Locações
PT28539 – abril de 2025
Determinada empresa efetuou em agosto de 2024 um contrato de renting para uma viatura ligeira de passageiros, a gasóleo, no valor de 28 500 euros, mais IVA. A primeira renda foi de 8 mil euros, mais IVA (obviamente IVA não dedutível).
O contrato refere que tem opção de compra no final do contrato.
Em março de 2025, o gerente da empresa decidiu alterar o contrato para o nome dele, pois não quer pagar tributações autónomas de 25,5 por cento (2024).
Deve ser contabilizado em 2024 em ativos fixos, dado que se sabe que não vai ser exercido o direito de compra por parte da empresa, ou deve ser considerado em ativos fixos o valor da viatura por contrapartida da conta 25 - Locações financeiras, e as rendas pagas em 2024, amortizadas na conta 25?
Efetua-se a respetiva amortização e as tributações autónomas devidas?
Em qualquer das situações, ao ser transferido o contrato para nome do gerente, haverá algum IVA a cobrar ao gerente, por esta transferência?
Parecer técnico
Na situação exposta, determinada entidade contratou, em agosto de 2024, uma locação de uma viatura ligeira de passageiros, sendo referido que o contrato dispõe de opção de compra. No entanto, em março de 2025, pretende-se realizar a cedência de posição contratual, para o sócio da sociedade.
Assim, é questionado, em 2024, se a locação deverá ser considerada como financeira ou como operacional.
Não tendo sido referido qual o normativo contabilístico aplicado pela empresa, a questão será tratada com base das normas contabilísticas e de relato financeiro (NCRF), revistas no aviso n.º 8 256/2015, de 29 de julho. Em todo o caso, para a situação apresentada, o tratamento contabilístico é comum em todos os normativos.
Começamos por referir que o objetivo das demonstrações financeiras é o de proporcionar informação acerca da posição financeira, do desempenho e das alterações na posição financeira de uma entidade que seja útil a um vasto leque de utentes na tomada de decisões económicas.
As demonstrações financeiras são frequentemente descritas como mostrando uma imagem verdadeira e apropriada de, ou como apresentando apropriadamente, a posição financeira, o desempenho e as alterações na posição financeira de uma entidade.
Ou seja, os itens do ativo da entidade devem classificados, de forma a representar fidedignamente a imagem desta, pelo que há que atender às definições constantes nas normas contabilísticas e de relato financeiro.
Tratando-se de um contrato de locação de bens (viatura), haverá a avaliar a NCRF 9 - Locações, sendo fundamental distinguir se, neste caso, se está perante uma locação financeira ou locação operacional.
O parágrafo 8 da NCRF 9 estabelece que uma locação é classificada como locação financeira se ela transferir substancialmente todos os riscos e vantagens inerentes à propriedade, sendo classificada como locação operacional se ela não transferir substancialmente todos os riscos e vantagens inerentes à propriedade.
Dado que na maioria das vezes não é fácil estabelecer esta distinção na classificação das locações, a norma estabelece também nos parágrafos 10 e 11 alguns exemplos e indicadores que estarão presentes quando se esteja perante uma locação financeira, previstos no parágrafo 10 da norma:
«10 - A classificação de uma locação como financeira ou operacional depende da substância da transação e não da forma do contrato. Exemplos de situações que podem normalmente conduzir a que uma locação seja classificada como uma locação financeira são:
a) A locação transfere a propriedade do ativo para o locatário no fim do prazo da locação;
b) O locatário tem a opção de comprar o ativo por um preço que se espera que seja suficientemente mais baixo do que o justo valor à data em que a opção se torne exercível tal que, no início da locação, seja razoavelmente certo que a opção será exercida;
c) O prazo da locação abrange a maior parte da vida económica do ativo ainda que o título de propriedade não seja transferido;
d) No início da locação o valor presente dos pagamentos mínimos da locação ascende a pelo menos, substancialmente, todo o justo valor do ativo locado; e
e) Os ativos locados são de uma tal natureza especializada que apenas o locatário os pode usar sem que sejam feitas grandes modificações.»
