Pareceres
IRC - Regime simplificado (trespasse)
28 Novembro 2023
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.

IRC - Regime simplificado (trespasse)
PT27749 - setembro de 2023

 

Determinado sujeito passivo, em regime simplificado de IRC, vai fazer trespasse da sua atividade comercial.
O valor do trespasse, em sede de tributação de IRC, será tributado da seguinte forma:
- Valor do trespasse: 80 000 € x 0,95 (coeficiente) = 76 000 € = Matéria coletável
A coleta a pagar será de: 76 000 € x 17% = 12 920 €.
Este procedimento está correto?
Nota adicional: O volume de negócios mais o trespasse não ascendem a 200 mil euros no ano de 2023.

 

Parecer técnico

 

A questão apresentada diz respeito à tributação de uma operação de trespasse em sede de regime simplificado de IRC.
Nos termos do artigo 86.º-A do CIRC, os sujeitos passivos residentes, não isentos nem sujeitos a um regime especial de tributação, que exerçam a título principal uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, podem optar pelo regime simplificado de determinação da matéria coletável, desde que verifiquem, cumulativamente, as seguintes condições:
«a) Tenham obtido, no período de tributação imediatamente anterior, um montante anual ilíquido de rendimentos não superior a € 200 000;
b) O total do seu balanço relativo ao período de tributação imediatamente anterior não exceda € 500 000;
c) Não estejam legalmente obrigados à revisão legal das contas;
d) O respetivo capital social não seja detido em mais de 20%, direta ou indiretamente, nos termos do n.º 6 do artigo 69.º, por entidades que não preencham alguma das condições previstas nas alíneas anteriores, exceto quando sejam sociedades de capital de risco ou investidores de capital de risco;
e) Adotem o regime de normalização contabilística para microentidades aprovado pelo Decreto-Lei n.º 36-A/2011, de 9 de março;
f) Não tenham renunciado à aplicação do regime nos três anos anteriores, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime.»
O regime simplificado de determinação da matéria coletável cessa quando deixem de se verificar os respetivos requisitos ou o sujeito passivo renuncie à sua aplicação.
A este respeito, e fazendo referência à nota adicional indicada de que o volume de negócios conjuntamente com o valor do trespasse não ultrapassa em 2023 o valor de 200 mil euros, cremos ser de assinalar o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira, plasmado no exemplo do ponto 10 da Circular n.º 6/2014 de 28 de março:
«No início de 2014, o sujeito passivo A reunia as condições exigidas no n.º 1 do artigo 86.º-A do Código do IRC para ficar abrangido pelo regime simplificado nesse período de tributação;
No dia 20 de fevereiro de 2014 formalizou a opção pela aplicação deste regime, na declaração de alterações.
Porém, o montante ilíquido dos rendimentos constante das demonstrações financeiras relativas a este período de tributação foi de € 250 000, ultrapassando, assim, o limite previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 86.º-A.
Portanto, no período de tributação de 2014 não pode ficar abrangido pelo regime simplificado, ficando automaticamente enquadrado no regime geral.» (itálico nosso).
Quanto a esta posição sobre a cessação do enquadramento no regime simplificado de IRC, pese embora não faça jurisprudência, já existiu decisão do CAAD em sentido contrário, ou seja, «os efeitos da cessação da aplicação do regime simplificado de determinação da matéria coletável, nos termos da alínea a) do n.º 6 do artigo 86.º-A do Código de IRC, ocorre quando deixam de se verificar os critérios elencados nas alíneas a) a e) do n.º 1 do artigo 86.º-A, dos quais o critério da alínea a) reportam-se ao período de tributação imediatamente anterior, tendo efeitos no primeiro dia do período de tributação da sua aferição, ou seja, o ano seguinte.»
A matéria coletável relevante para efeitos da aplicação do regime simplificado obtém-se através da aplicação dos seguintes coeficientes:
«a) 0,04 das vendas de mercadorias e produtos, bem como das prestações de serviços efetuadas no âmbito de atividades de restauração e bebidas e de atividades hoteleiras e similares, com exceção daquelas que se desenvolvam no âmbito da atividade de exploração de estabelecimentos de alojamento local na modalidade de moradia ou apartamento;
b) 0,75 dos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS;
c) 0,10 dos restantes rendimentos de prestações de serviços e subsídios destinados à exploração;
d) 0,30 dos subsídios não destinados à exploração;
