Ativos intangíveis - criptomoedas
PT27845 – dezembro de 2023
Uma empresa com CAE 62010 - Atividades de programação informática, está a subcontratar freelancers e empresas para desenvolvimento de plataforma/tokens de criptomoedas.
As faturas destes subcontratados, sujeitos passivos residentes e sobretudo não residentes, devem ser contabilizados em gastos do período ou ativos intangíveis?
Para além destes subcontratados, a empresa tem custos elevados com serviços de advogados para estudos de projeto e despesas com registos de marcas/patentes. Como contabilizar estes documentos?
Parecer técnico
A questão prende-se com o enquadramento contabilístico na atividade de programação informática para o desenvolvimento de plataforma/tokens de criptomoedas.
Há que atender aos critérios estabelecidos para o reconhecimento de ativos intangíveis, neste caso, ativos gerados internamente (de produção pela própria entidade).
Antes de verificar se algum item ou dispêndio cumpre os critérios de reconhecimento como ativo intangível, há a necessidade de verificar se estes cumprem essa definição, através da existência de três condições: identificabilidade, controlo e benefícios económicos futuros.
Um ativo intangível satisfaz a condição de identificabilidade quando este for separável do conjunto da entidade, de modo que possa ser vendido, transferido, licenciado, alugado ou trocado, ou então, quando este resultar de direitos contratuais ou legais separáveis da entidade.
Tem necessariamente de ser um item separado do valor intrínseco da entidade, sendo mensurado por um valor claramente independente do valor global da atividade da entidade. Este recurso intangível pode ainda ser vendido, alugado ou trocado em separado, sendo, portanto, um valor separável da entidade.
Uma entidade controla um ativo se tiver o poder de obter benefícios económicos futuros relacionados diretamente com esse ativo intangível, e possa restringir o acesso de terceiros a esses benefícios. Normalmente, esse poder advém de direitos legais que a empresa possua sobre esse ativo intangível (ex.: copyrights).
Terá de ser um direito que pode ser efetuado exclusivamente para a utilização da empresa em concreto, ou então ceder o uso desse recurso a terceiros, tendo essa entidade o direito legal sobre esses produtos ou processos (nomeadamente através do registo de propriedade industrial), restringindo o acesso a terceiros a esse ativo, podendo dizer-se que existe o controlo desse recurso intangível pela entidade.
Os benefícios económicos futuros relacionados com o ativo intangível podem incluir réditos da venda ou prestações de serviços, poupanças de custos ou outros benefícios resultantes do uso desse ativo pela entidade.
Neste caso, o cumprimento deste critério de reconhecimento também parece estar assegurado, uma vez que é fácil atribuir os benefícios económicos futuros exclusivos pela utilização deste recurso intangível na atividade da entidade que fluam para a entidade, sejam, pela poupança de custos pelo aperfeiçoamento de processos na entidade, ou pela obtenção de rendimentos (réditos) pela cedência do uso, através do recebimento de royalties.
Quanto ao reconhecimento, como critério geral de reconhecimento dos ativos intangíveis, a NCRF 6 estabelece que estes apenas devem ser reconhecidos como tal, quando seja provável que os benefícios económicos futuros relacionados diretamente com esse ativo intangível fluam para a entidade, e quando o custo desse ativo possa ser fiavelmente mensurado.
Para se poder verificar do cumprimento destes critérios de reconhecimento quanto aos itens ou dispêndios realizados pela entidade, há que atender às diferentes situações em que se pode estar perante um ativo intangível.
Em relação aos dispêndios relacionados com ativos gerados internamente, como é o caso do desenvolvimento pela própria empresa com o objetivo de exploração própria (ou cedência do uso a terceiros), para reconhecimento destes itens como ativos intangíveis há a necessidade do cumprimento de critérios específicos de reconhecimento, tendo em atenção a fase de pesquisa e a fase de desenvolvimento.
Os critérios de reconhecimento para ativos intangíveis gerados internamente são de difícil avaliação, uma vez que não é fácil distinguir um ativo intangível que venha a gerar benefícios económicos futuros de uma forma autónoma em relação aos restantes custos necessário ao desenvolvimento da empresa.