O parágrafo 11 da norma mais acrescenta que, «[o]s indicadores de situações que individualmente ou em combinação podem também conduzir a que uma locação seja classificada como financeira são:
a) Se o locatário puder cancelar a locação, as perdas do locador associadas ao cancelamento são suportadas pelo locatário;
b) Os ganhos ou as perdas da flutuação no justo valor do residual serem do locatário (por exemplo sob a forma de um abatimento na renda que iguale a maior parte dos proventos das vendas no fim da locação); e
c) O locatário tem a capacidade de continuar a locação por um segundo período com uma renda que seja substancialmente inferior à renda do mercado.»
Se estivermos perante uma locação financeira, por cumprimento dos requisitos anteriormente mencionados, a forma de tratamento preconizada para estes casos determina que, no início do prazo de locação, os locatários devem reconhecer as locações financeiras como ativos e passivos nos seus balanços por quantias iguais ao justo valor da propriedade locada ou, se inferior, ao valor presente dos pagamentos mínimos da locação, cada um determinado no início da locação, conforme previsto no parágrafo 19 da NCRF 9.
O parágrafo 22 da NCRF 9 estabelece que esses pagamentos mínimos da locação devem ser repartidos entre o encargo financeiro e a redução do passivo pendente, como mensuração subsequente da locação financeira na ótica das demonstrações financeiras da entidade locatária.
O encargo financeiro deve ser imputado a cada período durante o prazo da locação de forma a produzir uma taxa de juro periódica constante sobre o saldo remanescente do passivo.
Considerando que a informação refletida nas demonstrações financeiras (substância sobre a forma) deverá privilegiar a substância e realidade económica das operações e não meramente com a sua forma legal (parágrafo 35 da estrutura conceptual), quando as características do contrato correspondam, em substância, a uma realidade diferente dessa forma legal, tal será adequadamente refletido nas contas, sendo também este o teor subjacente aos princípios da NCRF 9.
Ainda uma nota para a utilização da conta 271 na situação em apreço, já que, em função de uma análise mais próxima das condições do contrato (e na presença de um financiamento efetivo) poderá revelar-se menos adequada do que uma conta 25 - Financiamentos.
O registo contabilístico como locação financeira pode ser:
- Débito da conta 43 - Ativos fixos tangíveis, por contrapartida a crédito da conta 2513 - Locações financeiras, pelo valor do contrato e das despesas iniciais do contrato (conforme parágrafo 21 da NCRF 9).
Pelos pagamentos das rendas:
Primeira renda (entrada inicial, ainda sem juros):
- Débito da conta 2513 - Locações financeiras, por contrapartida a crédito da conta 12 - Depósitos à ordem, pelo pagamento da primeira renda, incluindo as despesas iniciais do contrato.
Pelas restantes rendas e valor de opção de compra:
- Débito da conta 2513 - Locações financeiras, pela amortização do capital;
- Débito da conta 691 - Juros suportados, pelo encargo financeiro, incluindo a respetiva parte de IVA não dedutível, se for o caso;
- Débito da conta 6268 - Outros serviços, pelas despesas da cobrança da renda (se existirem);
- Débito da conta 2432 - IVA dedutível, pelo valor do IVA das rendas;
Por contrapartida a:
- Crédito da conta 12 - Depósitos à ordem, pelo valor pago.
Por outro lado, se o contrato de locação dos bens for classificado como uma locação operacional, nas demonstrações financeiras do locatário, as rendas da locação devem ser reconhecidas como um gasto numa base linear durante o prazo da locação, conforme previsto no parágrafo 27 da NCRF 9.
Desta forma, independentemente da forma de pagamento das rendas, há que reconhecer um gasto uniforme ao longo do período da locação, dando cumprimento ao princípio contabilístico de balanceamento entre os benefícios e os gastos.
