Pareceres
IRC - donativos
6 Março 2024
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.

IRC - donativos
PT27894 - janeiro de 2024

 

Determinada sociedade pretende doar uma loja situada numa cave aos bombeiros voluntários. O valor patrimonial é de 214 670 euros e o valor na contabilidade é de 73 450 euros. A empresa fatura 1 200 000 euros por ano. Qual o enquadramento contabilístico e fiscal da doação da loja que se encontra no ativo fixo tangível da empresa, nas contas a serem movimentadas e no impacto fiscal desta doação, incluindo preenchimento da declaração modelo 22? A empresa tem de pagar IRC sobre esta doação? Se sim, sobre que valor? O valor do custo aceite fiscalmente é de 73 450 euros ou o valor patrimonial? O limite aceite é apenas 9 600 euros (8/1000) acrescido de majoração? A operação é isenta de IVA?


Parecer técnico


O pedido de parecer está relacionado com o enquadramento contabilístico e fiscal da doação de imóvel de uma sociedade aos bombeiros voluntários.
O tratamento contabilístico referente aos imóveis detidos pelas entidades poderá variar em função do destino ou função na atividade. Estes diferentes tratamentos contabilísticos estarão estreitamente ligados com o tipo de rendimento a reconhecer pela exploração desses imóveis, sendo sempre considerados no conceito de rédito.
Para o efeito teremos de atender às normas contabilísticas e de relato financeiro (NCRF) 7 - Ativos fixos tangíveis; NCRF 11 - Propriedades de investimento e NCRF 18 - Inventários, que estabelecem o tratamento contabilísticos dos imóveis, dentro da atividade das entidades.
No caso em concreto, é-nos referido que o imóvel a doar «se encontra no ativo fixo tangível da empresa.»
Os imóveis detidos pelas entidades deverão ser registados na conta 43 - Ativos fixos tangíveis quando estejam ocupados pela própria entidade, e essa ocupação se destine ao seu uso no processo de produção, fornecimento bens ou serviços ou fins administrativos, de acordo com o parágrafo 6 da NCRF 7.
Estando a empresa em causa a efetuar uma doação de um imóvel que se encontra registado no seu ativo fixo tangível, tal facto implica em termos contabilísticos o desreconhecimento do item do ativo e o consequente registo da perda resultante, caso o bem não esteja totalmente depreciado, o que entendemos ser o caso.
Assim, na ótica da entidade doadora, essa operação deverá implicar o desreconhecimento do imóvel, nos termos dos parágrafos 66 a 71 da NCRF 7 - Ativos fixos tangíveis.
A este respeito, determina o parágrafo 67 que «[o] ganho ou perda decorrente do desreconhecimento de um item do ativo fixo tangível deve ser incluído nos resultados quando o item for desreconhecido (...). O ganho não deve ser classificado como rédito. (...).»
Por sua vez, o parágrafo 70 refere que «[o] ganho ou perda decorrente do desreconhecimento de um item do ativo fixo tangível deve ser determinado como a diferença entre os proventos líquidos da alienação, se os houver, e a quantia escriturada do item.»
Face ao exposto, e no caso em concreto, uma vez que o ativo se encontra capitalizado como ativo fixo tangível e não se encontra totalmente depreciado, tendo em consideração que o mesmo será doado, será apurada uma perda, pelo que os registos contabilísticos poderão ser:
Pela anulação das depreciações acumuladas e determinação da quantia escriturada:
Débito da conta 438 - Ativos fixos tangíveis - Depreciações acumuladas e/ou débito da conta 439 - Ativos fixos tangíveis - Perdas por imparidade acumuladas; por contrapartida a:
Crédito da conta 43x - Ativos fixos tangíveis, pelo montante das depreciações e/ou perdas por imparidade acumuladas.
Posteriormente, pelo desreconhecimento do ativo fixo tangível, devido à doação:
Débito da conta 6882 - Donativos, pela quantia escriturada (valor líquido contabilístico); Por contrapartida a:
Crédito da conta 43x - Ativos fixos tangíveis, pela quantia escriturada (valor líquido contabilístico).
No âmbito do Sistema de Normalização Contabilística, apenas deverá efetuar depreciações ao ativo fixo tangível até ao período imediatamente anterior ao da venda ou abate (ano anterior ou mês anterior, se estiver a utilizar o regime dos duodécimos das depreciações).
