Pareceres
IVA - descontos antecipados
3 Setembro 2024
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.

IVA - descontos antecipados
PT28115 - março de 2024

 

Determinado sujeito passivo, consoante as vendas que efetua, atribui aos seus clientes um valor em euros que poderá utilizar em compras futuras. Este valor de desconto poderá ser utilizado em produtos de 6, 13 ou 23 por cento.
Na utilização do respetivo desconto como é feita a fatura ao cliente?
Por exemplo, na venda de:
- Artigo “A” = 100 euros + 6 por cento IVA
- Artigo “B” = 100 euros + 23 por cento IVA
- Total fatura: 229 euros
Desconto de saldo acumulado de compras anteriores: -10 euros
Como serão esses 10 euros refletidos na fatura?
Se for como meio de recebimento em que não é regularizado nenhum IVA será fácil. No entanto, se for considerado como desconto comercial, na fatura será aplicado um desconto a IVA de 6 ou de 23 por cento?

 

Parecer técnico

 

A situação apresentada refere-se atribuição de um vale de desconto para compras futuras atribuído no momento da venda inicial.
Os descontos e abatimentos poderão assumir uma natureza comercial ou financeira, podendo ambos ser concedidos fora ou dentro da fatura.
Os descontos comerciais são negociados previamente, sendo atribuídos no ato da compra/venda ou em função da verificação posterior de determinadas condições pré-estabelecidas, tais como: rappel, bónus, desconto de quantidade, de revenda, etc. Devem ser deduzidos aos respetivos custos de compra, o preço de venda conforme parágrafo 11 da NCRF 18.
Este tipo de descontos tem uma natureza comercial, estabelecendo uma natureza de redução do custo dos bens, na ótica do comprador, sendo normalmente registado na conta 318 - Descontos e abatimentos em compras, quando sejam descontos comerciais dentro da fatura.
Por sua vez, na esfera do sujeito passivo vendedor, entidade que concede o desconto, este também deverá ser evidenciado como um abatimento ao rédito da venda, 718 - Descontos e abatimentos em vendas.
O desconto de rapel é um desconto concedido aos compradores que ultrapassam um determinado valor de compras, pré contratualizado num contrato, que pressupõe a existência de determinados pressupostos, nomeadamente de um valor mínimo de compras durante um determinado período.
Contudo, no caso concreto da questão apresentada, não nos parece tratar-se de um desconto do tipo rappel, mas sim, a concessão de vales de descontos atribuídos aos clientes em função do histórico de compras, para serem utilizados em compras futuras pelos clientes de forma a obterem descontos mediante a utilização desses vales de desconto.
Deixamos, sobre esta temática, referência à informação vinculativa que aconselhamos a consulta, emanada pela AT com o processo n.º 544, por despacho de 2010-04-01, do SDG do IVA, por delegação do diretor-geral dos Impostos, transcrevendo ainda os pontos 27 e 28:
«27 - Portanto, o vale-bónus traduz-se na redução do preço marcado no(s) artigo(s) a pagar pelo cliente no momento da aquisição, assumindo a requerente/retalhista os encargos inerentes, pelo que, no âmbito da jurisprudência comunitária o valor nominal, ou seja, € 10,00, não deve ser incluído no valor tributável da operação. Também, nesta situação se verifica a condição: o valor da contraprestação obtida pela requerente não é inferior à quantia em dinheiro que efetivamente recebe pelo fornecimento/venda do(s) artigo(s).
28 - Assim sendo, o vale-bónus configura um desconto, nos termos da alínea b) do n.º 6 do artigo 16.º do CIVA e, por consequência, o referido montante, deve ser excluído do valor tributável dos artigos vendidos, aquando da sua utilização.»
Assim, aquando da compra dos produtos, com a apresentação do vale de desconto, na ótica do IVA, estarmos perante descontos na própria fatura, aplicando-se o artigo 16.º, n.º 6, alínea b) do Código do IVA.
Neste tipo de operação o desconto realizado traduz-se numa redução do valor da venda. O desconto ocorre quando a operação se realiza, consta do próprio documento, situação idêntica ao desconto comercial, de quantidade ou financeiro.
