Pareceres
Correções a exercícios anteriores
14 Novembro 2023
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.

Correções a exercícios anteriores
PT27729 - setembro de 2023

 

Uma sociedade por quotas, constituída em 2021, e que aplica o regime contabilístico das microentidades (NC-ME), tem por objeto social a consultoria informática e tem vindo a desenvolver um determinado software, do qual é expectável a obtenção de benefícios económicos futuros e cujo projeto foi, inclusive, alvo de atribuição de prémio/subsídio em concurso internacional.
O desenvolvimento deste software tem vindo a ser feito com recurso a pessoal interno (gerência e trabalhadores dependentes), bem como pessoal externo (subcontratados), tendo as verbas sido registadas como gastos do exercício (contas 63 e 62 respetivamente) tanto em 2021 como em 2022.
No segundo semestre de 2023, no seguimento de uma reunião com o contabilista certificado, e visto que a empresa ainda se encontra numa fase de investimento, a gerência informou que os referidos gastos de desenvolvimento registados em 2021, 2022 (e também já os de 2023) devem ser capitalizados e considerados como um ativo intangível em curso (conta 45) até à conclusão do projeto.
Atendendo a que estas correções são materiais, as contas de 2021 e 2022 apresentam elevados prejuízos e já se encontram aprovadas e depositadas, bem como a que as respetivas declarações modelo 22 de IRC se encontram entregues declarando relevantes prejuízos fiscais, quais seriam os procedimentos/impactos contabilísticos e fiscais de efetuar as referidas correções no decurso do exercício de 2023?
Questiona-se ainda qual o tratamento a dar aos prejuízos fiscais inicialmente registados/declarados, qual o impacto fiscal das futuras depreciações atendendo a que parte desse gasto foi já relevado fiscalmente nas declarações modelo 22 de 2021 e 2022, e/ou se fará sentido/será obrigatório proceder à substituição das declarações modelo 22 e IES dos referidos anos para regularizar a situação?
Em caso de reexpressão das demonstrações financeiras, as correções a efetuar em cada um dos exercícios dariam origem ainda assim a prejuízos, embora menos significativos.

 

Parecer técnico

 

