24-11-2021
É possível que estas gratificações de balanço não sejam atribuídas à generalidade dos trabalhadores mediante o cumprimento de determinados critérios? Ou seja, pode justificar-se a não atribuição de gratificação de balanço a determinados trabalhadores? Se sim, que tipo de critérios podem ser utilizados?
Parecer técnico
A questão está relaciona com a participação nos lucros por parte dos trabalhadores. Questiona se essa participação pode ser atribuída mediante o cumprimento de determinados objetivos.
Note que existe diferença entre participação nos lucros e prémios de produtividade, estes últimos são atribuídos mediante o cumprimento de determinados objetivos, ao passo que tal não se verifica com a participação nos lucros (gratificações de balanço).
- Participação nos lucros (gratificações de balanço) a trabalhadores ou membros dos órgãos sociais da empresa.
Contabilisticamente, a NCRF 28 determina que a participação nos lucros dos empregados («gratificações de balanço») seja considerada como um gasto (parágrafo 11 (b)), sem prejuízo da explicação de como a entidade deve aplicar este requisito a planos de participação nos lucros (parágrafos 12,15 e 18).
O parágrafo 18 refere que uma entidade deve reconhecer o custo esperado dos pagamentos de participação nos lucros e bónus segundo o parágrafo 11 quando, e só quando:
a) A entidade tenha uma obrigação presente legal ou construtiva de fazer tais pagamentos em consequência de acontecimentos passados; e
b) Possa ser feita uma estimativa fiável da obrigação.
Existe uma obrigação presente quando, e só quando, a entidade não tem alternativa realista senão a de fazer os pagamentos.
Ou seja, caso se cumpram os requisitos previstos na Norma, as participações nos lucros a favor dos empregados, incluindo os membros de órgãos estatutários serão considerados gasto do exercício em que foram gerados e aceites fiscalmente.
Mesmo quando a entidade não tenha obrigação legal, pode ainda assim ter uma obrigação construtiva. É o que sucede, por exemplo, quando uma entidade tenha a prática enraizada de remunerar os trabalhadores através de gratificações por participação nos lucros. Nesse caso, se não existir um plano formal de participação nos lucros ou bónus, ainda assim, pode existir uma prática passada que proporcione uma evidência clara da quantia dessa obrigação construtiva permitindo preencher o requisito «da existência de uma estimativa fiável.»
Para que se cumpram os requisitos previstos na norma deveria existir um plano formal de participação nos lucros ou bónus. Não existindo, esse plano formal, também não se pode argumentar que a participação nos lucros tenha por base a experiência passada para que possamos reconhecer o gasto no exercício em que os lucros foram gerados.
A participação nos lucros (gratificações) pode ocorrer todos os anos, sendo a periodicidade considerada anual, mas desde que exista lucro do exercício para o efeito a distribuição. O facto de a periodicidade ser anual não tem que ser obrigatória, pode ser estabelecido outro padrão de ocorrência, por exemplo de dois em dois anos ou de três em três, o primordial é que nos anos em que ocorra exista lucro para distribuir.
O reconhecimento do gasto na contabilidade está diretamente relacionado com o previsto na NCRF 28, que impõe que deva ser possível fazer uma estimativa fiável da obrigação de pagamentos com base em acontecimentos passados ou no caso de existir um plano formal de participação nos lucros ou bónus.
Nos casos em que não sejam reunidos os pressupostos da NCRF 28, o lucro da sociedade transita para o ano seguinte incorporado na conta 56 – Resultados transitados.
No ano seguinte, no âmbito da aplicação de resultados, caso pretendam, podem ser atribuídas participações nos lucros (do período, ou período anterior) aos trabalhadores e membros de órgãos sociais desde que decidido em assembleia geral (ata).
Desta forma iremos considerar a atribuição da «gratificação» por conta de lucros como um gasto do período de 2019 ao abrigo do disposto nos parágrafos 18 a 23 da NCRF 28.
Tomemos como exemplo o exercício de 2020. As gratificações serão atribuídas durante o exercício de 2020 e o pagamento irá ocorrer durante 2021. Em 2020, período em que foi gerado o lucro, iremos considerar o gasto através do seguinte registo na contabilidade:
D 631x – Remunerações dos órgãos sociais – Gratificações
D 632x – Remunerações do pessoal – Gratificações
C 2722x – Credores por acréscimo de gastos - Órgãos sociais
C 2722x – Credores por acréscimo de gastos – Pessoal
Assim, quando registados como gastos nos termos da NCRF 28, as gratificações por conta de lucros devem ser deliberadas pelos sócios (em ata). O reconhecimento do gasto no período em que ocorreu a prestação do trabalho é feito com base numa estimativa (fiável) (parágrafo 18 da NCRF 28).
