IVA - Localização das prestações de serviços
PT27916 – janeiro de 2024
Determinada fatura da Google (com NIF irlandês) menciona «Serviços sujeitos à cobrança inversa». Tem de ser classificada como se se tratasse de IVA - autoliquidação e mencionar nos campos 16/17 e 24 da declaração periódica do IVA? Tem de ser enviado a modelo 30?
Parecer técnico
O pedido de parecer está relacionado com o enquadramento em IVA e em IRC da fatura recebida da Google e com o “VAT number” da Irlanda.
Enquadramento em sede de IVA
Estão previstas duas regras gerais de localização das prestações de serviços que constam no número 6 do artigo 6.º do Código do IVA.
Nas prestações de serviços que tenham como destinatários sujeitos passivos do imposto, a regra geral de localização atende ao lugar em que estes disponham da respetiva sede, de um estabelecimento estável ou do domicílio fiscal [alínea a)].
Quando o destinatário dos serviços não seja um sujeito passivo de IVA, a operação é tributada no lugar da sede, estabelecimento estável ou domicílio do prestador dos serviços [alínea b)].
É preciso sempre, no entanto, averiguar se a situação exposta não se encontra prevista nas exceções (números 7 e 8 para sujeitos passivos e não sujeitos passivos; números 9, 10 e 11 apenas para não sujeitos passivos; e os números seguintes são para situações residuais).
Ora, embora não seja especificado qual a prestação de serviços aqui em causa, dado o teor da questão da colega e tendo em conta a natureza dos prestadores de serviços, partimos do pressuposto de que estamos perante operações (como, por exemplo, publicidade, licenças, armazenamento, etc.) que não se enquadram em nenhuma destas regras específicas, pelo que, estando em causa dois sujeitos passivos, terá de ser aplicada a regra geral da alínea a) do número 6 do artigo 6.º do CIVA.
Este enquadramento torna irrelevante o sítio onde o serviço é materialmente executado, o que faz com que a operação seja tributada no local onde se situe a sede do adquirente dos serviços, o que, neste caso, será em Portugal, sendo tributada nos termos gerais do CIVA.
Este entendimento é corroborado pelo Ofício-Circulado n.º 30 115/2009, de 29 de dezembro.
Em resultado deste enquadramento, o sujeito passivo português, entidade adquirente das prestações de serviços em causa, efetuadas por entidades estrangeiras, tornar-se-á sujeito passivo por esta aquisição, face ao disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA, que refere:
«e) As pessoas singulares ou coletivas referidas na alínea a), pela aquisição dos serviços abrangidos pela alínea a) do n.º 6 do artigo 6.º, quando os respetivos prestadores não tenham, no território nacional, sede, estabelecimento estável ou, na sua falta, o domicílio, a partir do qual os serviços são prestados.»
Perante este enquadramento, o sujeito passivo deverá proceder à autoliquidação do imposto em território nacional, sendo esta autoliquidação efetuada na Declaração Periódica, mais concretamente nos campos 16 e 17 do quadro 06.
Este imposto autoliquidado, em circunstâncias normais, tal como resulta da alínea c) do número 1 do artigo 19.º do CIVA, caso estejam cumpridos os restantes requisitos, poderá ser deduzido, sendo esta dedução feita no campo 24 do mesmo quadro 06.
Enquadramento em IRC
No caso em apreço, estamos perante uma entidade portuguesa que paga serviços de à Google.
Efetivamente, os nossos códigos fiscais (IRS e IRC), através da regra da territorialidade, patente no n.º 2 do artigo 15.º do Código do IRS e n.º 2 do artigo 4.º do Código do IRC, determinam que estão sujeitos a tributação em território nacional os rendimentos aqui obtidos por entidade (pessoa singular ou pessoa coletiva) que não tenha sede nem direção efetiva em território português.
A expressão «(...) rendimentos obtidos em território português(...)» é esclarecida pelo n.º 1 do artigo 18.º do Código do IRS e n.º 3 do artigo 4.º do Código do IRC, normas que enumeram as diversas situações que se consideram rendimentos obtidos em território nacional.
Numa leitura da alínea f) do n.º 1 do artigo 18.º do Código do IRS e da subalínea 6) da alínea c) do n.º 3 do artigo 4.º do Código do IRC, verificamos que os rendimentos provenientes de prestação de serviços de intermediação na celebração de contratos, quando obtidos por entidades não residentes, e pagos por sujeito passivo português se consideram rendimentos obtidos em território nacional e como tal, estão aqui sujeitos a tributação.
A alínea c) desse número n.º 3 do artigo 4.º do CIRC refere que os rendimentos relativos nomeadamente a prestações de serviços realizados ou utilizados em território português (subalínea 7), cujo devedor tenha residência, sede ou direção efetiva em território português ou cujo pagamento seja imputável a um estabelecimento estável situado no território português, são considerados rendimentos obtidos em território português, sendo, portanto, objeto de tributação.
