Contabilista – Iniciou funções como presidente há pouco mais de um ano, mais concretamente a 4 de julho. O interromper precoce da anterior legislatura foi um retrocesso nos trabalhos do Conselho Económico e Social (CES), enquanto órgão de consulta e de concertação social?
Luís Pais Antunes – Sim, objetivamente tratou-se de um retrocesso e uma limitação objetiva aos trabalhos do CES. Para aumentar a complexidade, gostaria de lembrar que estamos no terceiro processo de recomposição do CES nos últimos três anos. É preciso explicar que o CES «cai» sempre que há dissolução da Assembleia da República porque está ligado à duração da legislatura. O que implica, necessariamente, iniciar-se um processo de recomposição do plenário do CES, onde está a sede do poder decisório, que é sempre um processo moroso. A própria constituição das diversas comissões é outro processo que se arrasta por alguns meses. Para além disso, cria-se uma certa entropia e perturbação, porque durante todo este processo há conselheiros que já sabem que não vão continuar, etc.
Defendeu que o CES «deve ter uma maior centralidade» na decisão e definição das políticas públicas. Está a ser feito esse caminho?
As pessoas não têm a noção, mas o plenário do CES tem 76 membros que representam várias entidades e setores da sociedade, do governo às organizações sindicais e patronais, passando por entidades do setor cooperativo, autarquias, profissões liberais e universidades. Sou defensor de um papel mais atuante do CES e das entidades nele representadas no processo de consulta e concertação nas diferentes iniciativas legislativas. Só que, como questionou, o caminho estava a ser feito, mas acabamos por regressar, uma vez mais, ao ponto de partida. O CES devia passar a ter um funcionamento equiparado ao mandato temporal definido, como já acontece com o cargo do provedor de justiça, que são quatro anos para este órgão unipessoal, independentemente da dissolução do Parlamento.
O governo já fez saber que quer alterar a lei da greve para ter mais serviços mínimos. O tema vai estar em discussão em sede de concertação social. Teme que este seja um foco de acesa discórdia entre governo, patrões e sindicatos?
Espero que não. Existe um consenso suficientemente alargado quanto à necessidade de corrigir alguns aspetos e algumas situações que não têm corrido particularmente bem. Penso que há condições para levar a cabo uma discussão franca, aberta e serena sobre o tema. É preciso referir que, como o governo já sublinhou, não está a causa o direito à greve, mas sim, em determinados setores, mais delicados, como é o caso dos transportes e também do acesso a outros serviços públicos, em geral, a compatibilização dos direitos: seja o direito à greve, seja o direito dos utentes. É preciso chegar a uma conclusão sobre como podemos otimizar a definição de serviços mínimos naquelas situações que têm estado expostas a uma gestão mais difícil. Por isso, vamos aguardar pela proposta do governo.
A reforma do Estado é, assumidamente, uma das bandeiras do executivo empossado há poucas semanas. O ministro Gonçalo Matias já disse que «não querer reduzir o Estado, mas sim combater a burocracia excessiva e simplificar procedimentos». Quais as suas expetativas sobre o possível impacto deste anúncio em áreas vitais do meio económico e social do país?
A necessidade de uma reforma do Estado é tão essencial, quanto difícil. Não acredito em soluções milagrosas, nem muito menos que seja algo que se resolva de um dia para o outro ou num curto período. A reforma do Estado é um processo, e estou em crer que a generalidade dos agentes económicos e sociais comungam da sua importância. É fundamental que o nosso Estado sirva melhor os cidadãos, seja mais amigo das empresas e diminua significativamente os níveis de burocracia – muitas vezes excessivos, desnecessários e contraproducentes. Mas não posso ter ilusões sobre a dificuldade do processo. Penso que devemos partir com algum otimismo, mas não com expetativas demasiado elevadas.
Quais serão os principais obstáculos?
Uma reforma de uma qualquer organização nunca é fácil, agora imagine o Estado, no seu todo. Há, contudo, aspetos relativamente pacíficos, ao nível da simplificação na vida das organizações, das empresas e das pessoas. Penso que será por esta dimensão que é preciso começar.
A questão dos imigrantes tem dominado a atualidade nos últimos meses. Considera que precisamos de facto de mais pessoas para trabalhar na nossa economia ou teremos de reconfigurar o modelo económico vigente, assente na construção civil, turismo e agricultura, recrutando recursos humanos mais qualificados?
O tema da imigração tem sido, de facto, dos mais sensíveis nos últimos meses, diria mesmo nos últimos anos. O CES está plenamente envolvido neste dossiê e após a discussão no seu seio, que está em curso, emitirá um parecer sobre esta matéria. É preciso reconhecer que chegamos a uma situação insustentável, assente numa política de portas abertas e manifestação de interesse, que redundou num afluxo muito significativo, com repercussões ao nível da organização da sociedade e da prestação de serviços públicos. Evitar o descontrolo era fundamental e esse passo já foi dado. Precisa agora de ser sedimentado. Respondendo, em concreto, à questão formulada, saber se este é o modelo económico mais adequado exige uma discussão muito ampla na sociedade. É indiscutível dizer que precisamos de ter mais mão de obra imigrante. Mas sempre de forma regulada e controlada, até no interesse dos próprios imigrantes e respetivas famílias.
A longevidade é outro tema central dos nossos dias. Que impacto ao nível da qualidade de vida e da organização do trabalho terá o facto de a esperança média de vida continuar a aumentar?
A longevidade é a revolução mais silenciosa e profunda dos nossos tempos. O facto de as pessoas viverem mais anos, até significativamente mais tarde, acarreta mudanças na organização da sociedade. E vários desafios a enfrentar. Para começar, equilibrar o aumento da esperança média de vida com o número de anos de vida saudável. Constata-se que as pessoas vivem mais tempo, mas nem sempre de forma mais saudável. Mas há outros desafios a considerar. Por exemplo, o aumento do peso da longevidade na organização social. A pressão sobre os sistemas de apoio social, desde logo, as pensões de reforma. E, para concluir, a emergência da economia do cuidado, requerendo-se cuidados mais especiais e específicos. A organização do percurso de vida das pessoas é completamente diferente. Hoje vive-se até aos 80 ou mesmo aos 90 anos, quando anteriormente, as pessoas viviam até aos 50 ou 60 anos, com todas as transformações que tal implica na organização do trabalho, vida em sociedade e estilos de vida.
De que forma é que o CES pode contribuir para que o legislador e o governo criem condições e soluções para estes desafios?
Trata-se de uma área em que o CES está a desenvolver trabalho. Encontram-se em fase adiantada três estudos contratados a entidades externas, universidades, em particular, que vão suscitar pistas de reflexão para decisão subsequente, quer na área da economia do cuidado quer na área da economia da longevidade. As pessoas podem pensar que a longevidade é, em primeira análise, um custo, mas também e preciso não olvidar que tem uma implicação muito positiva ao nível de criação de riqueza, pelo facto de as pessoas viverem mais e melhor.