Segundo um estudo recente, os portugueses são dos que mais apoiam a criação de novos impostos para financiar o orçamento de longo prazo da UE, em alternativa a um aumento das contribuições nacionais. Esta pode ser outra via para suprir as necessidades e exigências financeiras do projeto europeu?
Esse apoio indicia um nível de adesão significativo ao projeto europeu o que me apraz registar. Há muito, mas mesmo muito tempo, que o reforço do orçamento comunitário é apontado como medida indissociável do aprofundamento do projeto europeu e da consolidação do euro, em especial nas circunstâncias atuais que estão a colocar desafios sem paralelo. Como foi previsto por um dos fundadores do projeto europeu, progressos significativos na construção europeia só se têm verificado como resposta a situações de crise severa. Seria indispensável consolidar uma visão de longo prazo para o projeto europeu com metas temporais bem definidas a exemplo do que se verificou com o euro. A introdução do regime 28.º nalguns domínios – se não me engano, o primeiro (de muitos, desejavelmente) está em consulta pública atualmente pela Comissão Europeia – seria certamente uma medida mais imediata com potencial significativo.
O governo português e o BEI assinaram a 18 de setembro um acordo para uma nova linha de crédito de 1,3 mil milhões de euros destinada à construção de 12 mil casas, no âmbito do «Programa acessível», tendo em visto financiar habitações a preços acessíveis e criar um parque habitacional com rendas inferiores às do mercado. De acordo com a avaliação do BEI este projeto deverá ajudar à criação de emprego e ao incremento de competitividade das cidades. Socialmente, é um investimento estruturante, prioritário e com um retorno que corresponde ao core do BEI?
Sem dúvida. Portugal, aliás, há umas décadas atrás (que recordo, com saudade, lembrando o trabalho do Prof. Valente de Oliveira e da Dra. Isabel Mota, personalidades vitais no arranque e consolidação do projeto luso-europeu, do Dr. Jorge Sampaio e sua equipa do município de Lisboa que, entre outras, concretizou a primeira operação de financiamento de habitação em Portugal e do Eng. João Cravinho em múltiplas iniciativas) teve um papel muitíssimo importante na chamada de atenção à Comissão Europeia e ao BEI para a necessidade de que essa atividade (tal como os projetos do setor da saúde) passasse a ser elegível para o financiamento comunitário. O que só se veio a verificar em 1999 (se a memória não me falha). Em Portugal, nesse mesmo ano, no mandato do Dr. Jorge Sampaio.
Graças a esse trabalho essas três atividades são hoje plenamente elegíveis do BEI. Muito em especial o financiamento da habitação social e renda acessível (tal como a educação e a saúde) que integra as prioridades máximas estratégicas de financiamento do BEI para os próximos anos. Na situação atual, gravíssima em muitos Estados-membros e, em particular, em Portugal, é indispensável que sejam tomadas medidas efetivas para a inverter recorrendo a todos os instrumentos disponíveis e, sempre que necessário, criando novo como parece ser o caso em Portugal no caso da habitação: oferta pública, central e municipal, quer diretamente quer em regime de concessão ao setor privado e/ou social todas muito bem reguladas, com critérios e formulações simples e transparentes e governação adequada. Na habitação – em que a iniciativa pública é vital – encontre-se inspiração nas boas práticas dos Estados-membros com mais experiência no apoio ao investimento neste setor (com especial destaque, em minha opinião, para a experiência austríaca concebida em período de crise grave como a que atualmente atravessamos) - em que, repito, a iniciativa pública é incontornável. Espero que isso seja em breve inequivocamente reconhecido pela Comissão Europeia. Com um enorme sentido de urgência. O BEI está e estará certamente na primeira linha de apoio.
Pode explicar-nos, de uma forma geral, como funciona o processo de submissão de candidaturas e a respetiva avaliação, análise e eventual aprovação por parte dos órgãos de gestão do organismo europeu?
O BEI dispõe de um gabinete em Lisboa praticamente desde a adesão. Passou de um gabinete com um quadro técnico, em 1986 (logo após a adesão, com um trabalho excecional de Dominique de Crayencour), a um conjunto de quadros técnicos muitíssimo experientes que estão sempre disponíveis para apoiar qualquer agente económico, do setor público, privado ou social, que pretenda promover um programa ou projeto de investimento que se enquadre nas atividades elegíveis para a instituição. O gabinete dispõe de todos os meios para assegurar, em permanência, o contacto, em tempo real, com a sede do Banco no Luxemburgo sempre que necessário. Hoje, o BEI dispõe ainda de um serviço de aconselhamento (advisory services) que poderá e deverá ser chamado a colaborar sempre que projetos estruturantes e/ou inovadores necessitem desse tipo de serviços.