e) 0,95 dos rendimentos provenientes da mineração de criptoativos, de contratos que tenham por objeto a cessão ou utilização temporária da propriedade intelectual ou industrial ou a prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico, dos outros rendimentos de capitais, do resultado positivo de rendimentos prediais, do saldo positivo das mais e menos-valias e dos restantes incrementos patrimoniais; [Redação dada pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro]
f) 1,00 do valor de aquisição dos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito determinado nos termos do n.º 2 do artigo 21.º;
g) 0,50 dos rendimentos da exploração de estabelecimentos de alojamento local na modalidade de moradia ou apartamento, localizados em área de contenção;
h) 0,35 dos rendimentos da exploração de estabelecimentos de alojamento local na modalidade de moradia ou apartamento não previstos na alínea anterior;
i) 0,15 dos rendimentos relativos a criptoativos, excluindo os decorrentes da mineração, que não sejam considerados rendimentos de capitais, nem resultem do saldo positivo das mais e menos-valias e dos restantes incrementos patrimoniais. [Redação aditada pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro].»
Relativamente à operação em si, denominada de trespasse, esta encontra-se definida no artigo 1112.º do Código Civil, respeitando à transmissão entre vivos da posição do arrendatário, (o chamado direito à chave) sem dependência da autorização do senhorio.
Estaremos, portanto, perante um trespasse quando não se verifiquem as seguintes situações:
- Quando a transmissão não seja acompanhada de transferência, em conjunto, das instalações, utensílios, mercadorias ou outros elementos que integram o estabelecimento;
- Quando a transmissão vise o exercício, no prédio, de outro ramo de comércio ou indústria ou, de um modo geral, a sua afetação a outro destino.
Ou seja, para existir um trespasse, terá de estar em causa a transmissão completa ou parte significativa da atividade, visando a continuidade do exercício da atividade por parte de outro sujeito passivo, o adquirente (incluindo instalações, utensílios, e mercadorias e outros elementos que compõem o estabelecimento).
Esta transmissão deve ser celebrada por escrito e comunicada ao senhorio, podendo este acionar o direito de preferência no trespasse por venda ou dação em cumprimento, salvo convenção em contrário. Quando, após a transmissão, seja dado outro destino ao prédio, ou o transmissário não continue o exercício da mesma atividade, o senhorio tem a possibilidade de resolver o contrato.
Apesar de não ter sido questionado, atendendo à importante implicação, consideramos ser de incluir neste parecer o enquadramento em sede de IVA e IS (imposto do selo).
Admitindo-se que são cumpridos os requisitos para que a operação seja considerada um trespasse, esta cedência de atividade não estará sujeita a IVA, por enquadramento no artigo 3.º n.º 4 do CIVA (bens tangíveis) e n.º 5 do artigo 4.º do CIVA (bens intangíveis), que refere que as cessões a título oneroso ou gratuito do estabelecimento comercial, da totalidade de um património ou de uma parte dele, que seja suscetível de constituir um ramo de atividade independente, quando, em qualquer dos casos, o adquirente seja, ou venha a ser, pelo facto da aquisição, um sujeito passivo de IVA.
Tratando-se de uma operação não sujeita a IVA não é obrigatória a emissão de uma fatura (podendo à mesma ser emitida). Todavia, sugere-se que os documentos de suporte para o trespasse contenham os todos os elementos previstos no n.º 5 do artigo 36.º do CIVA.
Caso se possa considerar que os bens transferidos (ou transmitidos) são suficientes para o exercício de uma atividade económica e se verifique cumulativamente o segundo requisito, isto é, que a entidade adquirente dos bens é sujeito passivo de imposto (ou venha a ser pela aquisição), então a transação será excluída do conceito de transmissão de bens para efeitos de tributação em sede de IVA.
Acrescenta-se que, no que respeita ao imposto do selo a tributação dos trespasses a título oneroso enquadra-se na verba 27 da Tabela Geral do Imposto do Selo – 5 por cento sobre o seu valor.
Sobre o conceito de trespasse para efeitos de imposto do selo, remetemos para a consulta da Informação Vinculativa Despacho de 2014-01-02, Processo n.º 201100274 - IVE n.º 2655, o qual vem esclarecer que só há incidência de imposto do selo se a operação de transmissão do património incluir a transmissão do direito ao arrendamento urbano.
