Pareceres
Comodato
1 Fevereiro 2024
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.


Comodato
PT27842 – dezembro de 2023

 

Numa determinada empresa, com dois sócios, um dos sócios fez um contrato de comodado do estaleiro da empresa.
Os sócios decidiram fazer umas obras de melhoria no estaleiro, mais concretamente um muro de suporte de terras.
Como apenas existe um contrato de comodato, o custo destas obras é aceite na totalidade? O IVA pode ser dedutível?


Parecer técnico


O pedido de parecer está relacionado com o enquadramento fiscal das obras realizadas no estaleiro da empresa.
No caso apresentado, assumimos que o estaleiro da empresa foi instalado num terreno que não é da propriedade da sociedade, tendo sido celebrado um contrato comodato. A sociedade construiu um muro de suporte das terras. Em concreto, é questionado se estes dispêndios são aceites para fins fiscais e se o IVA é dedutível.
A entrega a título gratuito de bens móveis ou imóveis deverá enquadrar-se no conceito de comodato, constante do artigo 1 129.º do Código Civil.
O Código Civil estabelece que o contrato de comodato será um contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir.
Tratando-se de imóveis entregues a título gratuito pelo sócio, para serem utilizados na atividade da sociedade, mas em que existe a obrigação da restituição no final do contrato, ainda que não esteja previamente definida a data dessa restituição, em termos contabilísticos, esta operação deverá ter o tratamento que a seguir se descreve.
Na resposta à questão iremos pressupor que a entidade adota as normas contabilísticas e de relato financeiro (NCRF).
Relativamente às obras efetuadas nos imóveis reconhecidos como ativos fixos tangíveis, é necessário atender aos critérios de reconhecimento de ativo, nos termos da NCRF 7 - Ativos fixos tangíveis.
Pelo contrato de comodato, a entrega desses itens (imóveis) para utilização pela sociedade, a título gratuito, não deverá representar qualquer reconhecimento de ativo (por exemplo ativo fixo tangível), uma vez que desde logo não existe a transferência de todos os riscos e vantagens pela respetiva detenção desses imóveis.
Note-se que, apesar de a sociedade poder usufruir da gestão desse imóvel, continua a ser o sócio cedente a ter uma influência significativa na gestão desse bem, pois não permitem que a sociedade possa vender esses imóveis a terceiros.
Efetivamente, a posse e utilização desse imóvel, cedido através de um contrato de comodato, não cumprirá os critérios de definição de um ativo, conforme previsto na estrutura conceptual do Sistema de Normalização Contabilística (SNC).
O conceito de ativo abrange os recursos controlados pela entidade como resultado de acontecimentos passados e do qual se espera que fluam para a entidade benefícios económicos futuros.
Neste caso, como já referido em cima, a sociedade que fica com a gestão desse imóvel, usufruindo da sua utilização pelo contrato de comodato, não terá total controlo sobre esse bem, uma vez que não poderá vendê-lo a qualquer momento, mas poderá obter benefícios económicos futuros, desde que esteja previsto no referido contrato de comodato.
Atendendo ao não cumprimento da definição de ativo e à impossibilidade de reconhecimento desse imóvel como tal nas demonstrações financeiras da sociedade, esta não poderá contabilizar quaisquer gastos associados à posse dos mesmos, como por exemplo, depreciações e outros encargos associados à sua propriedade (nomeadamente o IMI).
No entanto, será conveniente que a sociedade proceda a um registo extra contabilístico pela utilização desse imóvel, para que consiga controlar e comprovar todos encargos suportados derivados da utilização do imóvel, decorrendo essa utilização dos termos do próprio contrato de comodato.
Esse registo extra contabilístico poderá a divulgação em notas do anexo às demonstrações financeiras, com a referência à posse e utilização em regime de comodato desse imóvel.
Desta forma, será possível que os encargos suportados pela gestão desse imóvel possam ser suportados pela sociedade, nomeadamente encargos com a sua manutenção, utilização e conservação, uma vez que tal utilização estará suportada em termos jurídicos pelo contrato de comodato.
Tal entendimento já foi esclarecido pela administração fiscal, através de informação vinculativa (Proc. 6 068/09, despacho de 18 de novembro de 2009 do subdiretor-geral do Impostos sobre Rendimento), porém relacionado com a utilização de viaturas.