A verificação das condições de realização e de utilização são alternativas, donde decorre que são abrangidas quer as prestações realizadas em território português, mas utilizadas fora desse território, quer as prestações realizadas fora do território, mas que nele sejam utilizadas.
Em princípio, uma prestação de serviços é considerada como realizada em território português quando a mesma aí for materialmente ou fisicamente executada.
Para se averiguar se uma prestação de serviços é considerada como utilizada em território português deve atender-se às características próprias de cada serviço, havendo que examinar, casuisticamente, onde o serviço será usufruído ou onde os seus resultados efetivamente se projetarão ou em benefício de quem reverterão.
O n.º 4 do artigo 4.º do Código do IRC veio estabelecer que as prestações de serviços referidas na subalínea n.º 7 da alínea c) do n.º 3 da mesma norma, ainda que utilizadas em território português, mas desde que realizadas integralmente fora do mesmo, só se consideram obtidas em Portugal quando respeitem a bens nele situados ou quando estejam relacionados com estudos, projetos, apoio técnico ou à gestão, serviços de contabilidade ou auditoria e serviços de consultoria, organização, investigação e desenvolvimento em qualquer domínio.
Há que clarificar se os serviços prestados, referindo-se a prestações de serviços da subalínea n.º 7 da alínea c) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, são, ou não, integralmente realizados fora do território nacional, mesmo que venham a ser utilizados em Portugal, sendo que se tal acontecer (e não respeitarem a bens situados em território nacional) não estão sujeitos a imposto em Portugal, pois não se consideram rendimentos obtidos no território português, por estarem claramente incluídos na regra de não sujeição do n.º 4 do artigo 4.º do CIRC.
Não obstante, tem sido entendimento que os rendimentos provenientes de prestação de serviços de publicidade são considerados como obtidos em território português quando a entidade devedora tenha a residência, sede ou direção efetiva em território português ou cujo pagamento seja imputável a um estabelecimento estável nele situado, conforme previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo 18.º do CIRS e no n.º 7 da alínea c) do n.º 3 do artigo 4.º do Código do IRC.
Todavia, no que concerne aos serviços de publicidade virtual, tem sido remetido para no n.º 4 do artigo 4.º do Código do IRC, que, em certas operações, permite afastar da sujeição anteriormente referida.
Esta norma possui grande subjetividade pelo que terá de ser analisada com a devida cautela, pontualmente, isto é, face à situação concreta com que nos deparamos.
Salvo melhor opinião, a aquisição destes serviços permite, de facto, fazer publicações desligadas do conceito de localização física, pelo que, desde logo, a publicidade poderá ser usada no mercado nacional ou não, visto que a publicidade virtual não tem conexão física com um Estado.
Desta forma, parece-nos que será impossível diferenciar em que atividade - interna ou externa (a haver) - é que a publicidade tem impacto na esfera da entidade adquirente da mesma, na medida em que não existe a possibilidade de se lhe associar de forma inequívoca um território de utilização.
Consequentemente, por prudência, entendemos que relativamente a estes rendimentos devem ser enquadrados no n.º 7 da alínea c) do n.º 3 do artigo 4.º do Código do IRC e, consequentemente, serem sujeitos a retenção na fonte em território nacional.
Relativamente ao pagamento de serviços de publicidade fazemos referência para a análise da informação vinculativa, processo n.º 11 050/2019, despacho de 18/02/2020, do diretor de Serviços de Relações Internacionais, no caso da publicidade do Facebook e Google.
Caso na situação em concreto, seja claro que os serviços não são considerados obtido em território português, conforme acabamos de referir, não existe qualquer retenção na fonte em Portugal, por se enquadrarem no n.º 4 do artigo 4.º do CIRC, não sendo necessário o acionamento das convenções para evitar a dupla tributação, e consequentemente não envio da modelo 30.
Admitindo que no caso em concreto, trata se de rendimentos relativos a serviços utilizados e sendo realizados integralmente no território português são considerados rendimentos obtidos em território português, conforme subalínea n.º 7 da alínea c) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, deve ser enviada a declaração modelo 30 com a indicação desse rendimento, nos termos do n.º 7 do artigo 119.º do CIRS.
Neste sentido, tratando-se de rendimentos que se considerem como rendimentos obtidos em território nacional quando o devedor tenha residência, sede ou direção efetiva em Portugal, tais prestações de serviços realizadas por sujeitos passivos não residentes estão sujeitas a uma taxa de retenção na fonte, com caráter liberatório de 25 por cento, nos termos do n.º 4 do artigo 71.º do CIRS, e n.º 4 do artigo 87.º do CIRC.
