IRS - Mais-valias
PT27954 - fevereiro de 2024
Determinado sujeito passivo tem uma segunda habitação, mas está a pensar exercer a atividade de compra e venda de imóveis, começando por esse imóvel. Ao passar da esfera pessoal para a esfera profissional, como se calcula a mais-valia do imóvel e quando será tributada?
Na esfera profissional, na venda estimada em 1 600 000 euros, aplica-se o coeficiente de 0,20 ou terá de ser, obrigatoriamente, pelo regime de contabilidade organizada?
Parecer técnico
A questão colocada refere-se ao tratamento fiscal e contabilístico referente à afetação de imóveis da esfera privada de um particular à sua atividade empresarial que se prende com a «atividade de compra e venda de imóveis e construção de edifícios.» Refere que iniciou atividade em 2022.
Efetivamente, sendo a atividade exercida em determinado imóvel, ele deverá ser afeto à atividade empresarial, inclusive porque tal operação terá consequências ao nível fiscal. Igualmente, quando o imóvel deixa de ser utilizado na atividade empresarial e passa a ser utilizado na esfera privada, o imóvel deverá ser afeto à esfera privada.
A informação desta afetação à Autoridade Tributária e Aduaneira será realizada aquando da entrega da modelo 3, no respetivo anexo. Esta informação deve ser comunicada à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) no ano em ocorreu a afetação do imóvel à atividade, bem como no ano em que ocorrer a desafetação (restituição à esfera particular).
A Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado 2021), introduziu alterações significativas ao regime de tributação das mais-valias relativas a imóveis afetos a uma atividade empresarial quando sejam restituídos ao património particular do sujeito passivo ou alienadas.
Depois de sucessivas alterações, em 2021 é eliminado o apuramento da eventual mais-valia "ficcionada" no momento do regresso do imóvel à esfera pessoal do sujeito passivo quando o mesmo havia sido afeto à atividade, estabelecendo-se como regra que apenas haverá lugar a tributação no momento da alienação do bem a terceiros.
Deste modo, e em relação às diversas possibilidades existentes de transferência de imóvel, após a entrada em vigor da Lei do Orçamento de Estado de 2021, o enquadramento fiscal no que respeita à afetação (e desafetação) à atividade empresarial, um imóvel adquirido na esfera pessoal, realçamos o seguinte:
Transferência de um imóvel do património pessoal para uma atividade empresarial - Deixam de se considerar rendimentos da categoria G, as mais-valias apuradas na transferência de um imóvel do património pessoal para uma atividade empresarial, considerando-se apenas o rendimento obtido aquando da posterior alienação do imóvel no momento subsequente à restituição do imóvel à esfera particular, de acordo com o disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 10.º do Código de IRS.
Em relação a todos os outros bens com exceção dos imóveis, mantém-se o regime de diferimento da tributação como mais-valia na categoria G de IRS da transferência para a atividade empresarial ou profissional do sujeito passivo da categoria B de IRS [alínea b), n.º 3, do artigo 10.º do CIRS].
Transferência de um imóvel afeto a atividade empresarial para o património pessoal - Neste novo regime, quando o imóvel tenha estado afeto a atividade empresarial/profissional e seja transferido para o património pessoal do empresário, sujeito passivo da categoria B de IRS enquadrado no regime de tributação da contabilidade organizada, os gastos fiscais relacionados com o imóvel que tenham sido deduzidos durante essa afetação com depreciações e perdas por imparidade, bem como os relacionados com empréstimos ou rendas de locação financeira, irão ser acrescidos, em partes iguais, à determinação do lucro tributável da categoria B desse ano da transferência e em cada um dos três anos seguintes (25 por cento cada ano).
No regime simplificado não se aplica esta disposição, pelo que será apenas apurada a mais ou menos-valia decorrente da alienação do imóvel (decorrente de uma alienação a um terceiro e não das operações de afetação e desafetação), conforme ponto seguinte.
Venda de um imóvel que esteve afeto a atividade empresarial - De acordo com o disposto no n.º 16 do artigo 10.º do Código do IRS, ocorrendo a venda, na esfera pessoal, de imóvel que esteve afeto à atividade empresarial/profissional da categoria B de IRS, a mais-valia apurada é tributada de acordo com as regras da categoria B de IRS, sempre que a venda se efetive dentro do período de três anos imediatamente seguintes à transferência para o património pessoal do empresário.
No caso de afetação de imóveis do património particular do sujeito passivo à sua atividade empresarial e profissional, o valor de aquisição pelo qual esses imóveis são considerados na contabilidade da empresa corresponderá ao valor à data em que este foi adquirido pelo sujeito passivo de acordo com as regras previstas nos artigos 45.º ou 46.º, consoante o caso e não ao valor de mercado à data da afetação, conforme era anteriormente, conforme parte final do n.º 2 do artigo 29.º e artigo 47.º CIRS.