Fiscalmente, existe uma limitação fiscal às participações nos lucros por empregados até ao dobro da remuneração média mensal quando os beneficiários sejam membros de órgãos sociais com uma participação de pelo menos um por cento no capital da entidade (art.º 23.º-A n.º 1 alínea o) do CIRC).
No caso dos trabalhadores (que não sejam membros de órgãos sociais) não existe limitação fiscal, apenas se deve atender ao disposto na alínea n) do n.º 1 do art.º 23-A do CIRC, ou seja, o valor atribuído a título de participação nos lucros deve ser pago até final do período de tributação seguinte.
À participação nos lucros não se aplica o conceito de «generalidade dos trabalhadores», ao invés, deve-se atender se tal resulta de um plano formal de distribuição de participação nos lucros ou se resulta de uma prática enraizada que leve a prever que a sua distribuição vá ocorrer em determinados/concretos moldes.
Em sede de IRS, este tipo de «gratificações de balanço» irão sujeitas a retenção na fonte no momento em que os montantes sejam pagos ou colocados à disposição dos empregados ou membros de órgãos estatutários, de acordo com a regra geral de tributação para os rendimentos de categoria A – Trabalho dependente, concorrendo com os restantes rendimentos para a determinação e aplicação da taxa de retenção na fonte daquele mês. O valor atribuído pode ser colocado à disposição de forma fracionada.
Havendo disponibilidade de tesouraria não existe qualquer impedimento para que após a deliberação da atribuição das participações nos lucros se efetue logo de imediato o pagamento, ainda que não seja a totalidade do valor.
Em termos de Segurança Social, atualmente a alínea r) do art.º 46º do Código Contributivo carece de regulamentação (vide art.º 6.º da Lei n.º 110/2009, com a alteração dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro – OE), pelo que estes valores não ficam sujeitos a contribuições para a Segurança Social.
Caso o gasto com a gratificação não seja reconhecido no período a que respeita, nomeadamente por não existir a tal obrigação presente legal ou construtiva de fazer tais pagamentos, ou seja, sendo a primeira vez que a empresa atribui as gratificações, ou porque não foi possível fazer uma estimativa fiável da obrigação, então, tal gratificação poderá vir a ser deliberada em assembleia-geral, ou aquando da aprovação das contas.
Em termos contabilísticos, tal deliberação deverá ocorrer via resultados transitados, sendo que em termos fiscais configura uma variação patrimonial negativa nos termos previstos no artigo 24.º do Código do IRC (no período em que ocorre a deliberação a inscrever no quadro 07 da declaração modelo 22).
Em sede de IRS, este tipo de gratificação irá ser tributada no momento em que os montantes sejam pagos ou colocados à disposição dos empregados de acordo com a regra geral de tributação para os rendimentos de categoria A - Trabalho dependente, concorrendo com os restantes rendimentos para a aplicação da taxa de retenção na fonte daquele mês.
Tendo como lançamentos contabilísticos, num exemplo para os funcionários:
Débito 56 – Resultados transitados
Crédito 2312 – Remunerações a pagar – Ao pessoal
e a correspondente correção no quadro 07 da declaração modelo 22 do período em que foi tomada a decisão, conforme referido.
O valor a distribuir a título de gratificações de balanço além de provir da conta de resultados transitados pode também resultar da conta de reservas livres. Devendo ser expressamente mencionadas na deliberação quais as reservas distribuídas, no todo ou em parte, quer isoladamente quer juntamente com lucros de exercício (art.º 33.º do Código das Sociedades Comerciais).
Quanto ao montante a atribuir de gratificações de balanço ao empregado, essa é uma competência dos sócios, havendo que atender às limitações dos artigos 32.º e 33.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC). Nas sociedades comerciais por quotas, os sócios têm direito a pelo menos metade dos lucros, salvo disposição ou deliberação em contrário (n.º 1 do art.º 217.º do CSC).
Se existe lucro e a reserva legal se encontra constituída no valor mínimo legal (2 500 euros) podem ser atribuídas «gratificações de balanço» aos sócios-gerentes e aos trabalhadores. Aos sócios que não exercem qualquer função na sociedade não podem ser atribuídas «gratificações de balanço» tendo estes apenas direitos aos lucros da sociedade, mediante distribuição de lucros do exercício.
Após a decisão de assembleia geral de participação nos resultados pelos gerentes e trabalhadores a cópia da ata ou documentos que contem a decisão da assembleia geral, servirá para efetuar o registo contabilístico ainda em 2020 (D 63/ C 2722x).
