No universo das empresas em que determinado contabilista certificado colabora é habitual haver pagamentos de faturas através de letras de câmbio.
Na data do vencimento as letras são pagas, reformadas e aquilo que os comerciantes tiverem convencionado.
Atendendo ao novo regime de regularização de IVA pela via da cobrança duvidosa, através do pedido de autorização prévia no Portal das Finanças, após os 24 meses da data do vencimento da fatura (limite de seis meses) ou por via do crédito incobrável (dos dois o primeiro facto relevante), surge uma situação em que uma fatura com data de vencimento a 15 de março de 2015 foi paga por letra, sujeita a diversas reformas e a 6 de abril de 2018 o cliente foi declarado insolvente e a letra descontada no banco vence a 30 de abril de 2018.
Já foi formalizada a reclamação de crédito junto do administrador de insolvência.
Neste caso, em que momento ocorre o facto relevante a que se refere o Ofício-Circulado n.º 30161/2014, de 8 de julho?
Parecer técnico
Refere o n.º 3 do artigo 78.º-A do CIVA que se considera que o vencimento do crédito ocorre na data prevista no contrato celebrado entre o sujeito passivo e o adquirente ou, na ausência de prazo certo, após a interpelação prevista no artigo 805.º do Código Civil referindo este artigo o seguinte:
«1. O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.
2. Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação:
a) Se a obrigação tiver prazo certo;
b) Se a obrigação provier de facto ilícito;
c) Se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido.
(…).»
Estando a dívida (originada pela emissão da fatura) titulada por "letras” haverá que avaliar, conforme entendimento divulgado pela Autoridade Tributária, se tal resultou numa dívida nova ou num alargamento do prazo previamente estabelecido.
Este entendimento encontra-se na informação vinculativa relativa ao processo n.º 11742, de 25/10/2017, da qual aconselhamos a leitura e que pode ser consultada no Portal da Autoridade Tributária em no seguinte link:
http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/informacoes_vinculativas/despesa/civa/Documents/INFORMACAO_11742.pd
Desta, transcrevemos a parte final, que sintetiza a análise efetuada:
«(…)
41. Independentemente do prazo para pagamento, havendo letras de câmbio emitidas, se estas não tiveram como intenção expressa das partes extinguir a obrigação, mas facilitar ao credor a realização do seu crédito, constituem dação em função do cumprimento (datio pro solvendo). Neste caso, o sujeito passivo tem direito a regularizar a seu favor o IVA daquele crédito. Todavia, quando a obrigação se extingue, tem de regularizar o IVA a favor do Estado, pois o pagamento, que inclui o imposto, efetuou se, não sendo mais duvidosa a sua cobrança.
42. No entanto, se as letras de câmbio tiveram como intenção expressa das partes a extinção da dívida, ocorre dação em pagamento (datio pro solutum) e, nessa situação não há IVA a regularizar, na medida em que a prestação da letra extingue imediatamente a dívida.
43. No caso apresentado, uma vez que entre o sujeito passivo e o adquirente foi estabelecido um prazo para pagamento da dívida, o vencimento do crédito ocorre na data convencionada entre as partes, sendo esta a data a considerar para efeitos de início da contagem do prazo a que se refere o artigo 78.º-A, n.ºs 2 e 3 do CIVA, ou seja, a data fixada para o vencimento da fatura.»
Pelo que, quando é referido na pergunta que «é costume haver pagamentos de faturas através de letras de câmbio» será necessário avaliar se é mesmo esse o cenário em causa, isto é, se se pretende expressamente a extinção da dívida com a emissão da letra conforme se refere no ponto 42 acima transcrito - a ser o caso, a obrigação de pagamento relativa à fatura encontrar-se-ia sanada, criando-se uma nova obrigação com a emissão da letra.
Não sendo o caso, ou seja, se foi convencionado um prazo para pagamento da fatura, não tendo a emissão da letra o intuito de extinguir a obrigação, mas sim «(…) facilitar ao credor a realização do seu crédito (…)», então, o momento a considerar para a contagem do prazo será o do vencimento da fatura.