Venda com recompra
15-02-2022
A entidade "A”, importadora de viaturas, efetuou a venda de viaturas a uma entidade financeira "B”, e esta efetua um contrato de locação com o cliente final "C”, com a recompra das referidas viaturas pela entidade "A”.
A base desta transação é um contrato de compra e venda com recompra, em que "A” vende a "B” que faz locação a "C”. Passados três anos, "A” tem a obrigação de comprar as viaturas a "B”, pelo valor pré-estabelecido em contrato, devendo "B” requerer a "A” a respetiva recompra. Neste contrato são ainda definidas as condições das viaturas para a recompra, e prevê a imputação à entidade "B” das despesas necessárias para colocar a viatura nas condições acordadas. Como deve ser tratada esta transação na entidade "A”? Como uma venda, com o reconhecimento do respetivo custo da venda, deixando de ter o ativo relevado nas suas contas, devendo efetuar uma divulgação da obrigação futura de compra das viaturas pelo valor contratualizado? Ou deve ser tratada como uma operação de buy-back, devendo diferir o rédito pelos três anos da locação, reconhecer a obrigação de recompra e relevar nos ativos fixos as viaturas?
Parecer técnico
Questiona-nos a colega acerca do enquadramento contabilístico de uma operação de venda de viaturas a uma entidade locadora, que posteriormente utiliza as viaturas para efetuar locações com os seus clientes. Contudo, sempre que os clientes da locadora não optarem por exercer a opção de compra das viaturas no final dos respetivos contratos de locação, a entidade que havia vendido as viaturas à locadora é obrigada a recomprar as mesmas pelo valor residual que a locadora havia contratado com o seu cliente, evitando assim que a locadora fique com as viaturas usadas em
stock.
Contudo, conforme refere, existem dois fatores importantes a evidenciar na operação que apresenta:
- A entidade vendedora dos automóveis apenas é obrigada a recomprar os mesmos caso o cliente da locadora opte por não exercer a opção de compra no final do contrato, pelo que não é possível antever se irá, ou não, existir essa obrigação para a entidade vendedora dos automóveis; e,
- Durante todo o período em que a viatura está em posse da locadora, a entidade vendedora perde qualquer controlo sobre aquele ativo.
Em termos práticos, a dúvida é se estamos perante duas operações distintas e que devem ser tratadas de forma autónoma ou perante um contrato de
buy-back, que consiste num contrato comercial entre um fornecedor, normalmente o importador automóvel ou o fabricante da marca e uma empresa de
rent-a-car em que a entidade vendedora se compromete a readquirir, dentro de um determinado período de tempo, a mesma viatura por um preço previamente fixado, ou seja, não é mais que a recompra a título oneroso do mesmo bem previamente vendido.
Normalmente, quando existe recompra ou
buy-back, o risco de propriedade é integralmente assumido pelo fornecedor da viatura, pois este comprometeu-se a recomprar o veículo numa determinada data e, por um preço pré-estabelecido, apesar do risco associado à utilização temporária durante o prazo entre a compra e venda ser assumido pelo adquirente.
Assim, o montante recebido pela venda da viatura através do contrato de buy-back é reconhecido como um ativo financeiro e como um rendimento diferido, sendo reconhecido como rendimento do período proporcionalmente ao longo do período entre a data da venda e data de recompra.
Nestes casos, estabelece o parágrafo 13 da NCRF 20 que quando se tratem de duas ou mais transações conjuntas, quando elas estejam ligadas de tal maneira que o efeito comercial não possa ser compreendido sem referência às séries de transações como um todo, há que proceder ao reconhecimento do rédito como um todo, aplicando um único critério de reconhecimento.
Contudo, no caso se expõe, entendemos que o fator-chave será o facto da entidade não conseguir prever ou estimar com fiabilidade se a obrigação se irá verificar, ou não, principalmente se estiver agora a iniciar esta atividade, pois a mesma depende diretamente da opção do consumidor de exercer, ou não, a opção de compra da viatura, sendo que, sempre que este exerça essa opção, a entidade que a havia alienado à locadora não tem qualquer obrigação de proceder à sua recompra.
Consequentemente, na data do reconhecimento do rédito pela venda das viaturas, sem prejuízo de se encontrar acordada a sua recompra por parte da entidade vendedora nos termos acima referidos, esta não consegue antever se irá, ou não, ter de recomprar a viatura, pelo que, salvo melhor opinião, o tratamento apropriado aplicável à operação será efetuar o tratamento das operações separadamente, reconhecendo o rédito pela venda e posteriormente a aquisição pela recompra, nos termos do parágrafo 13 da NCRF 20.
Por outro lado, caso efetue um julgamento e juízo de valor estimando que irá ser realizada a operação de recompra, poderá tratar as operações conjuntamente, podendo ser entendido que o acordo estabelecido determina que o valor recebido é enquadrado como um financiamento obtido, com garantia do bem em causa, a ser liquidado posteriormente no momento da recompra. Mantendo-se o bem no ativo da empresa.
Relativamente à necessidade de divulgação, note que quaisquer ónus que recaiam sobre ativos da entidade, devem ser objeto de adequada divulgação aos utilizadores da informação financeira e patrimonial. Só assim se cumpre os princípios basilares das demonstrações financeiras de proporcionar uma imagem o mais verdadeira e fiel possível da situação patrimonial e financeira da entidade, pelo que caso a entidade consiga estimar ou apresentar com base numa média histórica o volume de viaturas que se viu obrigada a recomprar, parece-nos adequado que efetue uma divulgação no anexo às contas, por forma a dar a conhecer ao utilizadores da informação financeira de que poderá vir a verificar-se a recompra daquelas viaturas.
A exceção são as entidades que adotam o normativo contabilístico das microentidades que não carecem destas divulgações. Com efeito, para as microentidades, a prestação de contas foi bastante simplificada a partir de 2016, passando estas entidades a estarem dispensadas de apresentar o relatório de gestão e o anexo, desde que forneçam a informação essencial na face do balanço prevista no anexo 18 da Portaria n.º 220/2015.
As entidades que estejam a adotar a norma contabilística para as microentidades apenas terão a obrigação de preparar o balanço e demonstração de resultados como documentos de prestação de contas, utilizando os modelos de demonstrações financeiras previstos nos anexos 18 e 19 da Portaria n.º 220/2015.