Pareceres
Dação em cumprimento
8 Janeiro 2024
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.

Dação em cumprimento
PT27795 - novembro de 2023

 

A sociedade “A” realizou suprimentos no valor 760 mil euros à sociedade “B”, da qual é acionista maioritário (99,62 por cento). De forma a suprimir este valor, a sociedade “B” pretende proceder à dação em cumprimento com recurso a imobilizado com o valor líquido contabilístico de 796 mil euros.
Em termos práticos, a sociedade “B” terá de emitir fatura com IVA referente à alienação? Este valor irá entrar nos rendimentos da sociedade “B” como outros ganhos por alienação de ativos fixos tangíveis? A dação em cumprimento está ainda sujeita a IMT e IS?

 

Parecer técnico

 

O pedido de parecer está relacionado com o enquadramento contabilístico e fiscal de uma dação em pagamento de imobilizado, para dar quitação de suprimentos em divida ao sócio.
No caso em apreço, a sociedade pretende reembolsar os suprimentos, efetuados pelos sócios, por intermédio da entrega de imobilizado, não sendo discriminado se nos encontramos perante bens móveis e/ou imóveis. Contudo, na nossa análise iremos assumir que estamos perante imobilizado classificado como ativos fixos tangíveis (AFT), fazendo a ressalva de possíveis especificidades, caso aplicáveis, por referência a imóveis.
Previamente à análise fiscal e contabilística, notamos que a dação em cumprimento não é mais do que um pagamento em espécie, que se traduz na liquidação da dívida ao credor através de bens em substituição de dinheiro, podendo ser efetuada desde que o credor dê o seu consentimento.
Em termos legais, o artigo 837.º do Código Civil prevê a dação em cumprimento como prestação de coisa diversa da que for devida que pode ser, de valor superior, exonerando o devedor desde que o credor dê o seu assentimento.
Em termos financeiros, a dação em cumprimento corresponde a um encontro de contas entre dívida ao credor e o valor dos bens entregues, isto é, a entidade anula (desreconhece) a dívida ao credor e o credor aceita em troca bens de valor igual ou superior.
Em termos contabilísticos e fiscais, a operação de entrega dos bens para liquidar a dívida deve ter um tratamento normal, tal como se fosse uma venda, neste caso, de itens do AFT.
Para efeitos contabilísticos, na questão não é referido o normativo contabilístico adotado pela entidade, assim iremos partir do pressuposto que adota as NCRF, ao abrigo das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 98/2015, de 2 de junho, ao Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho. Em todo o caso, para a situação em apreço, independentemente do normativo adotado, o procedimento é idêntico.
Em termos contabilísticos, a alienação de AFT implica o reconhecimento do lucro ou prejuízo nos termos dos parágrafos 66 a 71 da NCRF 7 - Ativos fixos tangíveis.
De acordo com o parágrafo 70 da NCRF 7, o ganho ou perda decorrente do desreconhecimento de um item do ativo fixo tangível deve ser determinado como a diferença entre os proventos líquidos da alienação, se os houver, e a quantia escriturada do item.
Os proventos líquidos da alienação correspondem ao valor do rédito pela alienação dos AFT, líquido dos respetivos encargos diretamente relacionados para efetuar essa venda.
A quantia escriturada do item do ativo fixo tangível corresponde ao respetivo custo menos depreciações acumuladas (se existirem) e perdas por imparidade acumuladas.
No âmbito do custo do item do ativo fixo tangível, e no caso de nos encontrarmos perante imóveis, devem ser incluídos os custos com a aquisição dos edifícios, incluindo as benfeitorias realizadas, e reconhecidas como item separado do ativo fixo tangível.
No caso em concreto, tratando-se da venda de AFT, os cálculos podem ser:
Mais-valia ou menos-valia contabilística (MVc/mvc) = Valor de realização - (custo de aquisição - depreciações acumuladas - perdas por imparidade acumuladas)
Este cálculo extracontabilístico permite determinar desde logo se a alienação irá determinar uma mais ou menos valia (lucro ou prejuízo).
Os registos contabilísticos da alienação dos AFT podem ser:
Pela anulação das depreciações acumuladas e/ou perdas por imparidade acumuladas:
- Débito da conta 438/9 - Depreciações acumuladas/perdas por imparidade acumuladas;
- Crédito da conta 43X - Ativos fixos tangíveis, consoante a tipologia do ativo alienado, pelo montante das depreciações acumuladas e perdas por imparidade acumuladas.
Pelo desreconhecimento dos AFT:
- Débito da conta 278x - Outros devedores e credores, pelo valor a receber de contraprestação pela alienação;
- Débito da conta 6871 - Gastos e perdas em investimentos não financeiros - Alienações, pela diferença negativa (menos-valia) entre o valor de realização e a quantia escriturada dos AFT (se for o caso);
- Crédito da conta 43X - Ativos fixos tangíveis, pela quantia escriturada dos AFT;
- Crédito da conta 7871 - Rendimentos e ganhos em investimentos não financeiros - Alienações, pela diferença positiva (mais-valia) entre o valor de realização e a quantia escriturada dos AFT (se for o caso).
Posteriormente, o saldo da conta 278 será saldado com o saldo da conta do financiamento obtido (em princípio, na conta 2532 - Suprimentos e outros mútuos).