No entanto, quando existam duas regras de tributação dos rendimentos nos diversos Estados poderá ocorrer uma dupla tributação sobre esses rendimentos, pois os rendimentos podem ser tributados no país onde são obtidos (regra da territorialidade) e no país de residência da empresa que os obtêm (regra da universalidade), quando esse país não for o mesmo.
Devido a esta situação foram criadas as convenções para evitar a dupla tributação internacional celebradas entre Portugal e outros Estados, com o objetivo de estabelecer uma redução ou eliminação de tributação de determinados rendimentos obtidos num Estado por residentes do outro Estado.
Neste sentido, para efeito de apresentação dos documentos para acionamento da convenção entre Portugal e o respetivo país, haverá que distinguir as seguintes situações:
Quando Portugal é o país da fonte dos rendimentos, as autoridades fiscais portuguesas exigem:
- Modelo 21 RFI (preenchido pelo beneficiário dos rendimentos) + Certificado de residência fiscal. Veja-se o disposto alínea a) do n.º 2 do artigo 98.º do CIRC, que transcrevemos:
«(...) a) Da verificação dos pressupostos que resultem de convenção para evitar a dupla tributação ou de um outro acordo de direito internacional ou ainda da legislação interna aplicável, através da apresentação de formulário de modelo a aprovar por despacho do membro do Governo responsável pela área das finanças, acompanhado de documento emitido pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência que ateste a sua residência para efeitos fiscais no período em causa e a sujeição a imposto sobre o rendimento nesse Estado. (...).»
De acordo com as instruções de preenchimento do formulário modelo 21 - RFI, é referido o seguinte:
«(...)Deve ser preenchido, em triplicado, pelo beneficiário efetivo dos rendimentos obtidos em território português (ou pelo seu representante legal em Portugal) destinando-se cada um dos exemplares, depois de certificados pela autoridade fiscal competente do Estado da residência do beneficiário efetivo dos rendimentos, à entidade indicada na parte inferior direita das páginas que o compõem. O formulário é válido pelo prazo máximo de um ano. O beneficiário dos rendimentos deverá informar imediatamente a entidade devedora ou pagadora caso se verifiquem alterações nos pressupostos de que depende a dispensa total ou parcial de retenção na fonte. (...)
Qualquer que seja a natureza dos rendimentos indicados no quadro II a entrega do formulário junto da entidade portuguesa obrigada a efetuar a retenção na fonte deverá verificar-se até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do respetivo imposto. Essa entidade conservará o exemplar que lhe foi remetido, devendo apresentá-lo apenas quando solicitado e no prazo que for fixado.
O pedido de dispensa de retenção na fonte só se considera entregue quando o formulário estiver integral e corretamente preenchido.
Este formulário pode ser obtido junto das autoridades fiscais competentes dos Estados com os quais Portugal celebrou Convenção para Evitar Dupla Tributação, e ainda via Internet, na página www.portaldasfinancas.gov.pt, devendo, neste último caso, a quarta página ser impressa em triplicado no verso das três primeiras.»
De acordo com a instruções, a entidade pagadora, neste caso empresa portuguesa, não terá de enviar o modelo 21 RFI preenchido + certificado de residência fiscal, à Autoridade Tributária portuguesa, apenas deverá conservar o(s) documento(s) e o(s) apresentar quando solicitado(s) pela própria AT portuguesa.
Por sua vez, a entidade pagadora dos rendimentos (substituto tributário) - empresa portuguesa, deverá solicitar através do site do Portal das Finanças, o número de identificação fiscal para as entidades não residentes, que obtenham em território português rendimentos tributados por retenção a título definitivo, conforme Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro (alínea a) do n.º 2 do artigo 11.º e artigo 12.º).
Tratando-se de rendimentos obtidos em Portugal, mesmo que lhes seja aplicável a dispensa de retenção, seja total ou parcial, por exemplo, por aplicação de Convenção para evitar a dupla tributação, estes terão sempre de ser indicados na declaração modelo 30, por parte da entidade pagadora.
A entrega da declaração modelo 30 deverá ser efetuada até ao fim do segundo mês seguinte ao do pagamento ou colocação à disposição dos respetivos beneficiários, em conformidade com o disposto na alínea a) do n.º 7 do artigo 119.º do Código do IRS, por remissão do artigo 128.º do Código do IRC.
Fazemos a referência ao disposto no n.º 1 do artigo 132.º do Código do IRC: «(...) Não podem realizar-se transferências para o estrangeiro de rendimentos sujeitos a IRC, obtidos em território português por entidades não residentes, sem que se mostre pago ou assegurado o imposto que for devido (...).»
Face ao exposto, no caso em concreto, a entidade portuguesa (pagadora dos serviços) para não efetuar a retenção na fonte deverá ter na sua posse o certificado de residência fiscal e ainda o formulário modelo 21 RFI (assinado pelo beneficiário dos rendimentos).