Os registos contabilísticos podem ser:
Pelo reconhecimento do gasto dos períodos ao longo do contrato de locação numa base linear:
- Débito da conta 6261 - Rendas e alugueres por contrapartida a crédito da conta 281 - Gastos a reconhecer, pelo gasto que corresponder a cada período, atendendo ao princípio do balanceamento entre benefícios e gastos e ao pressuposto do regime do acréscimo.
Pelo pagamento das rendas:
- Débito da conta 281 - Gastos a reconhecer, pelo valor da renda;
Por contrapartida a:
- Crédito da conta 12 - Depósitos à ordem, pelo valor pago (sem prejuízo da consideração do IVA e outros impostos).
Face ao exposto, aconselhamos que sejam efetuados juízos profissionais e, junto dos órgãos de gestão da entidade, se averigue se, no início da locação, esta se qualificava como uma locação financeira ou uma locação operacional, com base nos critérios anteriormente apresentados, tendo em conta que o seu tratamento contabilístico é distinto para cada uma das tipologias.
Ora, conforme dispõe o parágrafo 4 da norma, o início da locação é a mais antiga de entre a data do acordo de locação e a de um compromisso assumido pelas partes quanto às principais disposições da locação, sendo a sua classificação realizada neste momento.
Na exposição, é-nos referido que o contrato de locação dispõe da opção de compra. Conforme anteriormente analisado, para uma locação ser qualificada como financeira não basta que o respetivo contrato preveja a opção de compra, sendo necessário, para o efeito, que o preço da opção seja suficientemente mais baixo do que o justo valor à data em que a opção se torne exercível tal que, no início da locação, seja razoavelmente certo que a opção será exercida.
Assim, e em resposta à questão em concreto, é necessário que se determine se, no início da locação era razoavelmente certo que a opção de compra viesse a ser exercida futuramente. Em caso afirmativo, a locação deverá ser classificada como financeira, caso contrário, como operacional, nos termos anteriormente explanados.
Caso se verifique ter existido essa certeza no início da locação, ou seja, sendo esta classificada como locação financeira, e tendo havido, posteriormente, a alteração da respetiva intenção, alertamos para o disposto no parágrafo 13 da norma, que refere que «[a] classificação é feita no início da locação. (...) Contudo, as alterações nas estimativas (por exemplo, alterações nas estimativas da vida económica ou do valor residual da propriedade locada) ou alterações nas circunstâncias (por exemplo, incumprimento pelo locatário), não dão origem a uma nova classificação de uma locação para finalidades de contabilização.»
Quanto à cedência de posição contratual da locação da viatura ao sócio, veja-se o seguinte:
A cedência da posição num contrato de locação financeira é tributável em termos IVA por se definir como uma prestação de serviços, de acordo com o conceito residual dado pelo artigo 4.º do Código desse imposto, independentemente da natureza móvel ou imóvel do objeto do contrato de locação.
Para efeitos de IVA, tal operação consubstancia uma prestação de serviços, sendo o valor tributável determinado pela contraprestação a receber, se existir, nos termos do n.º 1 do artigo 16.º do CIVA.
Este IVA deve ser liquidado pelo cedente, através da emissão da fatura referente ao valor da contraprestação a receber pela cedência da posição contratual do contrato de locação.
Atendendo a que a cedência se trata de uma prestação de serviços para efeitos de IVA, a entidade deve emitir uma fatura referente a essa cedência, conforme obrigação da alínea b) do n.º 1 do artigo 29.º do CIVA.
No caso de se tratar de uma cedência de posição contratual onerosa, com o recebimento de indemnização para o cedente, essa entidade emite a respetiva fatura pelo valor da indemnização, efetuando a respetiva liquidação de IVA.
