IVA - localização das prestações de serviços
PT28256 - agosto 2024
Determinada empresa paga uma comissão a um francês enquadrado num regime especial de isenção (equivalente ao regime de isenção do artigo 53.º do CIVA). Foi recebida uma fatura sem qualquer menção a IVA e não tem o NIF válido no VIES. Qual o tratamento contabilístico e fiscal em IVA desta comissão? Não movimenta IVA? Deduz e liquida? Só liquida IVA? Vai na declaração periódica? Em caso afirmativo, em que campos?
Parecer técnico
O pedido de parecer está relacionado com o enquadramento fiscal, em sede de IVA, do pagamento de comissões a uma entidade não residente.
No caso é referido que uma «[e]mpresa nacional paga uma comissão a um francês enquadrado num regime especial de isenção.»
Previamente à análise das questões colocadas, cumpre desde logo notar que, não obstante a existência de alguma harmonização entre os vários Estados-membros, a análise das obrigações e possíveis impactos legais e ficais em França, extravasa as competências do consultório técnico, pelo que na nossa análise teremos apenas em consideração a legislação nacional e respetivos impactos para o sujeito passivo português.
Tendo por base a informação prestada, entendemos que estamos perante uma operação entre duas entidades de territórios distintos, no caso Portugal e França, sendo que o sujeito passivo francês emitiu uma fatura de comissões a um sujeito passivo português.
No que se refere ao enquadramento das operações realizadas, nos termos do artigo 1.º do Código do IVA (CIVA), estão sujeitas a IVA, entre outras, as transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal.
Neste sentido, refere o artigo 3.º do CIVA que se considera, em geral, transmissão de bens a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade.
Por sua vez, nos termos do artigo 4.º do referido Código, são consideradas como prestações de serviços as operações efetuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens.
No que se refere ao enquadramento das operações, e com base no CIVA, quando um prestador de serviços efetua prestações de serviços a entidades não residentes (ou residentes nas regiões autónomas, conforme n.º 16 do artigo 6.º do CIVA) deve, em primeiro lugar, verificar as regras de localização das prestações de serviços dispostas no artigo 6.º do CIVA.
Esta é uma norma que se encontra prevista no «Capítulo I – Incidência» do CIVA e, portanto, aplica-se previamente a normas que definam isenções, como é o caso, por exemplo do artigo 9.º, 14.º e 53.º do CIVA. Assumindo que existe o mesmo enquadramento em França, mesmo que o sujeito passivo se encontre num regime de isenção de IVA, deverá inicialmente atender às regras de localização.
Estando perante prestações de serviços, atualmente temos duas regras gerais de localização que se encontram no n.º 6 do artigo 6.º do CIVA:
«6 - São tributáveis as prestações de serviços efetuadas a:
a) Um sujeito passivo dos referidos no n.º 5 do artigo 2.º, cuja sede, estabelecimento estável ou, na sua falta, o domicílio, para o qual os serviços são prestados, se situe no território nacional, onde quer que se situe a sede, estabelecimento estável ou, na sua falta, o domicílio do prestador;
b) Uma pessoa que não seja sujeito passivo, quando o prestador tenha no território nacional a sede da sua atividade, um estabelecimento estável ou, na sua falta, o domicílio, a partir do qual os serviços são prestados.»
As duas regras gerais são vulgarmente designadas por B2B e B2C, isto é, na alínea a) do n.º 6 do artigo 6.º do CIVA é tratada a territorialidade das operações realizadas entre dois sujeitos passivos (business to business), na alínea b) do n.º 6 do artigo 6.º do CIVA é tratada a territorialidade das operações realizadas com não sujeitos passivos (business to consumer). Estas regras têm um âmbito de aplicação universal.
A regra geral patente na alínea a) do n.º 6 do artigo 6.º do CIVA, que corresponde ao artigo 44.º da diretiva IVA (diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, determina que, quando o adquirente dos serviços é um sujeito passivo do IVA - as designadas operações B2B - as operações são tributáveis no lugar onde o adquirente tem a sua sede, estabelecimento estável ou, na sua falta, o domicílio fiscal para o qual os serviços são prestados.
Para este efeito, é indiferente se os sujeitos passivos envolvidos se encontram estabelecidos num Estado-membro da União Europeia ou num país terceiro.
E assim, se um sujeito passivo português prestar um serviço abrangido pela regra geral da alínea a) do n.º 6 do artigo 6.º do CIVA a um sujeito passivo francês ou a um sujeito passivo angolano, a operação não é localizada no território nacional, mas em França ou em Angola, cabendo a liquidação do IVA aos sujeitos passivos espanhol ou angolano, adquirentes dos serviços.
