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IVA / Microgeração de energia
20 Outubro 2023
Parecer técnico do departamento de consultoria da Ordem

PT27689 - IVA / Microgeração de energia
Agosto de 2023

Um sujeito passivo particular celebrou em 2011 um contrato de microgeração de eletricidade com a EDP. Nunca abriu atividade para efeitos de venda de eletricidade. No IRS dos anos anteriores nunca incluiu o rendimento obtido mensalmente. Em 2023 a EDP passou e enviar o SAF-T mensalmente para o sujeito passivo submeter no e-fatura. A comercialização de eletricidade está dispensada de tributação até 1 000 €/ano, porém, o particular está obrigado a ter atividade aberta, certo? Ao abrir atividade agora, terá de abrir com data de 1 de janeiro de 2023 (desconsiderando os anos anteriores)? Da análise feita às autofaturas do ano de 2022, até agosto constava IVA a 23% e de setembro em diante passou ao regime de autoliquidação. Sendo esta a única atividade que o particular desenvolve, poderá optar pelo regime de isenção do artigo 53.º?

Parecer Técnico


A questão colocada relaciona-se com a obrigação de início de atividade pelo produtor e emissão de autofaturação pelo comercializador, transmissões do excedente de eletricidade produzida pelo produtor.

O Decreto-Lei n.º 85/2022, de 21 de dezembro, procedeu à alteração do Código do IVA (CIVA), consagrando uma derrogação à regra geral de incidência subjetiva do IVA relativamente a certas transmissões do excedente de eletricidade produzida em regime de autoconsumo de energia renovável.

Tal como sucedeu nos setores silvícola e das sucatas, a aplicação do mecanismo da autoliquidação visa a melhoria da eficácia do combate a práticas de fraude e evasão fiscais, bem como assegurar a simplificação da cobrança do IVA, dispensando da obrigação de liquidação de imposto um número significativo de sujeitos passivos de dimensão extremamente reduzida.

A obrigação de faturação das referidas transmissões de eletricidade produzida em unidades de produção para autoconsumo é igualmente transmitida para o adquirente, quando o fornecedor não seja um sujeito passivo ou pratique apenas estas operações tributáveis.

Visando a simplificação do cumprimento das obrigações fiscais, estabelece-se ainda que, nestes casos, a obrigação de comunicação das faturas passa a ser igualmente do adquirente, garantindo-se, no entanto, a validação das operações pelo vendedor dos bens ou pelo prestador dos serviços. Situação que ainda só se encontra disponível para os sujeitos passivo que comuniquem pelo webservice.

O referido Decreto-Lei n.º 85/2022 vem impor a aplicação da regra de inversão do sujeito passivo nas situações descritas na aditada alínea n) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, cuja redação é a seguinte:

"n) As pessoas singulares ou coletivas referidas na alínea i) do artigo 1.º que disponham de sede, estabelecimento estável ou domicílio em território nacional, quando sejam adquirentes de eletricidade produzida em unidades de produção para autoconsumo, com potência instalada igual ou inferior a 1 MW, nos termos definidos nas alíneas f) e vvv) do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 15/2022, de 14 de janeiro, na sua redação atual, a autoconsumidores cujo enquadramento no regime normal do imposto resulte unicamente da prática destas transmissões."

Nestes casos, ou seja, quando está em causa a transmissão de eletricidade produzida em unidades de produção para autoconsumo, com potência instalada igual ou inferior a 1 MW, nos termos definidos nas alíneas f) e vvv) do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 15/2022, de 14 de janeiro, na sua redação atual, por parte de autoconsumidores cujo enquadramento no regime normal do imposto resulte unicamente da prática destas transmissões, o sujeito passivo do imposto é o adquirente, desde que que seja um sujeito passivo com direito à dedução total ou parcial do imposto.