Neste sentido, existindo uma perda teremos de observar a dedutibilidade fiscal da perda que sendo a entidade beneficiária os bombeiros voluntários, a respetiva dedutibilidade seria de acordo com as normas do Estatuto dos benefícios Fiscais (EBF).
Em termos de IRC, a perda reconhecida pelo donativo do imóvel pode ser dedutível na determinação do lucro tributável desde que se enquadre no regime fiscal do mecenato previsto no artigo 61.º e 62.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).
O regime fiscal aplicável aos donativos encontra-se previsto no artigo 61.º do EBF, no seu capítulo X respeitante aos benefícios fiscais relativos ao mecenato.
E, para efeitos fiscais, o conceito de donativo está também aí definido (no artigo 61.º do EBF), sendo nele referido que «(...) os donativos constituem entregas em dinheiro ou em espécie, concedidos, sem contrapartidas que configurem obrigações de carácter pecuniário ou comercial, às entidades públicas ou privadas, previstas nos artigos seguintes, cuja atividade consista predominantemente na realização de iniciativas nas áreas social, cultural, ambiental, desportiva ou educacional.»
No caso concreto, está-se perante um donativo em espécie, uma vez que o bem que a empresa em causa pondera doar aos bombeiros voluntários, sem receberem qualquer contrapartida, trata-se de um imóvel que faz parte dos ativos fixos tangíveis da sociedade.
A nível fiscal, refira-se que os donativos em espécie levantam algumas questões uma vez que terão de se quantificar, circunstância que não se coloca no caso de um donativo em dinheiro.
E é o n.º 11 do artigo 62.º do EBF, que nos esclarece sobre essa circunstância. No caso de um donativo em espécie, para efeitos do cálculo da dedução ao lucro tributável, o valor a considerar «é o valor fiscal que os bens tiverem no exercício em que forem doados, deduzido, quando for caso disso, das depreciações ou provisões efetivamente praticadas e aceites como custo fiscal ao abrigo da legislação aplicável.»
Ou seja, no caso concreto em apreciação, uma vez que estamos na presença de um bem do ativo fixo tangível, esse valor fiscal será o custo de aquisição ou de produção deduzido das depreciações efetivamente praticadas e aceites para efeitos fiscais, sem prejuízo do disposto na parte final da alínea a) do n.º 5 do artigo 29.º do CIRC, ou, caso se esteja na presença de um bem com a natureza de inventários, o valor fiscal será o custo de aquisição ou de produção eventualmente deduzido das perdas por imparidade que devam ser constituídas de acordo com o respetivo regime fiscal.
Por outro lado, e importante para esta análise, quanto ao regime aplicável aos donativos efetuados por pessoas coletivas, deve ser tida em linha de conta quer os beneficiários, quer ainda os fins e atividades que esse beneficiário pretende levar a cabo.
De facto, na esfera do doador, caso se esteja perante uma pessoa coletiva sujeita a IRC, a aceitação como gasto fiscalmente dedutível em sede de IRC referente ao donativo, os limites à sua dedutibilidade e a eventual percentagem da majoração, dependem do volume de negócios que tenha obtido no exercício em que efetue esse donativo, dependem também do tipo de entidade a quem é concedido e da atividade que é esta desenvolve, e dependem ainda do fim especifico a que é destinado no âmbito dos diferentes mecenatos (estatal, cultural, educacional, científico, desportivo, ambiental, social, etc.).
No caso concreto, dado estarmos perante um donativo efetuado por um sujeito passivo de IRC, a favor dos bombeiros voluntários, tal donativo apenas pode ser considerado como gasto fiscal, se a entidade beneficiária tiver como fins estatutários a caridade, assistência, beneficência e solidariedade social e tiver obtido o estatuto de utilidade pública administrativa ou de mera utilidade pública, de acordo com a alínea b) do n.º 3 do artigo 62.º do EBF.
Neste caso, se a entidade beneficiária estiver enquadrada na referida alínea b) do n.º 3 do artigo 62.º do EBF, esse gasto fiscal tem como limite 8/1000 do volume de negócios da empresa.
Para além destes requisitos, a entidade beneficiária deve emitir um recibo de donativo de acordo com os critérios previstos no artigo 66.º do EBF.
Esse documento deve conter a indicação do seu enquadramento como entidade beneficiária de donativos, de acordo com as definições estabelecidas nos artigos 61.º e 62.º do EBF e, ainda a menção de que o donativo é concedido sem contrapartidas, conforme conceito estabelecido no artigo 61.º do mesmo Estatuto.
