PT28253 - IRS / Rendimentos do trabalho dependente
Agosto 2024
Um trabalhador português emigrou para a Bélgica onde trabalha por conta de outrem, auferindo de remuneração bruta cerca de 3 100 euros, mais subsídios, quando aplicável. Este mesmo trabalhador trabalha em regime de teletrabalho e em tempo parcial como programador de operações para uma empresa portuguesa, onde aufere 820 euros brutos. Este mesmo trabalhador já descontou por outra empresa em território nacional, durante cerca de um ano. Como é calculado o IRS para 2025, com referência ao ano 2024, e como são efetuados os cálculos entre as remunerações auferidas dos dois países?
Parecer Técnico
O pedido de parecer está relacionado com o enquadramento fiscal dos rendimentos auferidos por não residentes.
No caso em concreto, é referido que estamos perante "(...) um trabalhador português emigrou para a Bélgica onde trabalha por conta de outrem, auferindo de remuneração bruta cerca de 3 100 euros, mais subsídios, quando aplicável.
Este mesmo trabalhador trabalha em regime de teletrabalho e em tempo parcial como programador de operações para uma empresa portuguesa, onde aufere 820 euros brutos. Este mesmo trabalhador já descontou por outra empresa em território nacional, durante cerca de um ano."
Apesar de tal não ser expressamente referido, entendemos que em território nacional, o sujeito passivo aufere rendimento de trabalho dependente.
Em termos fiscais, o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) incide exclusivamente sobre as pessoas físicas ou singulares que residam em território português ou nele não residindo, aqui obtenham rendimentos.
No que diz respeito aos residentes, o imposto incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, ainda que obtidos fora do território nacional, nos termos do n.º 1 do artigo 15.º do Código do IRS (CIRS).
Nos termos do n.º 2 do artigo 15.º do CIRS, tratando-se de não residentes fiscais em Portugal (nos termos do artigo 16.º do CIRS), o imposto incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português.
A este respeito, cumpre notar que nos termos do n.º 6 do artigo 57.º do CIRS, "[s]empre que, no mesmo ano, o sujeito passivo tenha, em Portugal, dois estatutos de residência, deve proceder à entrega de uma declaração de rendimentos relativa a cada um deles, sem prejuízo da possibilidade de dispensa, nos termos gerais."
O conceito de residência a considerar, em sede de IRS, consta do artigo 16.º do CIRS:
"a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;
b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual;
c) Em 31 de Dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direção efetiva nesse território;
d) Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português."
Adicionalmente, de acordo com o disposto nas alíneas a), e) e f) do n.º 1 do artigo 18.º do CIRS, consideram-se obtidos em território português:
"a) Os rendimentos do trabalho dependente decorrentes de atividades nele exercidas, ou quando tais rendimentos sejam devidos por entidades que nele tenham residência, sede, direção efetiva ou estabelecimento estável a que deva imputar-se o pagamento; (...)"
Devido à existência destas duas regras de tributação dos rendimentos nos diversos Estados pode ocorrer uma dupla tributação sobre esses rendimentos, pois os rendimentos podem ser tributados no país onde são obtidos (regra da territorialidade) e no país de residência da pessoa que os obtêm (regra da universalidade), quando esse país não for o mesmo.
Para superar esta situação foram criadas as Convenções para Evitar a Dupla Tributação (CDT) internacional celebradas entre Portugal e outros Estados, com o objetivo de estabelecer uma redução ou eliminação de tributação de determinados rendimentos obtidos num Estado por residentes do outro Estado.
No caso concreto, caso se conclua que nos encontramos perante um colaborador que não é residente fiscal em Portugal, mas exerce funções como trabalhador por conta de outrem, auferindo rendimentos de trabalho dependente, de uma empresa nacional, pelo trabalho exercido, será indispensável aferir a existência de uma CDT celebrada entre Portugal e o Estado da residência.
No caso, é referido que o sujeito passivo emigrou para a Bélgica. A CDT entre Portugal e a Bélgica foi celebrado pela Decreto-Lei n.º 619/70, de 15 de dezembro de 1970.
O artigo 15.º da CDT estabelece a tributação dos rendimentos do trabalho dependente, como sejam os salários, ordenados e remunerações similares obtidas.
Nos termos deste artigo, os rendimentos obtidos por um residente de um Estado (Bélgica) pelo exercício de um trabalho dependente apenas podem ser tributados nesse Estado de residência (Bélgica).
No entanto, se o emprego for exercido no outro Estado Contratante (Portugal), as remunerações correspondentes podem ser tributadas nesse outro Estado (Portugal).
Esta última regra é afastada, sendo, portanto, tributado apenas no Estado de residência (Bélgica): quando o trabalhador não permanecer mais de 183 dias no Estado de origem dos rendimentos (Portugal) e quando as remunerações não forem pagas por um estabelecimento estável ou empresa que a entidade patronal tenha no estado onde o emprego é exercido (Portugal).
