Contabilista – O Instituto Português de Corporate Governance (IPCG) é uma associação de direito privado, sem fins lucrativos, constituída em 2023. De uma forma resumida, quais são as suas atribuições?
João Moreira Rato – O principal produto deste instituto é o Código de Governo das Sociedades (CGS). O IPCG desempenha um papel ativo nas revisões regulares deste documento, adaptando-o e evoluindo face aos tempos. Por outro lado, anualmente, as empresas emitentes são monitorizadas em relação às recomendações feitas no Código, permitindo medir o grau de adesão, bem como avaliar a sua evolução ao longo dos anos. Permite ter uma boa noção de como a governance vai evoluindo em Portugal. A nossa missão passa por espalhar pelo tecido económico-empresarial nacional as melhores práticas de governance. Recentemente, apresentámos ao governo uma proposta, formulada por um grupo de trabalho nosso, com recomendações de boas práticas para o setor empresarial do Estado. Para além disso, ajudamos na metamorfose do programa do Business Roundtable a preparar o guia e a desenhar o sistema de autoavaliação. Estamos sempre abertos a trabalhar com outras instituições, como é o caso, por exemplo, do IAPMEI, e organizamos, com regularidade, seminários de difusão de informação. Temos também o programa «Avançar» para administradores não executivos que, na minha opinião, é nesta área, o mais completo, com um corpo docente de luxo em matéria de governance.
Foi apresentado há dias o relatório anual de monitorização referente ao exercício de 2023 e que integra 36 empresas, sendo que apenas duas não são cotadas em bolsa. Trata-se de um universo muito confinado e escasso. A resistência a aderir, que já reconheceu publicamente, é uma dificuldade na disseminação das boas práticas?
No IPCG temos vindo a querer alargar o leque das empresas monitorizadas e é isso que explica que tenhamos incluído algumas que não são emitentes, que não têm necessidade de seguir o CGS. Mas o que se verifica é que existe insegurança em algumas empresas em relação às práticas de governance. Existe o medo de medirem o estado da evolução da sua governance. O dever do IPCG passa por desmistificar esse preconceito associado à monitorização que, no fundo, é um serviço único para as empresas, que envolve um sistema de comply or explain.
Concretamente o que é que isso significa?
Ou seja, se a empresa por algum motivo não cumprir as recomendações, pode vir falar com a nossa equipa e apresentar uma justificação. É uma forma que permite ir melhorando e aprofundado as práticas. No fundo, é como ir ao médico e sair de lá com um diagnóstico. Esta monitorização possibilita verificar as áreas em que as empresas estão mais confortáveis e outras em que podem evoluir. E tal como após uma ida ao médico, também aqui uma boa prática passa por fazer exames complementares.
Tem referido que o setor público está muito mais atrasado do que o setor privado no que diz respeito à governance. Qual é a explicação?
Penso que tem a ver, fundamentalmente, com questões de escrutínio, por parte da opinião pública e a politização do setor empresarial do Estado. Este setor está melhor em termos formais do que na prática. Explico: existem já leis que preveem muitas práticas, mas que não são seguidas. Defendo, por isso, que o grau de exigência sobre o setor empresarial do Estado aumente, seja por parte do escrutínio parlamentar, seja por parte do escrutínio da opinião pública.
O CGS poderá um dia ser destinado às PME, tornando-as mais competitivas e propiciando melhores condições para a adaptação às regras nacionais e europeias?
Este código para se aplicar às PME tem de ser simplificado. Esse é um trabalho que temos de ser nós a fazer. As pessoas que desempenham funções no IPCG fazem-no pro bono e, como tal, teremos de encontrar, algures no tempo os recursos para levar em diante esse trabalho. Francamente parece-me que existe apetite das PME para isto. Esse é, pelo menos, o feedback que temos tido de associações empresariais e setoriais que nos pedem um código simplificado desse género adaptado à especificidade das PME.
A adoção dos critérios ESG é um dos maiores desafios no presente para as empresas. O secretário de Estado da Economia referiu, recentemente, que existe «muita teoria», mas persiste «a dificuldade em implementar as medidas no terreno.» Concorda com o alerta do governante?
Numa primeira fase a ênfase foi muito no reporte. E para ser preciso, o tecido económico ainda está a absorver a questão do reporte, nomeadamente ao nível da exigência. As empresas estão focadas nos processos internos e na forma como organizam a governance, tendo em vista reportar um bom relatório de sustentabilidade. Mas é preciso realçar o seguinte: a preocupação com a sustentabilidade não é um assunto assim tão novo como se faz querer passar. Só que neste momento, todas as empresas, para além das cotadas, encontram-se focadas nos pilares da criação de valor a longo prazo e na demonstração de resiliência. Acontece que incorporar estes pilares nas suas práticas é algo que leva tempo.
Os gestores e os empresários estão conscientes do que significa este novo paradigma para o seu modelo de negócio?
Insisto: não é um novo paradigma, é uma evolução do que já existia. E o nosso tecido económico carece de evolução: para competir nas cada vez mais exigentes cadeias de valor no mundo global precisa de ter escala e dimensão, profissionalizar-se, com os critérios cada vez mais exigentes dos clientes. As empresas ou adquirem escala ou não conseguirão absorver os custos destas novas obrigações decorrentes da sustentabilidade. E ao mesmo tempo precisam de assumir riscos com que não se preocupavam. É a oportunidade para a emergência de uma nova cultura empresarial e que tem associada as dores normais de crescimento do tecido económico português.
Ou seja, algumas (ou mesmo muitas) empresas podem ficar pelo caminho?
Sim, como em qualquer ocasião em que existe uma aceleração da transformação do tecido económico. Certamente haverá as que ficarão pelo caminho e outras terão sucesso. É a célebre teoria da destruição criativa de Schumpeter.