Quanto ao estatuto de utilidade pública administrativa, este é concedido automaticamente na constituição da entidade do setor não lucrativo nos termos do regime jurídico específico.
Neste momento, o estatuto de utilidade pública administrativa é atribuído às entidades que sejam constituídas como Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) e às associações humanitárias de bombeiros.
O estatuto de mera utilidade pública é atribuído de acordo com a regulamentação prevista no Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 391/2007, de 13 de dezembro.
A declaração de utilidade pública é da competência do primeiro-ministro sendo objeto de despacho publicado no «Diário da República» na II Série.
São pessoas coletivas de utilidade pública as associações ou fundações que prossigam fins de interesse geral, ou da comunidade nacional ou de qualquer região ou circunscrição, cooperando com a administração central ou a administração local, em termos de merecerem da parte desta administração a declaração de «utilidade pública».
No caso em concreto, será indispensável aferir se a entidade beneficiária detém o estatuto de utilidade pública, para assim a empresa doadora poder usufruir do benefício fiscal referido acima pelo donativo concedido a essa entidade, conforme enquadramento na alínea b) do n.º 3 do artigo 62.º do EBF.
Nos termos do 4 do artigo 62.º do EBF estas despesas são elevadas a 130 por cento do respetivo total ou a 140 por cento no caso de se destinarem a custear as medidas elencadas nas alíneas:
«a) Apoio à infância ou à terceira idade;
b) Apoio e tratamento de toxicodependentes ou de doentes com sida, com cancro ou diabéticos;
c) Promoção de iniciativas dirigidas à criação de oportunidades de trabalho e de reinserção social de pessoas, famílias ou grupos em situações de exclusão ou risco de exclusão social, designadamente no âmbito do rendimento social de inserção, de programas de luta contra a pobreza ou de programas e medidas adotadas no contexto do mercado social de emprego.»
Para além do enquadramento referido acima, para que os donativos possam ter a referida relevância fiscal na ótica dos mecenas, a associação passará a ter que cumprir com as obrigações previstas no artigo 66.º do EBF, nomeadamente:
- A emitir recibo comprovativo dos montantes dos donativos recebidos dos seus mecenas, com a indicação do seu enquadramento no âmbito do presente capítulo e, bem assim, com a menção de que o donativo é concedido sem contrapartidas, de acordo com o previsto no artigo 61.º do EBF. Esse recibo deve, obrigatoriamente, conter a qualidade jurídica da entidade beneficiária, o normativo legal onde se enquadra, o montante do donativo em dinheiro, quando este seja de natureza monetária ou a identificação dos bens, no caso de donativos em espécie.
- A possuir registo atualizado das entidades mecenas, do qual constem, nomeadamente, o nome, o número de identificação fiscal, bem como a data e o valor de cada donativo que lhes tenha sido atribuído, nos termos do presente capítulo.
- E, a entregar à AT, até ao final do mês de fevereiro de cada ano, a Declaração Modelo 25 referente aos donativos recebidos no ano anterior, que tenham relevância fiscal, ou seja, que possam ser enquadrados no referido estatuto do mecenato.
Assim, obtendo a entidade mecenas o referido recibo emitido pela entidade beneficiária, que contenha todos estes elementos previstos no artigo 66.º do EBF, e o respetivo donativo esteja enquadrado no estatuto do mecenato, este pode ser considerado como um gasto dedutível em termos fiscais, até ao limite de 8/1000 do seu volume de vendas ou dos serviços prestados, conforme a alínea b) do n.º 3 do artigo 62.º do EBF.
Nessa situação, esse gasto fiscal pode ainda ser majorado nas percentagens previstas no n.º 4 do mesmo artigo, dependo da situação em concreto (neste caso assumimos que a majoração será de 30 por cento).
Apesar desse limite previsto no n.º 3 do artigo 62.º do EBF e da referida majoração, em termos globais, a entidade não pode deduzir fiscalmente um montante superior a 8/1000 do volume de vendas ou dos serviços prestados realizados pela empresa no exercício, conforme o n.º 12 do mesmo artigo 62.º do EBF.
A referida majoração deve ser aplicada ao menor valor entre o montante do donativo atribuído e o limite fiscal determinado em função do volume de negócios, conforme os cálculos e procedimentos seguintes.
Para melhor compreensão, vejamos o exemplo seguinte, no qual teremos em consideração os dados apresentados na questão:
Volume de negócios: 1 200 000 euros
Donativo: 73 450 euros (tendo por base o valor contabilístico, uma vez que assumimos que todas as depreciações foram aceites fiscalmente, conforme n.º 11 do artigo 62.º do EBF).