Uma vez confirmada a referida elegibilidade nesses contactos iniciais, é designada uma equipa técnica multidisciplinar que analisa o projeto do ponto de vista técnico, económico e financeiro, e o submete a decisão do Comité Executivo e do Conselho de Administração. A equipa multidisciplinar mantém a empresa candidata informada do progresso no processo de decisão que envolve consulta à Comissão Europeia e ao Estado-membro em que o projeto se localiza. As equipas do BEI e os seus órgãos de decisão, executivo e não executivo, estão especialmente empenhadas em que este processo seja concluído em tempo útil e essa é hoje uma prioridade da instituição plenamente assumida por todos no Banco.
Um dos principais focos da ação do BEI é a ação climática e a sustentabilidade, sendo o banco um dos maiores financiadores mundiais de projetos relacionados com o clima e o ambiente, com o objetivo de acelerar a transição verde. Como avalia a forma como a UE se está a posicionar neste domínio?
De uma forma notável, no caso do BEI. Apesar de se tratar de uma missão especialmente desafiante (devo confessar a minha interrogação inicial face à dimensão do desafio e aos elevados objetivos quantitativos então assumidos pela instituição), reconheço hoje que as minhas expectativas foram largamente ultrapassadas pelo grau de profissionalismo demonstrado por todos no Banco. O resultado está à vista e o BEI cumpriu os objetivos essenciais a que se tinha proposto no Climate Bank Road Map aprovado em 2020 (2021-2025) e que o colocam hoje como o Climate Bank – o Banco do Clima – da União Europeia. Estou convencido que é um esforço que irá prosseguir agora talvez em circunstâncias internacionais bastante mais adversas que impõem ainda maior vontade e determinação. Neste capítulo, sublinho a importância de que se reveste no cumprimento dos objetivos climáticos, a definição pelos Estados-membros de prioridades precisas e concretas nos investimentos de adaptação às alterações climáticas (Infraestruturas e agricultura resilientes, saúde pública, etc.).
O BEI tem um papel fundamental no apoio ao financiamento a longo prazo de empresas, nomeadamente concedendo linhas de crédito a intermediários financeiros para projetos de menor dimensão, como é o caso das PME. O nosso tecido empresarial está suficientemente desperto e consciente para esta possibilidade?
Decorridos quase 40 anos após a adesão, há hoje uma relação estreita entre os principais bancos portugueses e o Grupo BEI. Três deles, aliás, a CGD, o BPI e o Banco Português de Fomento (BPF) são hoje acionistas do Fundo Europeu de Investimento (FEI) o braço do grupo para o financiamento de risco a PME e mid-caps, sob a forma de prestação de garantias (a bancos a fundos especializados no crédito a médio e longo prazo a PME) e o apoio a fundos de fundos de capital de risco (venture capital e private equity). Creio que o BPF está hoje especialmente empenhado em aprofundar essa cooperação. Pode, finalmente, vir a desempenhar um papel importante para reforçar a oferta de crédito a longo prazo a PME e mid-caps a instituições financeiras que pretendam desenvolver essa vertente da atividade bancária em Portugal. A CGD e o BPI são parceiros de longa data, tal como o Santander, e verifico, com apreço, o interesse crescente que a atividade do Grupo BEI tem vindo a merecer ao Millennium BCP, ao Novo Banco e ao Montepio e, claro, ao BPF.
Os contabilistas certificados estão em todas as empresas e, como não podia deixar de ser, também nas PME, a espinha dorsal da economia portuguesa e também da UE. De que forma é que a sua capilaridade pode ser decisiva para consciencializar os empresários para a submissão de candidaturas ao BEI, aferindo antecipadamente a sua elegibilidade e promovendo uma cultura empresarial menos conservadora e mais virada para o risco?
Os contabilistas certificados estão numa posição privilegiada para desenvolver esse trabalho pela sua permanente ligação e conhecimento da atividade empresarial, em todos os setores, e, consequentemente, pela sua capacidade em identificar as suas necessidades de financiamento ao investimento, seja sob a forma de crédito seja sob a forma de capital de risco. Estão, assim, na primeira linha para compreender as virtualidades e méritos, em nossa opinião incontornáveis, dos empréstimos e prestação de garantias do BEI e também da atividade de capital de risco dirigida a fundos de fundos do FEI.