O pedido de parecer está relacionado com o enquadramento contabilístico dos dispêndios suportados, nos períodos de 2021, 2022 e 2023, com o desenvolvimento de um software.
O desenvolvimento deste software tem vindo a ser feito com recurso a pessoal interno (gerência e trabalhadores dependentes), bem como pessoal externo (subcontratados), tendo as verbas sido registadas como gastos do exercício (contas 63 e 62 respetivamente).
No segundo semestre de 2023, foi determinado que, contrariamente ao tratamento inicial de contabilização como gastos do exercício, estes dispêndios com desenvolvimento deveriam ser capitalizados e considerados como um ativo intangível em curso (conta 45) até à conclusão do projeto.
Tendo em consideração a alteração do enquadramento dos montantes inicialmente reconhecidos como gasto, pretende-se esclarecer os respetivos procedimentos/impactos resultantes desta alteração.
A entidade em causa reveste a forma jurídica de sociedade por quotas, foi constituída em 2021 e adota a norma contabilística para as microentidades (NC-ME).
O tratamento contabilístico dos ativos intangíveis está previsto no capítulo 8 - Ativos intangíveis, que estabelece os critérios de reconhecimento e de mensuração, bem como as informações a serem divulgadas, relativas aos dispêndios associados a este tipo de ativos.
Nos termos do parágrafo 8.2 da NC-ME: «Um ativo intangível deve ser reconhecido se, e apenas se, for identificável, e cumprir as condições de reconhecimento definidas no capítulo 3 desta norma, desde que se trate de um ativo não monetário, identificável e sem substância física, que se espera que seja usado durante mais do que um período.»
O paragrafo 8.3, refere as condições que devem ser observadas para que esse ativo intangível seja identificável, nomeadamente: «a) For separável, isto é capaz de ser separado ou dividido da entidade e vendido, transferido, licenciado, alugado ou trocado, seja individualmente ou em conjunto com um contrato, ativo ou passivo relacionado, independentemente da intenção da entidade de o fazer; ou
b) Resultar de direitos contratuais ou de outros direitos legais, independentemente desses direitos serem transferíveis ou separáveis da entidade ou de outros direitos e obrigações.»
Um ativo intangível deve ser mensurado pelo seu custo, o qual deve ser determinado como preconizado para os ativos fixos tangíveis, de acordo com o parágrafo 8.4 do capítulo 8 da NC-ME.
No caso dos ativos intangíveis gerados internamente, determina o parágrafo 8.5 que ««a criação de um ativo intangível gerado internamente, que não seja goodwill, envolve uma fase de pesquisa e uma fase de desenvolvimento.»
Conclui o parágrafo 8.6 que «não deve ser reconhecido nenhum ativo intangível proveniente de pesquisa, ou da fase de pesquisa de um projeto interno, sendo os correspondentes dispêndios reconhecidos como um gasto quando forem incorridos.»
Por sua vez, quanto ao reconhecimento como um gasto, o parágrafo 8.9 define que «os dispêndios com itens intangíveis, incluindo os dispêndios de caráter ambiental, devem ser reconhecidos como gastos quando incorridos, a menos que façam parte do custo de um ativo intangível que satisfaça os critérios de reconhecimento referidos nos parágrafos anteriores.»
Nos termos do parágrafo 8.11, uma entidade reconhecerá como gasto os seguintes itens, os quais nunca deverão ser reconhecidos como ativo:
«a) As marcas, cabeçalhos, títulos de publicações, listas de clientes e itens substancialmente semelhantes gerados internamente;
b) Dispêndio com atividades de arranque, a não ser que este dispêndio esteja incluído no custo de um item de ativo fixo tangível de acordo com o capítulo 7 desta Norma. Os custos de arranque podem consistir em custos de estabelecimento tais como os custos legais ou de secretariado incorridos no estabelecimento de uma entidade legal, dispêndios para abrir novas instalações ou negócio ou dispêndios para iniciar novas unidades operacionais ou lançar novos produtos ou processos;
c) Dispêndios com atividades de formação;
d) Dispêndios com atividades de publicidade e promocionais (incluindo catálogos de venda por correspondência);
e) Dispêndios com a mudança de local ou reorganização de uma entidade no seu todo ou em parte.»
Por fim, o parágrafo 8.12 refere que o dispêndio que tenha sido inicialmente reconhecido como um gasto não deve ser reconhecido como parte do custo de um ativo intangível em data posterior.
Neste seguimento, e com base na informação transmitida, pressupomos que se encontram cumpridos todos os requisitos para a capitalização destes dispêndios no custo do ativo, motivo pelo qual a contabilização destes valores como gasto nos períodos anteriores não é devido.
Perante as diferenças detetadas, concluindo-se que as situações detetadas decorrem de erros contabilísticos que afetam gastos ou rendimentos de anos anteriores, haverá que proceder às correções dos saldos das contas sempre suportando os movimentos com documentos justificativos