De harmonia com o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 15/2022, para os efeitos do presente decreto-lei, entende-se por:
As siglas utilizadas de seguida têm o seguinte significado:
- "ACC" - Autoconsumo coletivo;
- "ACI" - Autoconsumo individual;
- "IU" - Instalação elétrica de utilização;
- "RESP" - Rede Elétrica de Serviço Público;
- "UPAC" - Unidade de produção para autoconsumo.
"f) «Autoconsumidor» um consumidor final que produz energia renovável para consumo próprio, nas suas instalações situadas no território nacional, e que pode armazenar ou vender eletricidade com origem renovável de produção própria, desde que, para os autoconsumidores de energia renovável não domésticos, essas atividades não constituam a sua principal atividade comercial ou profissional, podendo exercer esta atividade em autoconsumo individual ou ACI ou em autoconsumo coletivo ou ACC quando, respetivamente o autoconsumo é para consumo numa instalação elétrica de utilização (IU), ou em duas ou mais IU, estando, em ambos os casos, a ou as UPAC instaladas nessa(s) IU ou na sua proximidade e com ligações entre si através da RESP, e/ou de uma rede interna e/ou por linha direta, sem prejuízo de o direito de propriedade sobre a UPAC ser titulado por terceiro(s);
...
vvv) «Unidade de produção para autoconsumo» ou «UPAC» uma ou mais unidades de produção que tem como fonte primária a energia renovável, incluindo ou não instalações de armazenamento de energia, associada(s) a uma ou várias IU, destinada primordialmente à satisfação de necessidades próprias de abastecimento de energia elétrica, que sejam instaladas nessa(s) IU e/ou na proximidade da(s) IU que abastecem, podendo ser propriedade de e/ou geridas por terceiro(s);"

As alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 85/2022 não introduziram quaisquer alterações no Decreto-Lei n.º 15/2022, de 14 de janeiro, na sua redação atual, que estabelece a organização e o funcionamento do Sistema Elétrico Nacional (SEN), procedendo à transposição da Diretiva (UE) 2019/944 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de junho de 2019, relativa a regras comuns para o mercado interno da eletricidade e que altera a Diretiva 2012/27/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012 e à transposição parcial da Diretiva (UE) 2018/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, relativa à promoção da utilização de energia de fontes renováveis.

O referido Decreto-Lei n.º 15/2022 aplica-se às atividades de produção, armazenamento, autoconsumo, transporte, distribuição, agregação e comercialização de eletricidade, bem como à operação logística de mudança de comercializador e agregador, à organização dos respetivos mercados, à atividade de emissão de garantias de origem, à atividade de gestão de garantias do SEN, aos procedimentos aplicáveis ao acesso àquelas atividades e à proteção dos consumidores.

De conformidade com o artigo 89.º do Decreto-Lei n.º 15/2022, que atualmente regula o setor:
"1 - O comercializador ou agregador com quem o autoconsumidor celebre contrato relativo aos excedentes disponibiliza, obrigatoriamente, a todos os autoconsumidores a opção de processamento da faturação da energia elétrica nos termos do n.º 11 do artigo 36.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de dezembro, na sua redação atual.
2 - Mediante o processamento da faturação da energia elétrica nos termos do número anterior, o comercializador ou agregador assume a obrigação de proceder à comunicação dos elementos das faturas referentes à transação da energia excedente produzida para autoconsumo, nos termos do Decreto-Lei n.º 198/2012, de 24 de agosto, na sua redação atual.
3 - O disposto nos números anteriores aplica-se à transação da eletricidade produzida em centro eletroprodutor ou UPAC com potência instalada até 1 MW."

O Decreto-Lei n.º 85/2022, antes mencionado, alterou igualmente o n.º 15 do artigo 29.º do CIVA, conferindo-lhe a seguinte redação:
"15 - Os sujeitos passivos referidos nas alíneas i), m) e n) do n.º 1 do artigo 2.º são obrigados a emitir uma fatura por cada aquisição de bens ou de serviços aí mencionados quando o respetivo transmitente ou prestador não seja um sujeito passivo, se encontre sujeito a IVA pela prática de uma só operação tributável nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º ou cujo enquadramento no regime normal do imposto resulte unicamente das transmissões referidas na alínea n) do n.º 1 do artigo 2.º, não se aplicando, nesses casos, os condicionalismos previstos no n.º 11 do artigo 36.º".
Passou, assim, a constar do CIVA, com efeitos a partir de 01/01/2023, a obrigação de autofaturação pelo adquirente (sem acordo prévio), quando o respetivo transmitente ou prestador:
a) Não seja um sujeito passivo;
b) Se encontre sujeito a IVA pela prática de uma só operação tributável nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º; ou
c) Cujo enquadramento no regime normal do imposto resulte unicamente das transmissões referidas na alínea n) do n.º 1 do artigo 2.º, não se aplicando, nesses casos, os condicionalismos previstos no n.º 11 do artigo 36.º.

