23-11-2021
Uma empresa que será constituída brevemente, irá reger-se no início pelas normas das microentidades e pretende ter como atividade a venda de combustíveis. Os sócios são proprietários das instalações onde os combustíveis irão ser vendidos e irão realizar um contrato de comodato à sociedade. Esta sociedade pretende ir comprar os combustíveis a Espanha para revenda dos mesmos em Portugal nas bombas da empresa. Por sua vez, esta empresa pretende também comprar um camião para poder fazer o transporte do combustível de Espanha para Portugal.
É legal fazer a aquisição de combustíveis em Espanha para revenda em Portugal? A ser legal, como se processa em termos de IVA na aquisição intracomunitária e na venda em Portugal dos combustíveis? Quais os procedimentos legais para poder adquirir os combustíveis em Espanha?
Se a empresa se registar nas finanças em Espanha e adquirir o camião em Espanha, poderá manter a matrícula espanhola e fazer o transporte para Portugal? Como se processam as despesas tidas com o camião? Como se processa a contabilidade estando a empresa também registada em Espanha?
Parecer técnico
Na situação exposta a questão colocada refere-se ao enquadramento legal e fiscal da atividade de revenda de combustível em Portugal.
No caso em apreço irá ser constituída uma sociedade para proceder ao transporte de combustível de Espanha e revenda em Portugal.
Começamos por referir que relativamente aos aspetos legais, como por exemplo se pode ou não exercer e quais os procedimentos necessários para exercer a atividade, estão fora do âmbito deste consultório, pelo sugerimos a consulta de entidades especializadas no setor, nomeadamente a Entidade Nacional para o Setor Energético E:P.E (ENSE).
Em termos de enquadramento contabilístico e fiscal, para o setor em causa, sugerimos a leitura do manual elaborado pela OCC. O manual está disponível
online aqui:
Em todo o caso, atendendo às questões colocadas, faremos referência a alguns dos aspetos fiscais.
Em termos de enquadramento em IVA, o regime de tributação dos combustíveis líquidos aplicável aos revendedores encontra-se previsto no artigo 69.º ao artigo 75.º do CIVA.
Assim, se o sujeito passivo for um sujeito passivo revendedor de combustíveis, face ao Regime dos Combustíveis significa que liquidará o IVA pela margem.
De acordo com o n.º 1 do artigo 70.º do CIVA, o valor tributável das transmissões abrangidas pelo presente regime corresponde à diferença, verificada em cada período de tributação, entre o valor das transmissões de combustíveis realizadas, IVA excluído, e o valor de aquisição dos mesmos combustíveis, IVA excluído.
Sobre a margem, devem os revendedores fazer incidir a respetiva taxa do imposto.
Na determinação do valor das transmissões, não são tomadas em consideração as entregas de combustíveis efetuadas por conta do distribuidor.
Os revendedores dos combustíveis não podem deduzir o imposto devido ou pago nas aquisições no mercado nacional, aquisições intracomunitárias e importações desses bens (art.º 71.º, n.º 1 CIVA)
O imposto suportado em investimentos e demais despesas de comercialização é dedutível nos termos gerais dos artigos 19.º e seguintes (art.º 72.º, n.º 2 CIVA).
De acordo com o artigo 74.º do CIVA, os sujeitos passivos abrangidos pelo presente regime devem, sempre que efetuem aquisições intracomunitárias dos combustíveis referidos no artigo 69.º, obedecer às regras estabelecidas no Regime do IVA nas transações Intracomunitárias.
O ponto 5 do Ofício-Circulado n.º 30 068 de 2004, de 19 de janeiro, indica como determinar a margem de vendas. O valor da margem em cada período de tributação, sobre a qual será liquidado o respetivo imposto, corresponderá à diferença entre:
- O valor de venda das quantidades vendidas nesse período, IVA excluído; e
- O valor de aquisição dessas quantidades vendidas, IVA excluído, (preço efetivo de aquisição constante das respetivas faturas de compra).
No cálculo da referida margem não serão consideradas as entregas efetuadas pelos revendedores por conta das empresas distribuidoras (vendas efetuadas através de "Cartões Frota").
Ao montante obtido desta diferença será aplicável a respetiva taxa de imposto, correspondendo o valor obtido ao imposto a entregar pelo revendedor. No quadro 06 da declaração periódica de IVA, constará o valor da margem nos campos referentes à base tributável (campos 3 e 5 consoante a taxa a aplicar) e o valor do imposto apurado nos campos relativos ao IVA liquidado (campos 4 e 6).
No caso de a sociedade agir como uma empresa distribuidora, deverá aplicar, na venda dos combustíveis, não o regime da margem, mas o regime geral do Código do IVA.
Refere os pontos 2.2 e 2.3 do referido Ofício-circulado, que não estão sujeitos a este regime as empresas distribuidoras de combustíveis líquidos. O ponto 2.3 define o que se entende por «empresas distribuidoras»:
«2.3. Consideram-se empresas distribuidoras, para efeitos de exclusão da aplicação deste regime, as entidades que se encontrem abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 10/2001, de 23 de Janeiro (alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 339-D/2001, de 28 de Dezembro), que estabelece as disposições relativas à constituição e à manutenção de reservas de segurança de produtos petrolíferos.»
As entidades que introduzam produtos petrolíferos no mercado interno nacional, incluindo as que os comercializem nos aeroportos e aeródromos localizados em território nacional, estão sujeitas à obrigação de constituição e de manutenção de reservas, conforme refere o n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2001, de 23 de janeiro.
Assim, caso a sociedade atue como revendedora tem a obrigação de utilizar o regime da margem, caso atue como distribuidora deverá aplicar o regime geral do IVA.
Quanto à última questão relacionada com o gasto fiscal das despesas suportadas com o camião com matrícula espanhola, começamos por referir que de acordo com o disposto nos artigos 23.º e 123.º do Código do IRC (CIRC), para que os gastos sejam aceites, fiscalmente, terão que obedecer a dois requisitos:
• São dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC; e
• Que estejam devidamente suportados por documentos emitidos por entidades externas e de acordo com as normas legais.
Nos termos do n.º 3 do artigo 23.º do Código do IRC (CIRC), os gastos dedutíveis em IRC devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.
Para assegurar essa comprovação, o documento de suporte deve, pelo menos, conter os seguintes elementos:
- Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;
- Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional; [Redação dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro]
- Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;
- Valor da contraprestação, designadamente o preço;
- Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.
Assim, independentemente da viatura ter matrícula portuguesa ou estrangeira, o gasto apenas será aceite se cumprir o dispostos no artigo 23.º do CIRC. Consequentemente, não é obrigatória que a viatura esteja registada em Portugal para que o gasto possa ser aceite fiscalmente.
No entanto, atendendo que no caso em apreço, é referido que a entidade pretende registar-se em Espanha, importa clarificar que tipo de registo se pretende efetuar. Isto é, se estivermos a falar de um mero registo em IVA, então aplica-se o anteriormente exposto.
Caso a entidade tiver um estabelecimento estável em Espanha, e a utilização da viatura for feita através desse estabelecimento estável, o gasto deverá ser contabilizado no estabelecimento estável e, posteriormente incorporado na entidade portuguesas.