Ora, estando um erro contabilístico nos resultados de períodos anteriores, devendo ser objeto de correção nos termos do parágrafo 6 da norma contabilística para microentidades - Políticas contabilísticas, alterações nas estimativas contabilísticas e erros.
Neste sentido, cumpre referir que, nos termos do parágrafo 2.2, a norma contabilística para microentidades «(...) acolhe os conceitos, definições e procedimentos contabilísticos de aceitação generalizada em Portugal, tal como enunciados no Sistema de Normalização Contabilística (SNC), tendo como base de referência a correspondente estrutura conceptual. Os termos e expressões utilizados nesta norma correspondem aos constantes das NCRF, cuja compilação em glossário é disponibilizada no sítio internet da Comissão de Normalização Contabilística, exceto se de outra forma for especificamente estabelecido.»
A respeito da correção de erros importa analisar o disposto na norma contabilística e de relato financeiro (NCRF) n.º 4 - Políticas contabilísticas, alterações nas estimativas contabilísticas e erros. De acordo com as definições constantes desta NCRF, erros de períodos anteriores «(...) são omissões, e declarações incorretas, nas demonstrações financeiras da entidade de um ou mais períodos anteriores decorrentes da falta de uso, ou uso incorreto, de informação fiável que:
a) Estava disponível quando as demonstrações financeiras desses períodos foram autorizadas para emissão; e
b) Poderia razoavelmente esperar-se que tivesse sido obtida e tomada em consideração na preparação e apresentação dessas demonstrações financeiras.
Tais erros incluem os efeitos de erros matemáticos, erros na aplicação de políticas contabilísticas, descuidos ou interpretações incorretas de factos e fraudes (...).»
No que respeita à correção de um erro material de um período anterior, determina o parágrafo 6.8 que esta é excluída dos resultados do período em que o erro é detetado, sendo efetuada diretamente em resultados transitados.
A questão da avaliação, se uma determinada operação (facto ou transação) é material, ou não, deve ser efetuada pela entidade em causa, não dependendo exclusivamente dos montantes em causa, mas também da natureza e dimensão das operações, e da situação económica e financeira da própria entidade, conforme previsto nos parágrafos 29 e 30 da estrutura conceptual do SNC.
O que a entidade deve verificar, para efetuar esse juízo de valor na determinação da materialidade, é aferir se esse erro irá influenciar a tomada de decisão dos utilizadores das demonstrações financeiras.
No período corrente, o efeito desse erro material, com influência nos resultados de períodos anteriores, passa a estar refletido nos resultados transitados (conta 56), pois decorre da correção nos resultados desse período anterior.
Se considerar que o erro é imaterial, pode não aplicar o capítulo 6 da NC-ME, e corrigir o erro, que afetou resultados de períodos anteriores, nos resultados do período corrente (por exemplo, conta 6881 ou 7881 - Correções relativas a períodos anteriores).
Pelo exposto o movimento contabilístico da correção deste erro, por referência aos períodos de tributação de 2021 e 2022, de forma a repor a verdade das demonstrações financeiras, passará, pelo crédito na conta 56 - Resultados transitados (se se considerar materialmente relevante) ou da conta 7881 - Correções relativas a períodos anteriores (se se considerar materialmente pouco relevante), por contrapartida a débito na conta 454 - Ativos intangíveis em curso.
Quanto aos montantes reconhecidos como gasto do período de tributação de 2023, sugerimos que estes montantes sejam reclassificados por contrapartida a débito na conta 454 - Ativos intangíveis em curso.
Em termos fiscais, independentemente do procedimento contabilístico utilizado pela entidade (considerar como material ou não), esta correção de um erro relativo a factos que afetem resultados de períodos de tributação anteriores, nunca deve afetar o lucro tributável do período corrente, conforme o n.º 1 e 2 do artigo 18.º do CIRC.
Pressupondo que, conforme transmitido, se trata da correção de erros materiais com contabilização na conta 56 - Resultados transitados, não há que proceder a qualquer correção ao lucro tributável no quadro 07 da declaração modelo 22 do período de tributação do período corrente, pois essas operações de períodos anteriores indevidamente contabilizadas não são consideradas como variações patrimoniais positivas ou negativas relevantes para efeitos fiscais.
Por outro lado, de acordo com o n.º 1 do artigo 122.º do CIRC, «[quando tenha sido liquidado imposto inferior ao devido ou declarado prejuízo fiscal superior ao efetivo, pode ser apresentada declaração de substituição, ainda que fora do prazo legalmente estabelecido, e efetuado o pagamento do imposto em falta." (itálico nosso)
Face ao exposto, entendemos que, quer por referência ao período de tributação de 2021, quer ao período de tributação de 2022, as declarações de rendimentos modelo 22 deverão ser substituídas.
No que se refere à IES, haverá lugar a substituição da mesma, apenas se houver lugar a uma nova assembleia geral para aprovação de contas, tendo por base o erro detetado.