No mês em que as «gratificações de balanço» sejam colocadas à disposição/pagas, que pode ocorrer durante o ano de 2021, devem ser incluídas no recibo de vencimento para efeito de apuramento da taxa de retenção na fonte e devem ser incluídas na DMR com o código A (cf. Portaria n.º 30-A/2019. O valor relativo à participação nos lucros não está sujeito a contribuições para a Segurança Social enquanto a alínea r) do art.º 46.º do Código Contributivo não for regulamentada.
Relativamente à restrição prevista na alínea n) do n.º 1 do artigo 23.º-A, a expressão «até ao fim do período de tributação seguinte» deve ser entendida, no presente caso, como respeitando ao período de tributação seguinte àquele a que respeita o lucro e não ao período de tributação seguinte àquele em que ocorreu a variação patrimonial negativa (vide a este respeito a Circular n.º 9/2011, de 5 de maio).
Prémio
Os prémios atribuídos aos trabalhadores por conta de outrem pela prestação ou em razão da prestação do trabalho, quando atribuídas pela respetiva entidade patronal, são considerados rendimentos da categoria A, nos termos do n.º 2 do artigo 2.º do CIRS, deste modo estão sujeitas a retenção na fonte.
Os prémios de produtividade, gratificações ou comissões atribuídas a sócios-gerentes ou funcionários, são considerados rendimentos da categoria A (desde que não sejam lucros distribuídos ou adiantamento por conta de lucros) nos termos do n.º 2 do artigo 2.º do CIRS. Esses rendimentos são sujeitos a retenção na fonte de IRS, devendo acrescer aos outros rendimentos desse mês e aplicar-se as tabelas de retenção.
Em sede de IRC, são também considerados custos com o pessoal, fiscalmente dedutíveis, desde que enquadrados no âmbito do artigo 23.º do Código do IRC.
Tratando-se de prémios sem caráter de regularidade não servirão de base de incidência para as contribuições para a segurança social. A regularidade dos pagamentos é aferida qualquer que seja o seu padrão ou periodicidade.
Tratando-se de uma periodicidade anual, trimestral ou mensal, os pagamentos do prémio de produtividade deverão servir de base para as contribuições para a segurança social. De acordo com a alínea d) do n.º 2 do artigo 46.º do Código Contributivo:
«d) Os prémios de rendimento, de produtividade, de assiduidade, de cobrança, de condução, de economia e outros de natureza análoga, que tenham caráter de regularidade.»
Em qualquer dos casos, deverá ser efetuada pela entidade pagadora a competente retenção na fonte de IRS, no momento do respetivo pagamento ou colocação à disposição. A retenção na fonte é efetuada de acordo com as tabelas gerais. A este prémio não se aplica a tabela das remunerações variáveis, pois a entidade não paga ao trabalhador exclusivamente montantes variáveis.
Os prémios de produtividade são incluídos no recibo de remunerações dos sócios gerentes ou funcionários do mês a que respeita o prémio para efeitos de apuramento da taxa de retenção a aplicar.
Considera-se que uma prestação reveste caráter de regularidade quando constitui direito do trabalhador, por se encontrar preestabelecida segundo critérios objetivos e gerais, ainda que condicionais, para que este possa contar com o seu recebimento e a sua concessão tenha lugar com uma frequência igual ou inferior a cinco anos (art.º 47º do Código Contributivo). A regularidade tem a ver com o momento dos pagamentos, e se se verificar que o trabalhador podia contar com o pagamento do prémio este prémio estará sujeito a contribuições para a Segurança Social.
Se estiver comprovado que o prémio tem uma frequência igual a cinco anos e que no momento da sua atribuição o trabalhador já podia contar com o seu recebimento, então verifica-se o conceito de regularidade o que sujeita o valor do prémio a contribuições para a Segurança Social.
Por último, alertamos para o disposto no art.º 88.º n.º 13 do CIRC que prevê a incidência de tributação autónoma sobre prémios atribuídos a gerentes e administradores, verificadas as condições dispostas no referido artigo. Como nos refere sócios/funcionário, partimos do pressuposto que não será o caso.
Concluindo: à participação nos lucros não se aplica o conceito de «generalidade dos trabalhadores». Ao invés, deve atender-se se tal resulta de um plano formal de distribuição de participação nos lucros ou se resulta de uma prática enraizada que leve a prever que a sua distribuição vá ocorrer em determinados/concretos moldes.
A atribuição de verbas aos trabalhadores em razão do trabalho prestado integra o conceito de prémios de produtividade.