Assim, em resposta á questão em concreto, começamos por referir que a obrigação de liquidação de imposto é independente da obrigação de emissão de fatura, mas que neste caso a segunda encontra-se condicionada pelo enquadramento em IVA do produtor.

Se o contribuinte, que produz energia elétrica, apenas efetua venda da parte excedente da produção de energia elétrica, sem praticar qualquer outra atividade, poderá ficar enquadrado em sede de IVA no regime especial de Isenção (artigo 53.º do CIVA) ou, caso exceda os limites, ficar enquadrado no regime normal.

Assim desde que se verifique estas duas condições, isento nos termos do artigo 53.º ou no regime normal exclusivamente por força desta atividade, o adquirente, por força desta das alterações, está obrigado a proceder à autofaturação, sem acordo prévio, conforme o n.º 15 do artigo 29.º do CIVA.

Nos demais casos e por força do que estabelece no artigo 89.º do Decreto-Lei n.º 15/2022, o comercializador ou agregador com quem o autoconsumidor celebre contrato relativo aos excedentes disponibiliza, obrigatoriamente, a todos os autoconsumidores a opção de processamento da faturação da energia elétrica nos termos do n.º 11 do artigo 36.º do CIVA, ou seja, disponibiliza a chamada autofaturação com acordo prévio.

Foi ainda alterado pelo Decreto-Lei n.º 85/2022 o n.º 13 do artigo 36.º do CIVA, cuja redação passou a ser a seguinte:
"13 - Nas situações previstas nas alíneas i), j), l), m) e n) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como nas demais situações em que o destinatário ou adquirente for o devedor do imposto, as faturas emitidas pelo transmitente dos bens ou prestador dos serviços devem conter a expressão ‘IVA - autoliquidação’."
No caso de entidades (pessoas singulares ou coletivas) que se encontram enquadradas no regime normal do IVA pelo exercício de outras atividades, não há lugar à inversão do sujeito passivo.

Tal como se referiu, quando está em causa a transmissão de eletricidade produzida em unidades de produção para autoconsumo, com potência instalada igual ou inferior a 1 MW, nos termos definidos nas alíneas f) e vvv) do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 15/2022, de 14 de janeiro, na sua redação atual, apenas há lugar à inversão do sujeito passivo no caso de autoconsumidores cujo enquadramento no regime normal do imposto resulte unicamente da prática destas transmissões.

Para efeitos de IVA, a prática reiterada de uma atividade económica, faz do contribuinte um sujeito passivo nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, pelo que deve iniciar a atividade de acordo com o n.º 31.º do CIVA.

Também para efeitos de IR, recordamos, por isso, que a transmissão de microprodução de energia reveste natureza de uma atividade comercial, pelo que deverá, de facto, dar início de atividade para esse efeito, sendo tais valores tributados no âmbito da Categoria B de IRS.

Para efeitos de IRS, o n.º 6 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 363/2007, de 2 de novembro, previu que o rendimento obtido da atividade de microprodução, quando inferior a 5.000 euros, ficasse excluído da tributação em IRS. Esta exclusão operava mesmo que se tratasse de um microprodutor que já exercesse antes atividade empresarial ou profissional.

Os particulares, que passassem a efetuar microprodução de eletricidade, tratando-se esta de atividade empresarial, estavam sempre obrigados a dar prévio início de atividade, e a mencionar tais rendimentos no anexo B da declaração modelo 3, ainda que tais rendimentos não fossem efetivamente tributados, por não excederem o limite acima referido.

Por força deste entendimento, o Ofício Circulado n.º 20156, de 02/02/2012, da Direção de Serviços do IRS, criou um campo específico no Anexo B da declaração modelo 3 de IRS a apresentar com referência aos rendimentos de 2011, constando das respetivas instruções de preenchimento o seguinte:
"Anexo B
Quadro 4A - Rendimentos profissionais, comerciais e industriais
Microprodução de eletricidade

Com o objetivo de realizar o adequado controlo dos rendimentos provenientes da produção de eletricidade por intermédio de unidades de microprodução, foi criado um novo campo - 423 - especificamente destinado à sua identificação.