Em termos de IRC, há que determinar a mais ou menos-valia fiscal nos termos do artigo 46.º e seguintes do CIRC.
Mais-valia Fiscal (MVf) = Valor de realização - (Custo de aquisição - Depreciações aceites fiscalmente - Perdas por imparidade aceites fiscalmente) x Coeficiente desvalorização monetária
O artigo 47.º do CIRC estabelece que nas situações de apuramento das mais ou menos-valias em que a aquisição do bem já tenha acontecido há mais de dois anos, o valor líquido contabilístico deve ser corrigido pelo coeficiente de desvalorização da moeda (publicado em Portaria do Ministro das Finanças).
No caso em concreto, para efeitos da determinação do coeficiente de desvalorização monetário, deve ter-se em consideração o ano de aquisição dos diferentes AFT.
Correções fiscais no quadro 07 da declaração modelo 22:
- Deduzir mais-valia contabilística no campo 767; ou acrescer menos-valia contabilística no campo 736;
- Acrescer mais-valia fiscal no campo 739 (se não existir intenção de reinvestimento); (ou campo 740 se existir intenção de reinvestimento – 50 por cento do valor de realização); ou deduzir menos-valia fiscal no campo 769.
Caso nos encontremos perante mais-valias referentes a imóveis, há ainda que ter em atenção o disposto no artigo 64.º do CIRC.
De acordo com este artigo, se o valor patrimonial tributário (VPT) definitivo, determinado à data da venda, for superior ao valor de realização (do contrato de venda), deve ser esse VPT a ser considerado na determinação do resultado fiscal.
Se o VPT for efetivamente superior ao valor de realização pela venda do imóvel, essa diferença positiva deve ser acrescida no campo 745 do quadro 07 da declaração modelo 22.
O valor patrimonial tributário definitivo a considerar para efeitos de aplicação do artigo 64.º do CIRC é aquele determinado à data da alienação do imóvel. Não deve ser considerada qualquer alteração posterior ao VPT em função de uma avaliação realizada após essa data de venda, efetuada nomeadamente em resultado da alteração do tipo de utilização do imóvel.
No caso em concreto, deve-se ter em atenção ao VPT definitivo que existia à data da realização da venda do imóvel. Se a modificação do tipo de utilização do imóvel implicou uma alteração do VPT definitivo que foi determinado antes da realização da venda, deve ser considerado este novo VPT para efeitos da aplicação do artigo 64.º do CIRC. Se essa modificação implicou que o VPT definitivo do imóvel tenha sido alterado apenas após a data da venda, deve ter-se em consideração o VPT anterior (que existia à data da venda).
Relativamente ao valor de aquisição, deve ser considerado o VPT definitivo determinado à data da aquisição, quando este seja superior ao custo de aquisição do imóvel, determinado nos termos da NCRF 7.
Se o custo de aquisição for superior ao VPT determinado à data de aquisição do imóvel, não há que efetuar qualquer correção no quadro 07 da declaração modelo 22 referente a esse custo de aquisição.
Face a este enquadramento, a determinação do resultado tributável para venda do imóvel pode ser: resultado tributável (RT) (artigo 64.º do CIRC):
Valor de realização ou VPT se superior: se o VPT for superior - acrescer a respetiva diferença positiva entre o valor de realização e o VPT da data de venda no campo 745 (se inferior não há nada a corrigir).
Valor de aquisição ou VPT se superior: se o VPT for superior ao custo de aquisição - deduzir a respetiva diferença positiva entre o VPT da data da compra e o custo de aquisição no campo 772 (se inferior não há nada a corrigir).
Em termos de IMT, caso nos encontremos perante bens imóveis, notamos que nos termos do n.º 1 do artigo 1.º do Código do IMT (CIMT) a transmissão de prédios está sujeita a IMT.
No que se refere ao imposto do selo, nos termos do n.º 1 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo (CIS), este imposto incide sobre todos os contratos, atos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstas na tabela geral. Já o n.º 2 do mesmo artigo refere que não estão sujeitas a imposto do selo as operações sujeitas a IVA e dele não isentas.
Assim, caso nos encontremos perante bens imóveis, pela sua transmissão é devido imposto do selo de 0,8 por cento, referido na verba 1.1 da tabela geral, o qual incidirá sobre a mesma base tributável do IMT (n.º 4 do artigo 9.º do CIS).
Em sede de IVA, resulta da alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º do Código do IVA (CIVA) que as transmissões de bens efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal, são operações sujeitas a IVA.
Não obstante a sujeição a imposto, deve sempre aferir-se da existência, ou não, de norma de isenção que se aplique. No caso exposto, caso nos encontremos perante imóveis, as operações de venda de imóveis são isentas de IVA conforme resulta do disposto no n.º 30 do artigo 9.º do CIVA, o qual refere que:
«Estão isentas do imposto: (...)
30) As operações sujeitas a imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis.»