A gratuitidade do comodato, nos termos do artigo 1 129.º do Código Civil, onde uma das partes (comodante) proporciona, à outra parte (comodatário), o gozo temporário de uma coisa (móvel ou imóvel), mediante entrega, com a obrigação de a restituir, não elimina a possibilidade da existência de cláusulas contratuais relativas ao tratamento de certos encargos. Pelo que, haverá que ter em conta o que ficar estabelecido nesse contrato (ou o que deva aí ficar estabelecido), ou o que prevalece em termos jurídicos na ausência de cláusulas relativas ao tratamento de determinadas situações.
Efetivamente, há que salvaguardar a separação entre o património da sociedade e o património dos sócios, pois mesmo em termos fiscais é exigida independência no tratamento das operações comerciais entre entidades relacionadas conforme resulta das disposições do artigo 63.º do CIRC, o qual estabelece o seguinte:
«(...) 1 - Nas operações efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticas aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis. (...).»
É, portanto, essencial compatibilizar os fins de um comodato a uma sociedade, de um imóvel que é propriedade das mesmas pessoas que detêm a sociedade que o utiliza no alojamento local, com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 38.º da LGT.
Salvaguardada essa separação e independência, os gastos incorridos pela sociedade serão dedutíveis nos termos gerais do CIRC, desde que cumpridos os requisitos, formalismos e limites consoante as despesas em causa.
Em sede de IVA, e assumindo que a atividade em causa é tributada que confere o direito à dedução, em termos genéricos, o IVA suportado com bens e serviços adquiridos afetos a essa atividade, pode ser deduzido nos termos gerais do direito à dedução previsto nos artigos 19.º e seguintes do CIVA, salvaguardando-se ainda o cumprimento dos requisitos formais dos documentos de suporte.
Face ao exposto, no caso apresentado, os dispêndios com a construção do muro poderão ser aceites fiscalmente, desde que cumpridos os requisitos do artigo 23.º do CIRC. De notar que, cumprindo com os requisitos para o reconhecimento de ativo, estes dispêndios poderão ser contabilizados como ativos fixos tangíveis.
Sendo bem imóvel objeto de obras suportadas pela empresa comodatária importa tecer algumas considerações. As obras em edifícios alheios que estão a ser utilizados para a atividade da empresa podem reunir, ou não, os requisitos para serem reconhecidos na face do balanço como ativo, na rubrica, ativos fixos tangíveis. Estes requisitos de ativo constam da estrutura conceptual do SNC, nos seus parágrafos 52 a 58, e encontram-se relacionados com o potencial de contribuir, direta ou indiretamente, para os fluxos de caixa e equivalentes de caixa para a entidade.
Entende-se por ativo «um recurso controlado pela entidade, proveniente de acontecimentos passados, do qual se espera que fluam para a entidade benefícios económicos futuros.»
São necessários juízos de valor para determinar se os itens devem ser reconhecidos em resultados ou se reúnem os requisitos para serem registados como ativo. Meras obras de conservação num edifício não reúnem os requisitos para serem reconhecidos no balanço da entidade. Obras de intervenção profunda no edifício, contribuindo decisivamente para o aumento da sua vida útil, por exemplo, a colocação de uma nova cobertura, podem ser reconhecidos como ativo, ainda que sejam imóveis arrendados.
Tratando-se do reconhecimento contabilístico de depreciações de «obras em edifícios alheios» deve ser em função do período de utilidade esperada que das «obras» que deve ser dada pelo responsável técnico da obra. Deve ainda atender-se ao período do contrato de arrendamento quando este for inferior ao período estimado de duração de tais obras.
O artigo 5.º, n.º 1 do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, que é um diploma para efeitos fiscais, estabelece que:
«2 - Excetuam-se do disposto no número anterior os seguintes casos, em que as taxas de depreciação ou amortização são calculadas com base no correspondente período de utilidade esperada, o qual pode ser corrigido quando se considere que é inferior ao que objetivamente deveria ter sido estimado:
a) Bens adquiridos em estado de uso;
b) Bens avaliados para efeitos de abertura de escrita;
c) Grandes reparações e beneficiações;
d) Obras em edifícios e em outras construções de propriedade alheia»
Se o imóvel estiver a ser utilizado para fins empresariais, o exercício do direito à dedução do IVA relativamente às obras pode ser exercido, sem prejuízo de uma eventual regularização se o imóvel deixar de ser utilizado.