O regime jurídico da microprodução de eletricidade consta do Decreto-Lei n.º 363/2007, de 2 de novembro (alterado pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro e pelo Decreto-Lei n.º 118- A/2010, de 25 de outubro, tendo este procedido também à republicação do Decreto-Lei n.º 363/2007, de 2 de novembro).

O rendimento de montante inferior a € 5000, resultante da atividade de microprodução, fica excluído de tributação em IRS, nos termos do n.º 6 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 363/2007, de 2 de novembro.

Deve ser indicada no campo 423 a totalidade do rendimento proveniente desta atividade, sendo a exclusão assumida automaticamente quando aquele montante for inferior a € 5000."

Entretanto, o referido benefício fiscal de € 5.000,00 foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 153/2014, de 20 de outubro.

Em consequência disso, o Anexo B da declaração modelo 3 de IRS a apresentar em 2016 com referência ao ano de 2015, foi alterada, referindo o Ofício-Circulado n.º 20187, de 05.04.2016, da Direção de Serviços de IRS, que veio dar conhecimento das alterações introduzidas o seguinte:
"Anexo B - Quadro 04
Campo 401 - Vendas de mercadorias e produtos
Devem também ser inscritos neste campo os rendimentos resultantes da atividade da microprodução de eletricidade, cujo benefício fiscal de € 5.000,00, foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 153/2014, de 20 de outubro."

Face ao referido, parece não haver dúvidas de que a microprodução de energia constitui uma atividade sujeita a IRS.

A Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro, que aprovou o OE para 2023, aditou ao artigo 12.º do Código do IRS o n.º 11, com a seguinte redação:
"11 - São excluídos, até ao limite de 1000 €, os rendimentos anuais resultantes das seguintes atividades:
a) Transação da energia excedente produzida para autoconsumo a partir de fontes de energia renovável, por unidades de produção para o autoconsumo, até ao limite de 1 MW da respetiva potência instalada;
b) Transação da energia produzida em unidades de pequena produção a partir de fontes de energia renovável, até ao limite de 1 MW da respetiva potência instalada."

No que respeita à comunicação destes rendimentos à Autoridade Tributária, por parte do microprodutor de energia, assumindo que este ficará enquadrado no regime simplificado de IRS, de acordo com o Ofício-Circulado n.º 20187, de 5 de abril de 2016, parece-nos que poderá vir a ser criado na declaração referente ao exercício de 2023 um quadro especifico para a colocação destes rendimentos, à semelhança do que já aconteceu anteriormente, ou então, os rendimentos resultantes da atividade de microprodução de eletricidade devem ser inscritos no campo 401 do quadro 4 do anexo B da Modelo 3 de IRS, sendo aplicado o coeficiente 0,15, cabendo depois ao sistema de liquidação da Autoridade Tributária aplicar a referida exclusão de tributação.

Em termos contributivos, estaria o sujeito passivo, em circunstâncias normais, sujeito ao regime de contribuições aplicável aos trabalhadores independentes (artigos 132.º e seguintes do Código Contributivo).

Contudo, destacamos o disposto na subalínea i) da alínea f) do número 1 do artigo 139.º do Código Contributivo, que refere que:
"1 - São excluídos do âmbito pessoal do regime dos trabalhadores independentes:
(...)
f) Os titulares de rendimentos da categoria B resultantes exclusivamente de:
i) Produção de eletricidade para autoconsumo ou através de unidades de pequena produção a partir de energias renováveis, nos termos previstos no regime jurídico próprio".

Face ao exposto, no caso em análise, o sujeito passivo aufere rendimentos de microprodução de energia desde 2011, sendo que nunca procedeu ao início de atividade nem declarou tais rendimentos.

É nossa opinião que deverá proceder a entrega da declaração de início de atividade, reportando este ao momento em que efetivamente iniciou esta atividade comercial.

Nos anos em a liquidação de imposto ainda não caducou, isto é, deverá proceder a substituições das suas declarações de rendimento, ainda que o rendimento esteja excluído de tributação.