Sendo um trespasse oneroso, a taxa de imposto do selo incidirá sobre o valor declarado, ou seja, o preço constante da escritura, correspondente ao valor total dos bens e direitos existentes, incluindo bens de equipamento, créditos, marcas de fabrico, entre outros.
O encargo do imposto recai sobre o adquirente, de acordo com o artigo 3.º, n.º 3, alínea a) do Código do Imposto do Selo, e o seu prazo de pagamento vai até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que a obrigação tributária se tenha constituído (artigo 44.º do Código do imposto do selo).
Em termos de incidência subjetiva, dependendo da forma como se realiza o contrato podemos ter diferentes sujeitos passivos:
- Caso o contrato seja realizado com recurso a escritura pública, o sujeito passivo do imposto é o notário, por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do Imposto do Selo;
- Caso o contrato seja realizado com recurso a documento particular - artigo 1112.º n.º 3 do Código Civil, a liquidação do imposto poderá ser feita por qualquer um dos intervenientes, em conformidade com o disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do Imposto do Selo.
Como regra mais importante, nunca se poderá considerar que existe trespasse se não ocorrer a transmissão do conjunto do património enquadrado na organização, ou apenas de uma parte que constitua em si mesmo uma atividade.
Será de todo conveniente que o contrato discrimine o património da atividade que irá ser objeto de cedência, nomeadamente os equipamentos e diverso mobiliário, os inventários, ativos intangíveis, bem como os passivos cedidos, como financiamentos a entidades bancárias, dívidas a pagar a fornecedores ou a outros credores, ou seja, todos os diversos itens objeto de transmissão.
Ainda que tais bens não sejam incluídos diretamente no contrato, será conveniente a elaboração de um balanço, inventário ou relação, suportado por informação complementar e reportado à data da transmissão, que deverá ser anexado e onde os elementos patrimoniais sejam devidamente discriminados e valorizados.
Este documento poderá servir de base à aplicação dos coeficientes previstos no n.º 1 do artigo 86.º-B do CIRC, permitindo distinguir o rendimento proveniente da alienação dos inventários e o proveniente do apuramento das mais ou menos valias com origem na venda dos ativos fixos tangíveis. A existir diferença, esta deverá ser reconhecida como gasto ou rendimento.
De igual forma, este documento poderá ser o suporte do registo de aquisição na esfera do adquirente. Assim, pela operação de trespasse, o comerciante apurará três tipos de resultados:
- Um relativo à alienação dos ativos fixos tangíveis (máquinas, equipamentos comerciais e industriais...), gerando mais ou menos-valias.
- Um que resulta da venda de eventual stock de inventários, com o correspondente rendimento, sendo aplicável o coeficiente da alínea a) do n.º 1 do artigo 86.º-B do CIRC - 0,04;
- Um outro correspondente ao resultado do trespasse (ganho) propriamente dito, sendo aplicável o coeficiente da alínea e) do n.º 1 do artigo 86.º-B do CIRC - 0,95;
Adicionalmente às mais ou menos valias contabilísticas, o trespassante deverá proceder à determinação da mais ou menos valia fiscais:
Mais-valia fiscal: MV/mv = VR - (CA - AAac - PIAac) x coeficientes de desvalorização da moeda
Sendo:
MV - Mais-valia
mv - menos-valia
VR - Valor de realização líquido de encargos
CA - Custo de aquisição acrescido de encargos
AAac - Amortizações acumuladas aceites em termos fiscais
Ao saldo positivo das mais e menos valias fiscais será aplicado o coeficiente da alínea e) do n.º 1 do artigo 86.º-B do CIRC - 0,95.
Assim, em face da questão apresentada, estando em causa o trespasse de estabelecimento comercial em que, conjuntamente são transmitidos elementos do ativo fixo tangível, inventários e outros bens, será conveniente que no próprio contrato de trespasse, ou em documento anexo, seja discriminado o valor de transmissão do ativo em questão para suporte da aplicação dos coeficientes previstos no n.º 1 do artigo 86.º-B do CIRC.
Apurada a matéria coletável sujeita a imposto, nos termos do artigo 87.º do CIRC, no caso de sujeitos passivos que exerçam, diretamente e a título principal, uma atividade económica de natureza agrícola, comercial ou industrial, que sejam qualificados como pequena ou média empresa ou empresa de pequena-média capitalização (Small Mid Cap), nos termos previstos no anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, será aplicável a taxa de IRC de 17 por cento aos primeiros 50 mil euros de matéria coletável e 21 por cento ao excedente.