Face ao exposto, esses vales, a serem descontados em compras futuras, devem ser relevados na fatura como descontos à semelhança dos descontos comerciais ou financeiros, não determinam qualquer relevância em termos de IVA. Apenas quando os vales são utilizados, o respetivo montante do desconto é deduzido ao valor tributável, apurando-se o imposto a liquidar pela respetiva diferença, conforme determina a alínea b) do n.º 6 do artigo 16.º do Código desse imposto.
Em termos contabilísticos referimos que as normas do SNC não contêm um tratamento específico para este tipo de operação, pelo que se sugere a consulta à IFRIC 13 (atualmente IFRS 15, que substituiu essa norma).
Assim, a título de exemplo, se a entidade atribui um vale de desconto no valor de 10 euros aos clientes por cada 50 euros em compras, sendo este descontado em vendas futuras, então, na contabilização dessa operação de venda inicial, haverá que reconhecer uma redução no rédito de vendas por 10 euros, com o correspondente diferimento de vendas, conforme se segue (ignoramos as contas de IVA por uma questão de simplificação):
Neste caso, o justo valor do desconto atribuído será de 10 euros.
No momento da venda inicial (em que se atribui os vales convertidos em descontos futuros): Pelo reconhecimento do rédito de vendas:
- Débito da conta 12 - Depósitos à ordem, por contrapartida da conta 71 - Vendas, pelo valor de 50 euros. Pelo reconhecimento do desconto atribuído em vale a converter em descontos futuros:
- Débito da conta 718 - Descontos e abatimentos em vendas, por contrapartida da conta 282 - Rendimentos a reconhecer, pelo valor de 10 euros.
No momento da utilização do vale pelo cliente:
- Débito da conta 282 - Rendimentos a reconhecer, por contrapartida da conta 71 - Vendas, pela liquidação do passivo e reconhecimento do rédito diferido acumulado (10 euros).
Atendendo que a nova venda de bens será de 229 euros (conforme referido na questão), com a utilização do vale, o rédito recebido ou a receber será de 219 euros (229 - 10):
- Débito da conta 12 - Depósitos à ordem, por contrapartida a crédito da conta 71 - Vendas, pelo valor de 219 euros.
Porém, se pela experiência passada estabelecer que apenas 50 por cento dos clientes irão utilizar o referido desconto, a entidade poderá estimar que o justo valor do desconto atribuído será de 5 euros (10 - 1x50%), com a correspondente redução do rédito (e diferimento de rédito).
Em períodos seguintes, se essa estimativa tiver de ser alterada, a entidade deverá efetuar os ajustamentos contabilísticos à redução do rédito (conta 718 e 282), através do tratamento prospetivo, imputando os respetivos efeitos nos resultados do período corrente e seguintes, nos termos da NCRF 4.
Em termos de IVA, ainda que a entidade tenha reconhecido como rédito na venda inicial apenas 40 euros (50 - desconto de 10 euros), o valor recebido pela transmissão de bens foi de 50 euros, pelo que o valor tributável para efeitos de IVA será de 50 euros.
Na segunda venda, ainda que o rédito reconhecido seja de 229 euros, o valor efetivamente da transmissão de bens foi de 219 euros, pelo que o valor tributável em termos de IVA será de 219 euros (em conformidade com a alínea b) do n.º 6 do artigo 16.º do Código do IVA).
Sugerimos, ainda, a criação de subcontas apropriadas na conta 71 - Vendas/72 - Prestação serviços para facilitar o controlo contabilístico do valor tributável e imposto liquidado, previsto no artigo 44.º do CIVA.
De referir ainda que, se estas operações de ofertas não assumirem materialidade relevante, nas demonstrações financeiras, admitimos que a entidade possa não se socorrer das regras contidas na IFRIC.
Nesse caso, os descontos a conceder em vendas ou prestações de serviços futuros só são relevados contabilisticamente quando ocorrem tais vendas ou prestações de serviços assumindo-se como descontos concedidos nessa operação.