Adicionalmente, cumpre ainda referir o n.º 32, mediante o qual estão isentas de imposto «[a]s transmissões de bens afetos exclusivamente a uma atividade isenta, quando não tenham sido objeto do direito à dedução e bem assim as transmissões de bens cuja aquisição ou afetação tenha sido feita com exclusão do direito à dedução nos termos do n.º 1 do artigo 21.º.»
O referido n.º 32 poderá ser relevante caso nos encontremos perante a transmissão de viaturas de passageiros sobre as quais tenha ocorrido a exclusão do direito à dedução no momento da sua compra.
Contudo, se nos encontrarmos perante outras tipologias de AFT, será necessário analisar casuisticamente a natureza dos mesmos e a existência de possíveis isenções aplicáveis. Caso estes AFT não usufruam de qualquer isenção, entendemos que a sua transmissão será sujeita a IVA, nos termos gerais do CIVA.
Quando à emissão de fatura, na medida em que nos encontremos perante operações sujeitas a este imposto, ainda que dele isentas, notamos que nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 29.º do CIVA, os sujeitos passivos devem emitir, obrigatoriamente, uma fatura por cada transmissão de bens ou prestação de serviços.
No caso em concreto dos imóveis, se aplicável, importa verificar o disposto na informação vinculativa processo: n.º 16 416, por despacho de 28-12-2020, da diretora de serviços do IVA (por subdelegação). Disponibilizada em 30 de dezembro de 2020 - Assunto - Isenção - Obrigatoriedade de emitir fatura / programa certificado.
Salientamos o seguinte:
«IV - CONCLUSÃO
18. O Código (CIVA) prevê, na alínea b) do n.º 1 do artigo 29.º, a obrigatoriedade de emissão de fatura por cada transmissão de bens ou prestação de serviços, tal como vêm definidas nos artigos 3.º e 4.º, independentemente da qualidade do adquirente dos bens ou destinatário dos serviços, ainda que estes não a solicitem, bem como pelos pagamentos que lhes sejam efetuados antes da data da transmissão de bens ou da prestação de serviços.
19. O Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de fevereiro, veio determinar na alínea c) do artigo 4.º que os sujeitos passivos com sede, estabelecimento estável ou domicilio em território nacional e outros sujeitos passivos cuja obrigação de emissão de fatura se encontre sujeita às regras estabelecidas na legislação interna nos termos do artigo 35-A do Código do IVA, estão obrigados a utilizar exclusivamente, programas informáticos que tenham sido objeto de prévia certificação pela AT, sempre que, como no caso, sejam obrigados a dispor de contabilidade organizada ou por ela tenham optado.
20. Em face do exposto conclui-se que existe obrigatoriedade de emissão de fatura por cada transmissão de bens (imóveis) e que esta deve ser processada exclusivamente por programa certificado pela AT. Esta obrigação não colide com o disposto no artigo 11.º, n.º 2 do regime estabelecido no Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro, que refere que no caso dos sujeitos passivos que optem pela aplicação daquele regime, a escritura pode substituir a emissão de fatura.»
Face a esta confirmação da AT, também pela venda de imóveis, os sujeitos passivos estão obrigados a emitir fatura.
Adicionalmente, e em sede de IVA, cumpre ainda notar que estando perante a transmissão de AFT, sobre os quais foi deduzido IVA poderá existir a necessidade de regularização do imposto.
A este respeito, caso o IVA tenha sido deduzido, em virtude de os AFT terem como finalidade a sua utilização numa atividade efetivamente tributada, o que tem de ser demonstrado, a regularização do IVA deduzido, pela alienação dos AFT terá de ser efetuada nos termos do artigo 24.º do CIVA.
Nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do CIVA:
«5 - Nos casos de transmissões de bens do ativo imobilizado durante o período de regularização, esta é efetuada de uma só vez, pelo período ainda não decorrido, considerando-se que tais bens estão afetos a uma atividade totalmente tributada no ano em que se verifica a transmissão e nos restantes até ao esgotamento do prazo de regularização. Se, porém, a transmissão for isenta de imposto, nos termos dos n.ºs 30) ou 32) do artigo 9.º, considera-se que os bens estão afetos a uma atividade não tributada, devendo no primeiro caso efetuar-se a regularização respetiva.»
No que se refere aos bens móveis, o período de regularização é de cinco anos contado a partir do ano de ocupação do imóvel, período esse de aplicação genérica, independentemente do período de vida útil de tais bens. Caso nos encontremos perante bens imóveis, o período de regularização é de 20 anos contado a partir do ano de ocupação do imóvel.
Face ao exposto, respondendo concretamente às questões colocadas:
A dação em cumprimento, com a entrega de AFT para reembolso de suprimentos não é mais do que uma operação de alienação e uma operação de pagamento de uma divida.
A entrega dos AFT deverá ser tratada contabilisticamente como a alienação de um ativo fixo tangível, não havendo a necessidade de reclassificar os bens para inventários, sendo apurada uma mais ou menos-valia.
Em termos fiscais, pela transmissão de AFT, deverá ser emitida uma fatura, ainda que possa ser aplicável uma isenção de IVA.
Caso nos encontremos perante a transmissão de imóveis, esta operação está sujeita a IMT e a IS.