Pareceres
IRC – faturação de juros
4 Outubro 2024
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.

IRC – faturação de juros
PT28158 - abril de 2024

 

Em determinado grupo, existem duas empresas, uma localizada em Espanha e outra em Portugal. Para efeitos de tesouraria, a empresa espanhola empresta dinheiro à empresa portuguesa, sendo um empréstimo de curto prazo de vencimento, que está suportado por um contrato, mencionando data de vencimento e taxa a aplicar.
Existe a obrigatoriedade de emissão de fatura de Espanha para Portugal dos montantes de juros?
Normalmente existe a retenção do imposto sobre rendimento no pagamento destes juros, garantindo a utilização das regras da dupla tributação de rendimentos entre Espanha e Portugal?
A empresa utiliza, em Portugal, o normativo SNC e, em Espanha, o IFRS.

 

Parecer técnico

 

O pedido de parecer está relacionado com a obrigação de faturação dos juros a pagar por uma empresa portuguesa a uma empresa do mesmo grupo, cuja sede é em Espanha, em resultado de um contrato de empréstimo, celebrado entre estas duas entidades.
Começamos por dar nota que a concessão de crédito enquanto atividade, em Portugal, é reservada às instituições de crédito e sociedades financeiras. No entanto, pessoas ou entidades não financeiras podem celebrar contratos de suprimento ou de mútuo por razões determinadas e de forma ocasional, devendo haver razões justificadas para tal facto.
Assim, importa salientar que neste tipo de operações deve ser aferido o seu âmbito jurídico, devendo para o efeito, recorrer a um jurista ou advogado.
Mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra, dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade (artigo 1 142.º do Código Civil).
O Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de julho, veio dar uma nova redação ao artigo 1 143.º do Código Civil, e o contrato de mútuo de valor superior a 25 mil euros só passa a ser válido se for celebrado por escritura pública, salvo disposição legal em contrário, e o de valor superior a 2 500 euros se o for por documento assinado pelo mutuário.
Nos contratos de mútuo pode ser convencionado entre as partes o pagamento de juro, como retribuição desse empréstimo. Caso venham a ser estabelecidos juros dos referidos empréstimos, deve ter-se em atenção o conceito de usura definido pelo artigo 1 146.º do Código Civil:
«1. É havido como usurário o contrato de mútuo em que sejam estipulados juros anuais que excedam os juros legais, acrescidos de 3 ou 5 por cento, conforme exista ou não garantia real.
2. É havida também como usurária a cláusula penal que fixar como indemnização devida pela falta de restituição de empréstimo relativamente ao tempo de mora mais do que o correspondente a 7 ou a 9 por cento acima dos juros legais, conforme exista ou não garantia real.
3. Se a taxa de juros estipulada ou o montante da indemnização exceder o máximo fixado nos números precedentes, considera-se reduzido a esses máximos, ainda que seja outra a vontade dos contraentes.
4. O respeito dos limites máximos referidos neste artigo não obsta a aplicabilidade dos artigos 282.º a 284.º.»
Relativamente aos documentos de suporte (obrigação referida na alínea a) do n.º 2 do artigo 123.º do CIRC), que devem apoiar os lançamentos contabilísticos, podem ser os próprios contratos mútuos ou neste caso a escritura pública, pois o valor do empréstimo ultrapassa os 25 mil euros. Assim, como as fotocópias dos cheques, ou documentos bancários referentes às transferências para as contas dos acionistas /sócios.
Em termos fiscais, nomeadamente, em sede de IVA, nos termos do artigo 1.º do Código do IVA (CIVA), estão sujeitas a IVA, entre outras, as transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal.
Neste sentido, refere o artigo 3.º do CIVA que se considera, em geral, transmissão de bens a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade.
Por sua vez, nos termos do artigo 4.º do referido Código, são consideradas como prestações de serviços as operações efetuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens.
Assim, no caso em análise, uma vez que é referido que estamos perante financiamentos, tais operações configuram a prática de prestações de serviços, pelo que as mesmas serão sujeitas a imposto nos termos do referido artigo 3.º do CIVA.
A este respeito, cumpre notar que, apesar das normas de sujeição, existem operações que poderão beneficiar uma isenção de tributação em sede de IVA, nomeadamente pelo seu enquadramento no artigo 9.º do CIVA.
No caso em concreto, cumpre ter em consideração o ponto 27 do artigo 9.º, norma de isenção transposta da diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, nos termos do qual estão isentas do IVA, entre outras, «[a]s operações seguintes:
a) A concessão e a negociação de créditos, sob qualquer forma, compreendendo operações de desconto e redesconto, bem como a sua administração ou gestão efetuada por quem os concedeu; (...).»