A mensuração do custo de um ativo intangível também pode não ser exatamente fiável, uma vez que não é fácil distinguir os custos incorridos para gerar internamente o ativo intangível, dos custos necessários ao decorrer operacional do dia-a-dia, ou mesmo dos custos para gerar e aumentar internamente o valor de goodwill (intrínseco) da empresa.
A empresa pode incorrer em custos para melhorar os benefícios económicos futuros da entidade como, por exemplo, o desenvolvimento próprio de um produto ou processo a ser vendido ou utilizado na atividade da empresa, mas tal não resulta necessariamente na criação de um ativo intangível, pois tais dispêndios podem não satisfazer os critérios de reconhecimento de um ativo intangível.
A NCRF 6 estabelece critérios de reconhecimento específicos para os dispêndios relativos a um ativo intangível gerado internamente, distinguindo entre as despesas relacionadas com a fase de pesquisa e as despesas relacionadas com a fase de desenvolvimento.
Apesar da NCRF 6 estabelecer conceitos concretos para os termos «pesquisa» e «desenvolvimento», a fase de pesquisa e fase desenvolvimento deve ter um sentido mais amplo no que respeita à aplicação desta norma, conforme estabelecido no parágrafo 51 da NCRF 6.
Os conceitos de pesquisa e desenvolvimento estão normalmente associados a investigação de caráter científico para aplicação em desenvolvimentos de processos produtivos ou na produção de novos produtos, conhecidas como despesas de I&D (investigação e desenvolvimento), mas para efeitos desta norma, as fases de pesquisa e desenvolvimento devem ser aplicadas para se verificar se algum item gerado internamente cumpre os critérios de reconhecimento como ativo intangível.
No caso concreto, deve aplicar-se estes conceitos ao desenvolvimento de um item, cujo objetivo seja a exploração pela própria entidade ou por cedência do uso a terceiros.
A diferença entre estas duas fases (pesquisa e desenvolvimento) resulta das definições estabelecidas no parágrafo 8 da NCRF 6. Todavia, a separação objetiva destas duas fases pode não ser possível, ou claramente identificável, sendo que se tal acontecer, a empresa deve tratar todas as despesas (da pesquisa e do desenvolvimento) como despesas de pesquisa, conforme o disposto no parágrafo 51 da NCRF 6.
Os parágrafos 54 e 57 da NCRF 6 estabelecem alguns exemplos de despesas relacionadas com a fase de pesquisa e a fase de desenvolvimento:
Fase de pesquisa:
- Atividades visando a obtenção de novos conhecimentos;
- A procura de avaliação e seleção final de aplicações das descobertas de pesquisa ou de outros conhecimentos;
- A procura de alternativas para materiais, aparelhos, produtos, processos, sistemas ou serviços; e
- A formulação, conceção, avaliação e seleção final de possíveis alternativas de materiais, aparelhos, produtos, processos, sistemas ou serviços novos ou melhorados.
Fase de desenvolvimento:
- A conceção, construção e teste do programa informático e modelos de pré-produção ou de pré-uso;
- A conceção de ferramentas, utensílios, moldes e suportes envolvendo nova tecnologia;
- A conceção, construção e operação de uma fábrica piloto que não seja de uma escala económica exequível para produção comercial; e
- A conceção, construção e teste de uma alternativa escolhida para materiais, aparelhos, produtos, processos, sistemas ou serviços novos ou melhorados.
O parágrafo 52 da NCRF 6 estabelece que as despesas relacionadas com a fase de pesquisa nunca devem ser reconhecidas como um ativo intangível, devendo ser sempre reconhecidas como um gasto incorrido no período, uma vez que nesse momento ainda não existe uma demonstração fiável de que essas despesas venham a originar um bem que gere benefícios económicos futuros, não cumprindo com um dos critérios de reconhecimento de ativo intangível.
Adequando estes conceitos, a fase de pesquisa no caso do desenvolvimento podem ser as atividades realizadas antes da decisão de se realizar, ou não, o projeto, nomeadamente atividades relacionadas com seleção dos processos tecnológicos a desenvolver, bem como da formulação da conceção da estrutura da produção e das respetivas alternativas.