Não obstante, as remunerações obtidas por um residente de um Estado Contratante (Bélgica), de um emprego exercido no outro Estado Contratante (Portugal), só podem ser tributadas no primeiro Estado Contratante mencionado (Bélgica) se:
a) As remunerações constituírem retribuição de atividade exercida no outro Estado (Portugal) durante um período ou períodos, compreendida a duração das interrupções normais do trabalho que, no ano civil em causa, não exceda no total 183 dias;
b) As remunerações forem pagas por uma entidade patronal ou em nome de uma entidade patronal que não seja residente do outro Estado (Portugal); e
c) As remunerações não forem suportadas como tais por um estabelecimento estável ou por uma instalação fixa que a entidade patronal tenha no outro Estado (Portugal).
Assim, caso o trabalho seja prestado na Bélgica, a competência de tributação será exclusiva desse território, pelo que em Portugal será necessário acionar a CDT para evitar a tributação.
Contudo, caso o trabalhador seja considerado como residente na Bélgica, e o trabalho sendo prestado em Portugal e pago através da empresa portuguesa, os rendimentos de trabalho dependente podem ser sujeitos a imposto em ambos os Estados.
Em Portugal, a tributação dos rendimentos de trabalho dependente pode ser efetuada mediante retenção na fonte efetuada pela empresa devedora dos rendimentos.
As pessoas singulares não residentes em território português e que aqui obtenham rendimentos são por estes tributados, em regra, mediante a aplicação de taxas liberatórias, as quais por serem "taxas de liquidação" desobrigam os titulares do rendimento a outras obrigações, como seja entrega da declaração de rendimentos Modelo 3.
A este respeito, notamos que nos termos da alínea a) do n.º 4 do artigo 71.º do CIRS, o qual, sem prejuízo das normas da convenção de dupla tributação entre Portugal e a Bélgica, fica sujeito a retenção na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 25%, ficando assim dispensado da entrega da declaração de rendimentos Modelo 3.
Notamos assim que, nos termos do artigo 101.º-C do CIRS, "1 - Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRS, no todo ou em parte, consoante os casos, relativamente aos rendimentos referidos no artigo 71.º quando, por força de uma convenção destinada a evitar a dupla tributação celebrada por Portugal, a competência para a tributação dos rendimentos auferidos por um residente do outro Estado contratante não seja atribuída ao Estado da fonte ou o seja apenas de forma limitada.
2 - Nas situações referidas no número anterior, os beneficiários dos rendimentos devem fazer prova perante a entidade que se encontra obrigada a efetuar a retenção na fonte da verificação dos pressupostos que resultem de convenção para evitar a dupla tributação, de um outro acordo de direito internacional, ou ainda da legislação interna aplicável, através da apresentação de formulário de modelo a aprovar por despacho do membro do Governo responsável pela área das finanças, acompanhado de documento emitido pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência que ateste a sua residência para efeitos fiscais no período em causa e a sujeição a imposto sobre o rendimento nesse Estado."
Face ao exposto, e no caso de a competência de tributação ser cumulativa dos dois Estados, entendemos que em território nacional tais rendimentos serão sujeitos a retenção na fonte no momento do seu pagamento, nos termos do CIRS.
Contudo, caso se conclua que a competência tributária é exclusiva do Estado da residência, e o trabalhador não se considere residente em Portugal, o não residente, deve entregar à empresa portuguesa, o formulário Modelo 21- RFI e certificado de residência fiscal, por forma a ativar a CDT, e assim evitar a dupla tributação, a fim de que não lhe seja efetuada a retenção em Portugal.
Caso não sejam cumpridas as diligências necessárias para evitar a dupla tributação, os beneficiários dos rendimentos, relativamente aos quais se verificam as condições referidas no n.º 1 do artigo 101.º-C do CIRS, podem solicitar o reembolso total ou parcial do imposto que tenha sido retido na fonte, no prazo de dois anos a contar do termo do ano em que se verificou o facto gerador do imposto, de acordo com o estipulado no n.º 7 do referido artigo.
No caso, os rendimentos de trabalho dependente pagos a um não residente, não devem ser declarados na DMR. Tais pagamentos a não residentes implicam a apresentação da declaração Modelo 30, no prazo estabelecido na alínea a), n.º 1 do artigo 119.º do CIRS, a apresentar até ao fim do segundo mês seguinte àquele em que deve ser efetuada a retenção.
Face ao exposto, estando perante um trabalhador em teletrabalho, entendemos que o trabalho não é cá realizado, pelo que se o sujeito passivo não for residente em território nacional, nos termos da CDT, a competência de tributação é exclusiva do território da residência (Bélgica), devendo o sujeito passivo apresentar à entidade portuguesa o formulário Modelo 21-RFI acompanhado do certificado de residência emitido pelas autoridades fiscais do país do beneficiário dos rendimentos.