No caso em concreto da conceção de financiamentos, remetemos para a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira, vertida na informação vinculativa processo n.º 2 948, despacho do SDG dos Impostos, substituto legal do diretor-geral, em 2012-02-14, nos termos da qual é definido que:
«6 - A noção de mútuo encontra-se expressa no artigo 1 142.º do Código Civil, o qual refere "mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade".
7 - Assim sendo, o contrato de mútuo formaliza a concessão de um empréstimo, não relevando, para o efeito, a natureza da coisa emprestada e, por consequência, trata-se de um crédito comercial, que em sede de imposto tem o mesmo enquadramento de um crédito bancário, ou seja, é uma operação abrangida pelo n.º 27 do artigo 9.º do CIVA. As operações isentas por força deste preceito legal são definidas em função da natureza das operações e não em função do prestador ou do destinatário do serviço.
8 - Ora, no caso sob análise o crédito concedido em função do "contrato de mútuo garantido por penhor" é uma prestação de serviços nos termos do n.º 1 do artigo 4.º, sujeita a imposto por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º, embora dele isenta nos termos da alínea a) do n.º 27 do artigo 9.º, todos do CIVA.»
No mesmo sentido, determina a informação vinculativa processo n.º 4 988, por despacho de 2013-05-23, do SDG do IVA, por delegação do diretor-geral que:
«13. Não obstante, e de acordo, aliás, com a subalínea a) da alínea 27.º do artigo 9.º do CIVA (que corresponde, em termos parciais, à transposição, para a ordem jurídica interna, do conteúdo normativo vertido na alínea b) do n.º 1 do artigo 135.º da supramencionada Diretiva IVA), as operações de concessão de crédito são consideradas como operações sujeitas, mas isentas de tributação. (...)
15. De facto, apenas provando-se essa conexão/acessoriedade, poderão, estas operações, vir a beneficiar da isenção de imposto, atribuída à concessão de mútuos, prevista na suprarreferida subalínea a) da alínea 27.º do artigo 9.º do CIVA. (...)
19. Assim sendo, e face ao exposto, afigura-se linear a subsunção, neste conjunto de requisitos, do "item"/operação referente à taxa de juro.
20. De facto, o pagamento de juros constitui uma operação essencial/inerente (dir-se-ia até consequencial) à operação principal de concessão do empréstimo. Não sendo, portanto, suscetível de ser realizada de forma independente, e nem constitui, para o prestamista, um fim em si mesma.
21. Pelo que, constatando-se a sua acessoriedade, deve-se, naturalmente, entender que tal operação beneficia da isenção de imposto, atribuída à operação principal, de concessão do mútuo.»
Face ao exposto, cumpridos que se encontrem tais requisitos, entendemos que os juros devidos pela concessão de mútuos poderão beneficiar da isenção do IVA, nos termos da alínea a) do ponto 27 do artigo 9.º do Código deste imposto.
Estando perante operações sujeitas a IVA, ainda que dele isentas, determina o artigo 29.º do CIVA que os sujeitos passivos do imposto, para além da obrigação do pagamento do imposto, devem emitir obrigatoriamente uma fatura por cada transmissão de bens ou prestação de serviços, nos termos da alínea b) do n.º 1 do referido artigo.
Contudo, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, estão dispensados de tal obrigação:
- As pessoas coletivas de direito público, organismos sem finalidade lucrativa e instituições particulares de solidariedade social que pratiquem exclusivamente operações isentas de imposto e que tenham obtido para efeitos de IRC, no período de tributação imediatamente anterior, um montante anual ilíquido de rendimentos não superior a 200 mil euros;
- Os sujeitos passivos relativamente às operações isentas ao abrigo das alíneas 27) e 28) do artigo 9.º, quando o destinatário esteja estabelecido ou domiciliado noutro Estado membro da União Europeia e seja um sujeito passivo do IVA.
A este respeito, nos termos da informação vinculativa, processo n.º 12 577, por despacho de 2017-12-12, da diretora de serviços do IVA, (por subdelegação), esclarece a AT que «[t]ambém estão dispensados da obrigação de emissão de fatura por cada prestação de serviços efetuada os sujeitos passivos relativamente às operações isentas pela al. 28) do artigo 9.º do CIVA, desde que o destinatário esteja estabelecido ou domiciliado noutro Estado Membro da UE e seja sujeito passivo de IVA», pela aplicação da exclusão prevista pela alínea b) do n.º 3 do artigo 29.º do CIVA.
Neste sentido, e no caso em concreto, sendo aplicável a isenção do ponto 27 do artigo 9.º do CIVA e caso o destinatário esteja estabelecido ou domiciliado noutro Estado-membro da União Europeia e seja um sujeito passivo do IVA, a cobrança dos juros não necessitará ser suportada por fatura.
Contudo, caso o destinatário seja, por exemplo, um outro sujeito passivo do imposto com sede em território nacional ou um sujeito particular, tal dispensa não será aplicável.