Como existam relações especiais entre os intervenientes, o valor tributável para efeitos de IVA pode ter de ser considerado o valor normal do serviço, se este for superior ao valor da contraprestação acordada, conforme a alínea a) do n.º 10 do artigo 16.º do CIVA, pressupondo que os adquirentes irão assumir o contrato de locação na sua esfera privada ou afetando esse bem a uma atividade sem direito à dedução.
Por outro lado, no caso de não existir uma contraprestação estabelecida para a cedência de posição contratual, sendo uma prestação de serviços a título gratuito, o valor tributável para efeitos de IVA deve ser considerado o valor normal do serviço, conforme previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA.
Deve entender-se como valor normal de serviço, o custo suportado pelo sujeito passivo na execução da prestação de serviços, pois não existe um serviço similar prestado pela entidade, tal como previsto na alínea c) do n.º 4 do artigo 16.º do CIVA.
Para se determinar esse valor normal do serviço, deve ser tida em conta a operação específica que está em causa, considerando-se o objeto da locação, o respetivo estado de utilização, o seu valor de mercado, os montantes a liquidar para a realização do contrato e eventuais opções de compra, mais uma vez pressupondo que não existem condicionalismos (por exemplo, relações especiais) entre os sujeitos passivos intervenientes.
Por essa razão, o custo suportado na execução da prestação de serviços pode ser entendido como o custo para a realização da cedência de posição contratual, que podem ser as rendas suportadas pelo contrato de locação, até à data da cedência de posição contratual, desde que representem um custo aproximado para realização de tal operação.
Tal situação acontece principalmente quando se efetue uma cedência de posição contratual no início de utilização desse contrato ou quando tal montante reflita esse custo aproximado.
Como regra, quando se trate de uma cedência de posição de um contrato de locação entre dois sujeitos passivos no regime normal de IVA (que exerçam atividades tributadas com direito à dedução) e sem que existam relações especiais entre eles nos termos previstos no n.º 4 do artigo 63.º do CIRC, ainda que o valor da contraprestação seja inferior ao montante das rendas já suportadas pelo cedente, o valor tributável é sempre o valor da contraprestação, nos termos do n.º 1 do artigo 16.º do CIVA, pois este representa necessariamente o valor de mercado (o justo valor ou o valor normal da operação).
Por outro lado, se existirem relações especiais nos termos previstos no n.º 4 do artigo 63.º do CIRC entre a entidade cedente e o cessionário (incluindo entre a sociedade e os seus sócios, com uma participação não inferior a 20 por cento do capital ou dos direitos de voto), o CIVA estabelece restrições na determinação do valor tributável, para assegurar que a operação se efetue como base no valor de mercado (normal) da operação.
Assim, a operação de cedência de posição contratual pode ser tributada pelo referido valor normal do serviço, e não pelo valor da contraprestação, quando se verifiquem algum das seguintes situações previstas no n.º 10 do artigo 16.º do CIVA:
- A contraprestação seja inferior ao valor normal e o adquirente ou destinatário não tenha direito a deduzir integralmente o imposto;
- A contraprestação seja inferior ao valor normal e o transmitente dos bens ou o prestador dos serviços não tenha direito a deduzir integralmente o imposto e a operação esteja isenta ao abrigo do artigo 9.º (esta situação não terá aplicação no caso em concreto, porque a operação não será isenta nos termos do artigo 9.º do CIVA);
- A contraprestação seja superior ao valor normal e o transmitente dos bens ou o prestador dos serviços não tenha direito a deduzir integralmente o IVA.
Desta forma, há que verificar o cumprimento das duas condições previstas no n.º 10 do artigo 16.º do CIVA, para que deva aplicar como valor tributável o valor normal do serviço em detrimento do valor da contraprestação, ainda que esta esteja fixada.
Essas duas condições, que são cumulativas, são a existência de relações especiais entre os dois intervenientes na cedência e a verificação de alguma das situações previstas nas alíneas do n.º 10 do artigo 16.º do CIVA.
Se alguma condição não se verificar, o valor tributável deve ser o valor da contraprestação, ainda que inferior às rendas pagas.