A segunda regra geral está contida na alínea b) do n.º 6 do artigo 6.º do CIVA, que corresponde ao artigo 45.º da Diretiva IVA, segundo a qual, quando o adquirente dos serviços for uma pessoa que não seja sujeito passivo do IVA - as chamadas operações B2C - as operações são localizadas na sede, estabelecimento estável ou domicílio do prestador dos serviços.
As regras gerais acabadas de definir comportam, no entanto, determinadas exceções, algumas das quais são comuns às duas regras gerais, enquanto outras são específicas das operações entre sujeitos passivos e não sujeitos passivos.
Nos números 7 e 8 do artigo 6.º do CIVA temos as exceções às duas regras gerais e nos números 9, 10 e 11 as exceções à regra geral das prestações de serviços efetuadas por sujeitos passivos a não sujeitos passivos.
Além disso, o n.º 12 do artigo 6.º prevê algumas situações especiais que, a não terem sido previstas, ocasionariam ausência de tributação e nefastas distorções de concorrência.
As exceções comuns às duas regras gerais são as constantes do quadro a seguir apresentado, cujas prestações de serviços são tributadas do modo nele indicado:
Natureza da prestação de serviços |
Local de tributação |
Prestações de serviços relacionadas com imóveis, incluindo os serviços prestados por arquitetos, por empresas de fiscalização de obras, por peritos e agentes imobiliários, e os que tenham por objeto preparar ou coordenar a execução de trabalhos imobiliários. |
Lugar onde se situa o imóvel, independentemente da qualidade do adquirente. |
Prestações de serviços de transporte de passageiros. |
Lugar onde se efetua o transporte, em função das distâncias percorridas, independentemente da qualidade do adquirente. |
Prestações de serviços de alimentação e bebidas, que não as executadas a bordo de uma embarcação, de uma aeronave ou de um comboio, durante um transporte intracomunitário de passageiros. |
Lugar onde ocorre o fornecimento dos serviços, independentemente da qualidade do adquirente. |
Prestações de serviços de alimentação e bebidas, executadas a bordo de uma embarcação, de uma aeronave ou de um comboio, durante um transporte intracomunitário de passageiros. |
Lugar de partida do transporte, independentemente da qualidade do adquirente. |
Prestações de serviços relativas ao acesso a manifestações de caráter cultural, artístico, científico, desportivo, recreativo, de ensino e similares, incluindo o acesso a feiras e exposições, assim como as prestações de serviços acessórias relacionadas com o acesso |
Lugar onde as manifestações são materialmente executadas, independentemente da qualidade do adquirente |
Locação de curta duração de um meio de transporte |
Lugar onde o bem é colocado à disposição do adquirente, independentemente da qualidade deste |
Neste sentido, estando perante dois sujeitos passivos do IVA, a regra geral B2B, prevista na alínea a) do n.º 6 do artigo 6.º do CIVA, irá determinar que, não sendo aplicável qualquer das referidas exceções, o IVA é devido na sede do adquirente.
No caso em particular das comissões, quando estamos perante dois sujeitos passivos do imposto, pela análise das exceções do artigo 6.º do CIVA, notamos que não será aplicável nenhuma exceção, pelo que deverá ser aplicada a regra geral.
Este enquadramento torna irrelevante o sítio onde o serviço é materialmente executado, o que faz com que a operação seja tributada no local onde se situe a sede do adquirente dos serviços. No caso em concreto, na medida em que entendemos que o sujeito passivo adquirente das comissões é o sujeito passivo português, o IVA será devido em território nacional.
Consequentemente, o fornecedor, não residente, não deve liquidar IVA na fatura, colocando uma menção referente à não aplicação do imposto, tais como «IVA – Autoliquidação», «Reverse-charge» ou similar.
Tendo por base a informação referida, o fornecedor não fez qualquer menção ao enquadramento do IVA na fatura emitida. Contudo, tal facto não desonera o sujeito passivo português das suas obrigações.
Face ao exposto, o adquirente, sujeito passivo português, deverá proceder à autoliquidação do IVA em território nacional e respetiva dedução, cumpridos que se encontrem os demais requisitos do artigo 19.º e seguintes do CIVA.
Sendo aplicável a regra geral de localização B2B [alínea a) do n.º 6 do artigo 6.º], esta operação deve ser incluída nos campos 16 e 17 do quadro 06 da declaração periódica do IVA. No que respeita ao IVA dedutível, se aplicável, o mesmo será incluído no campo 24 do quadro 06.