Estas regras, quando o enquadramento é no regime simplificado, têm algumas especificidades que se traduzem na consideração das quotas mínimas de depreciação e em não ser aplicável o coeficiente de correção monetária, nos termos do artigo 31.º, n.º 9, do CIRS.
Face ao disposto no n.º 3 do artigo 51.º do CIRS, as despesas com a valorização do imóvel realizadas durante o período em que imóvel esteve afeto à atividade, não são consideradas no cálculo da mais-valia apurada no âmbito do regime simplificado, nem o seriam se a mais-valia fosse enquadrada na categoria G (por terem decorridos mais de três anos após a desafetação).
Ao valor obtido é aplicável o coeficiente de 0,95 para determinação do rendimento líquido da categoria B de acordo com as regras do regime simplificado, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 31.º do CIRS.
Ocorrendo a venda após os três anos, o apuramento das mais-valias faz-se aplicando as regras da categoria G de IRS. Contudo, deixam de ser considerados no cálculo os encargos suportados com a valorização dos imóveis durante o período em que os mesmos tenham estado afetos à atividade empresarial/profissional, conforme disposto no n.º 3.º do artigo 51.º CIRS.
Feito o enquadramento genérico referente à afetação e desafetação de imóveis da esfera particular à atividade empresarial, e respondendo concretamente à questão colocada, para afetar o imóvel do património particular do sujeito passivo à sua atividade empresarial e profissional, o valor de aquisição considerado para efeitos fiscais, será o correspondente ao valor de aquisição inicial, nos termos do n.º 2 do artigo 29.º do CIRS, ou seja: «O valor de aquisição pelo qual esses bens são considerados corresponde ao valor de mercado à data da afetação, com exceção dos bens imóveis, em que o valor de aquisição corresponde ao valor do bem à data em que este foi adquirido pelo sujeito passivo, de acordo com as regras previstas nos artigos 45.º ou 46.º, consoante o caso.»
Os movimentos contabilísticos (opção pela contabilidade), tratando-se de bens a afetar a inventários são:
32 - Mercadorias
51.3 - Capital - Conta particular
A este respeito, aconselhamos ainda a consulta do manual, com o título «Mais-valias na afetação e desafetação de imóveis», disponível no seguinte caminho: Formação/Materiais de apoio à formação/Pesquisa por ano de formação«2022»/Pesquisa por nome de formação «Afetação e desafetação de imóveis» nesta ligação.
Atendendo a que o sujeito passivo em causa vai passar a exercer uma atividade independente como pessoa singular, a partir do território português, mais concretamente, terá de entregar a respetiva declaração de início de atividade, quer para efeitos de IVA quer para efeitos de IRS, aplicando-se-lhe a partir daí todas as obrigações destes sujeitos passivos conforme o enquadramento que venha a ter.
Será necessário, por exemplo, optar em sede de IRS por uma das formas de determinação do rendimento previstas no artigo 28.º do CIRS, regime simplificado ou contabilidade organizada.
De acordo com o n.º 2 do artigo 28.º do CIRS, «ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, no exercício da sua atividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido de rendimentos desta categoria de € 200 000.»
Pelo que, cumpridos os pressupostos, poderá ficar enquadrado no regime simplificado de tributação.
Para sujeitos passivos que estão no regime simplificado de tributação em IRS a aceitação como gasto fiscal é presumida pela aplicação dos coeficientes de tributação do artigo 31.º do Código do IRS.
Determina o artigo 31.º do Código do IRS que: «(...)1 - No âmbito do regime simplificado, a determinação do rendimento tributável obtém-se através da aplicação dos seguintes coeficientes:
a) 0,15 às vendas de mercadorias e produtos, bem como às prestações de serviços efetuadas no âmbito de atividades de restauração e bebidas e de atividades hoteleiras e similares, com exceção daquelas que se desenvolvam no âmbito da atividade de exploração de estabelecimentos de alojamento local na modalidade de moradia ou apartamento;
b) 0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º;
c) 0,35 aos rendimentos de prestações de serviços não previstos nas alíneas anteriores; (...).»
Importa salientar que a aplicação de cada um dos coeficientes indicados no n.º 2 do artigo 31.º do Código do IRS é feita em função da natureza dos rendimentos obtidos, pelo que terá sempre de se ter em consideração, quais as prestações de serviços que efetivamente o sujeito passivo realiza, para a correta aplicação destes coeficientes, ou seja, a avaliação não pode ser efetuada pela análise genérica do CAE ou do código de atividade, tendo de se atender à natureza do rendimento obtido.
No caso em análise, sendo que a venda de imóveis consubstancia uma operação de venda de mercadoria, será aplicável o coeficiente de 0,15 (campo 401 do anexo B da declaração modelo 3).