O parágrafo 55 da NCRF 6 estabelece que as despesas relacionadas com a fase de desenvolvimento podem ser reconhecidas como um ativo intangível, se, e apenas se, a entidade puder demonstrar o cumprimento integral de todas as seguintes condições:
- A viabilidade técnica de concluir o ativo intangível a fim de que o mesmo esteja disponível para uso ou venda.
- A sua intenção de concluir o ativo intangível e usá-lo, licenciá-lo ou vendê-lo.
- A sua capacidade de usar, licenciar ou vender o ativo intangível.
- A forma como o ativo intangível gerará prováveis benefícios económicos futuros. Entre outras coisas, a entidade pode demonstrar a existência de um mercado para a produção do ativo intangível ou para o próprio ativo intangível ou, se for para ser usado internamente, a utilidade do ativo intangível.
- A disponibilidade de adequados recursos técnicos, financeiros e outros para concluir o desenvolvimento e usar ou vender o ativo intangível.
- A sua capacidade para mensurar fiavelmente o dispêndio atribuível ao ativo intangível durante a sua fase de desenvolvimento.
No caso do desenvolvimento a fase do desenvolvimento é a aplicação, conceção e realização do referido projeto de produção.
O cumprimento integral destas condições pode levar a que seja mais fácil a demonstração de que esse ativo intangível pode vir a gerar benefícios económicos futuros, cumprindo com requisito primordial de reconhecimento com ativo intangível.
No entanto, se tal não for possível, as despesas incorridas na fase de desenvolvimento também têm de ser reconhecidas como um gasto incorrido no período.
A forma de demonstrar se essas despesas de desenvolvimento levam à criação de um ativo intangível que irá gerar benefícios económicos futuros pode passar por um plano e orçamento empresarial que demonstre os recursos técnicos, financeiros e outros necessários e a capacidade da entidade para assegurar esses recursos, bem como os aumentos de rendimentos diretamente associados à cedência de utilização do direito a terceiros.
Quando for possível capitalizar essas despesas de desenvolvimento como um ativo intangível, o valor do custo desse ativo deve corresponder à soma de todos os dispêndios incorridos nessa fase, desde o momento em que o ativo passa a cumprir os requisitos mencionados em cima até o momento da sua conclusão, conforme estabelecido no parágrafo 63 da NCRF 6.
O custo do ativo intangível pode incluir materiais e serviços usados ou consumidos diretamente ao gerar o ativo intangível, nomeadamente:
- Mão-de-obra diretamente utilizada na produção de ativo;
- Custos com subcontratação de parte do trabalho de desenvolvimento do direito;
- Taxas de registo do direito legal (registo de propriedade industrial) ou outras semelhantes;
- Honorários de prestadores de serviços;
- Depreciação de equipamentos utilizados na produção do ativo intangível;
- Materiais e serviços diversos a utilizar na produção do processo;
- E ainda, custos de empréstimos obtidos (juros e outros encargos), nos termos da NCRF 10.
Devem ser criados centros de custos ou utilizadas folhas de obras por cada produção para imputar todos os custos diretamente relacionados com essa produção.
As amortizações devem ser determinadas em função da respetiva vida útil estimada para o ativo intangível, sendo iniciadas a partir do momento em que o direito/item esteja pronto para ser usado pela própria entidade ou para ser cedido o seu uso a terceiros.
A rubrica trabalhos para a própria entidade (conta 742) pressupõe, como contrapartida, a Construção/desenvolvimento de um ativo (conta 454 - Ativos intangíveis em curso).
Assim, deverá ser efetuado um juízo de valor relativamente à plataforma de criptografia que está a ser desenvolvida, se vai dar lugar ao controlo por parte da empresa, permitindo obter benefícios económicos futuros, podendo, por exemplo, licenciar, alienar no futuro. Ou seja, o reconhecimento como ativo intangível depende de a empresa poder controlar o ativo e poder restringir o seu acesso a terceiros sem contrapartida.