira – AT, que poderá encontrar aqui.
Sem prejuízo do exposto e tal como abordado telefonicamente, salientamos a existência do número 9) do artigo 9.º do CIVA, que refere que se encontram isentas:
«9) As prestações de serviços que tenham por objeto o ensino, bem como as transmissões de bens e prestações de serviços conexas, como sejam o fornecimento de alojamento e alimentação, efetuadas por estabelecimentos integrados no Sistema Nacional de Educação ou reconhecidos como tendo fins análogos pelos ministérios competentes.»
Nos termos do número 9) do artigo 9.º do CIVA, encontram-se isentas:
«9) As prestações de serviços que tenham por objeto o ensino, bem como as transmissões de bens e prestações de serviços conexas, como sejam o fornecimento de alojamento e alimentação, efetuadas por estabelecimentos integrados no Sistema Nacional de Educação ou reconhecidos como tendo fins análogos pelos ministérios competentes.»
Assim, poderão beneficiar desta isenção os estabelecimentos integrados no Sistema Nacional de Educação ou reconhecidos como tendo fins análogos pelos ministérios competentes, caso estejam em causa prestações de serviços de ensino.
Todavia, tal isenção só poderá ser aplicável a partir do momento em que o Ministério da Educação e Ciência atribua tal licença à associação em causa. Até lá, encontra-se a mesma obrigada, tal como referido anteriormente, a liquidar IVA nos termos gerais.
Embora não seja questionado, chamamos a atenção para a existência de uma equiparação dos jardins de infância a entidades reconhecidas como tendo fins análogos pelo Ministério da Educação e Ciência, sendo esta reconhecida pela AT em informações vinculativas, de que é exemplo a n.º 11 760, por despacho de 2017-07-20, da diretora de serviços do IVA, (por subdelegação), onde se refere expressamente que:
«(…) a atividade de pré-escolar beneficia de enquadramento na alínea 7) do artigo 9.º do CIVA, na sua função de assistência social, e na alínea 9) da mesma disposição, na sua vertente de ensino, uma vez que é uma entidade reconhecida como tendo fins análogos pelo Ministério da Educação e Ciência.»
Poderá encontrar esta informação vinculativa aqui.

IRC

Tal como referido na introdução, estamos perante uma associação que, através da respetiva utilidade social que lhe fora reconhecida, ficou enquadrada, para efeitos de IRC, na isenção prevista no artigo 10.º do CIRC.
Todavia, com a não renovação da mesma, tal isenção deixará de ser aplicável, exceto caso a mesma solicite o estatuto de utilidade pública, nos termos da Lei n.º 36/2021, de 14 de junho, que, ao ser concedido, conferir-lhe-ia enquadramento na atual alínea c) do número 1 do artigo 10.º do CIRC.
Caso o disposto no parágrafo anterior não se verifique, somos de opinião de que os rendimentos em causa não poderão, igualmente, beneficiar da isenção prevista no número 1 do artigo 11º do CIRC, porquanto não estamos perante uma associação cultural, recreativa ou desportiva (afastando igualmente, por isso, uma eventual aplicação da isenção prevista no artigo 54.º do EBF).
Deste modo, deverão os rendimentos em causa ser considerados como obtidos através da prossecução de uma atividade comercial, sendo sujeitos e não isentos a IRC, integrando o «rendimento global» desta associação, calculado nos termos do artigo 53.º do CIRC, correspondente à soma algébrica dos rendimentos das diversas categorias consideradas para efeitos de IRS e, bem assim, dos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito.
De facto, não obstante não dispor de «utilidade social, tal não obsta a que a entidade possa, ainda assim, ser considerada uma pessoa coletiva que não exerce a título principal, uma atividade de natureza comercial.
Este enquadramento deve, contudo, ser avaliado à luz das atividades efetivamente exercidas pela associação e se esta forma de organização é, ou não, compatível com o exercício das atividades a que se dedica.
Com efeito, as atividades de natureza comercial são, em princípio, exercidas por sociedades comerciais, sendo que as demais pessoas coletivas de direito público ou privado, em princípio, não exercem atividades de natureza comercial, pelo menos a título principal.
Esta análise da conformidade da forma jurídica com a atividade exercida que deve ser avaliada não releva apenas para fins fiscais, decorrendo das regras gerais de direito aplicáveis ao funcionamento das entidades, sendo matéria do foro jurídico, fora das competências do contabilista certificado, ainda que com implicações ao nível do trabalho deste e com implicação na regularidade técnica a que este se encontra obrigado a assegurar.
Aconselha-se, por isso, a que a colega enderece esta questão à associação, a fim de ser avaliado o enquadramento legal e, consequentemente, fiscal da entidade em causa.
A confirmar-se que a entidade é ainda uma pessoa coletiva que não exerce a título principal uma atividade comercial, não existirá qualquer dispensa aplicável relativamente à entrega da Modelo 22, devendo a mesma ser entregue nos termos e condições aplicáveis às entidades que não exercem, a título principal, uma atividade industrial, comercial ou agrícola, mas que possuem rendimentos sujeitos e não isentos derivados de atividades comerciais.

IES

Quanto à Informação Empresarial Simplificada (IES), esta associação deverá proceder à entrega dessa declaração até 15 de julho do período seguinte, mas apenas quando exista a obrigação da entrega de algum anexo específico da IES.
Como as associações são, geralmente, consideradas como sujeitos passivos de IRC que não exercem, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, não procedem à entrega do anexo A da IES. Contudo, como já referido, este enquadramento deve se validado com os responsáveis da Associação.
Nesse pressuposto, de que ainda se trata de pessoa coletiva que não exerce a título principal uma atividade comercial, apenas ficam obrigadas à entrega do anexo D da IES (de IRC), quando obtiverem rendimentos sujeitos e não isentos em IRC, bem como à entrega de outro Anexo, como o anexo L (IVA), se aplicável (anexos que, nos termos descritos anteriormente, passarão a ser aplicáveis à Associação em causa).

Nota final

Relativamente ao estatuto de utilidade pública, terá o mesmo de ser solicitado e averiguado nos termos da Lei n.º 36/2021, de 14 de junho. Todavia, trata-se de um tema fora do âmbito de atuação do contabilista certificado, pelo que recomendamos a que o mesmo seja visto com um advogado ou com algum especialista na matéria.