Pressupõe-se que não existem mais donativos concedidos.
Verificação do limite:
1 200 000 x 8/1000 = 9 600 euros
73 450 – 9 600 = 63 850 euros
Cálculo da majoração = 9 600 x 30% = 2 880 (majoração aplicada ao limite, por ser inferior ao montante do donativo).
A este respeito, notamos que nos termos da ficha doutrinária Processo n.º 16/2020, PIV n.º 16875, sancionado por despacho da subdiretora-geral da AT, de 2020-10-20, entende a AT que «(...) a limitação prevista no n.º 12 do EBF ser definida pela soma do montante dos donativos atribuídos pelas entidades mecenas e das respetivas majorações, não poderá ser uma interpretação aceite por uma questão de enquadramento sistémico e da lógica ao funcionamento da dupla dedução estabelecida no Regime dos Benefícios Fiscais Relativos ao Mecenato, previsto no Capítulo X do EBF.»
Na mesma ficha doutrinária, conclui a AT que «(...) a limitação constante do n.º 12 do artigo 62.º do EBF deve, de igual modo, ser definida em função da soma do montante dos donativos atribuídos pelas entidades mecenas.
Apesar da limitação em causa apenas se aplicar aos donativos atribuídos, conforme o supra exposto, no caso da existência de uma pluralidade de donativos que usufruam de diferentes majorações, as entidades mecenas deverão, de igual modo, "corrigir" o valor das referidas majorações. Para o efeito deverão repartir o valor total dos donativos aceite tendo em conta o limite global previsto no n.º 12 do artigo 62.º do EBF em função da proporção que os donativos de cada majoração têm no total dos donativos.»
Neste sentido, apesar de o donativo exceder o limite de 8/100 do volume de negócios, entendemos que a entidade poderá usufruir do benefício de majoração, calculado sobre o limite apurado.
Face ao exposto, uma vez que a entidade terá contabilizado o gasto com o donativo (73 450 euros), com registo na conta 6882 - Donativos, haverá a necessidade de efetuar as seguintes correções da determinação do lucro tributável (Quadro 07 da Modelo 22):
Acrescer: 63 850 euros no campo 751;
Deduzir: 2 880 euros no campo 774.
Há ainda que preencher o anexo D da modelo 22, quadro 04, campo 406, indicando o montante de 2 880 euros.
Por fim, no que se refere ao tratamento em sede de IVA dos donativos em espécie efetuados por sujeitos passivos do imposto, há que se atender às regras estabelecidas no Código do IVA (CIVA) para as transmissões gratuitas de bens.
O artigo 1.º do CIVA estabelece que as transmissões de bens, tal como definidas no artigo 3.º, estão sujeitas a imposto, sendo esse imposto devido e exigível, ao Estado, quando os bens são postos à disposição, conforme disposto no n.º 1 do artigo 7.º do mesmo Código.
Por sua vez, a alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do CIVA considera como assimiladas a transmissão de bens, a transmissão gratuita quando, relativamente a esses bens ou aos elementos que os constituem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto.
Assim, apenas quando os sujeitos passivos (mecenas) não tenham deduzido (total ou parcialmente) o imposto suportado a montante dos bens que vão ser objeto de doação, tais entregas, não consistindo numa transmissão de bens nem sendo uma operação assimilada, estão fora do âmbito de incidência do imposto, não sendo, portanto, tributadas em IVA.
Caso tenha existido direito à dedução total ou parcial do IVA suportado com a aquisição ou construção do imóvel, a transmissão gratuita desse bem é considerada como uma operação assimilada a transmissão onerosa de bens.
Face ao exposto, e respondendo concretamente às questões colocadas, a empresa será sujeita a tributação, em sede de IRC, pelo montante não aceite como gasto e que será acrescido na declaração modelo 22.
Por referência ao gasto aceite, entendemos que o mesmo apenas será de 9 600 euros, na medida em que o donativo excede o limite de 8/100 do volume de negócios.
Adicionalmente, poderá ainda ser deduzido o respetivo montante da majoração deste limite.
Quanto ao IVA, na medida em que a entidade não tenha deduzido (total ou parcialmente) o imposto suportado a montante, a doação do imóvel, não consistindo numa transmissão de bens nem sendo uma operação assimilada, está fora do âmbito de incidência do imposto, não sendo, portanto, tributada em IVA.