Comunicados
Sentença do Supremo Tribunal Administrativo
23 Novembro 2007
Em causa a opção pelo regime simplificado em IRS

A Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas tomou conhecimento da sentença proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo que a seguir se transcreve e dela decidiu dar conhecimento a todos os profissionais, face à fundamentação e teor que apresenta, uma vez que está em causa a opção pelo regime simplificado em IRS. É fundamental que os TOC tenham consciência dos seus direitos (e deveres) num tema que muita tinta tem feito correr. Os nomes dos intervenientes foram omitidos.

«Processo n.º xxxxx

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1 - "A", "B", "C", "D", "E", "F" e "G" instauraram no Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Braga acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.

A acção foi julgada procedente por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que sucedeu na competência daquele Tribunal.

Inconformado o Senhor Director-Geral dos Impostos interpôs o presente recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando alegações com as seguintes conclusões:


A - Em face do artigo 310 do CIRS, na redacção dada pela Lei n.º 30- G/00, de 29.12, e do artigo 28.º do mesmo Código, na redacção dada pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, normas aplicáveis aos factos em causa, verifica-se que tendo os Recorridos optado em 2001 pela contabilidade organizada e em consequência, pelo regime de determinação da matéria colectável de IRS dos rendimentos empresariais segundo a contabilidade (RCO), o mesmo deveriam efectuar nos anos subsequentes, por a opção ser válida apenas por um exercício, de acordo com um regime de renovação da opção, por não aproveitar a qualquer dos AA o regime imperativo da contabilidade organizada ( n.º 3 dos artigos, antes citados, do CIRS);
B - Tais normas determinam o exercício pela Administração de poderes vinculados pelo que não pode quantificar-se a matéria colectável de IRS pelo Regime de contabilidade organizada se a renovação da opção por esse regime se não mostrar efectuada;
C - Mostra-se, assim, violado o princípio da legalidade de actuação da Administração no procedimento tributário ¿ art. º 55.º da LGT -, por a decisão judicial determinar uma preterição deste princípio em favor do da confiança, em matéria que é de vinculação estrita da Administração;
D - Não pode reconhecer-se um direito que a lei não contempla, pois como se evidencia da lei, a opção pelo regime de contabilidade organizada para os recorridos nos anos de 2002 e 2003 tinha como pressuposto o exercício efectivo dessa opção (n.º 4 do art. º 28.º e 31.º), e não está prevista na lei a "existência sem pedido expresso de renovação, de um regime de contabilidade organizada por mais de um ano";
E - Está, assim, impedido o Tribunal de considerar um direito impossível e inexistente na ordem jurídica, pelo que se acha violado, directamente, o n.º 4 do art. 31.º do CIRS, na redacção ao tempo;
F - De igual modo, não podendo estar constituído tal direito ou interesse a reconhecer, acha-se, também violado o art. 145.º do CPPT.

Termos em que com o douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso e revogada a sentença recorrida.

Não foram apresentadas contra-alegações.


O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:


1. A aplicação do regime de contabilidade organizada (RCO) na determinação do rendimento empresarial dos sujeitos passivos que não se encontrem obrigados a possuir contabilidade organizada por exigência legal depende de opção manifestada anualmente até ao final do mês de Março do ano em que pretende a utilização do regime mediante a apresentação de uma declaração de alterações (art. 28.º n.ºs 2 e 4 al. h) CIRS redacção do art. 30.º n.º 4 Lei n.º 109-B/2001.27 Dezembro OGE 2002);

2. O princípio da protecção da confiança está ínsito na natureza de Estado de direito democrático da República Portuguesa (art. 2.º CRP).
No domínio administrativo-tributário a confiança fiscal (suscitada no sujeito passivo pela actuação da Administração Pública) constitui manifestação do princípio da boa fé, por via do qual o órgão ou agente administrativo está impedido de utilizar artifícios ou falsas informações como o intuito de enganar os administrados (art. 266.º n.º 2 CRP: art. 6.º -A n.ºs 1/2 ala) CPA; art. 59.º n.º 2 LGT).

Este princípio apenas assume relevo quando a Administração tributária actua no exercício de poderes discricionários: agindo no exercício de poderes vinculados está obrigada à estrita observância do regime legal vigente em cumprimento do princípio da legalidade (art. 266.º n.º 2 CRP; art. 3.º CPA: art. 55.º LGT) ([1])

3. A violação do princípio da protecção da confiança fiscal constitui o Estado no dever de indemnização, se se verificarem os demais pressupostos legais da responsabilidade civil extracontratual, mas não pode determinar a anulação de acto praticado em conformidade com o regime legal aplicável (art. 22.º CRP; art. 4.º n.º 1 al. g) ETAF vigente) ([2]).

No caso sub judicio aquele princípio não foi violado porque:
a) a DSIRS emitiu em 10.09.2001 o Ofício-Circulado n.° 20050, ordenando aos serviços a correcção do prazo de validade da opção pelo RCO, constante de anterior brochura explicativa divulgada pela DGL de 5 anos para 1 ano (probatório n.º 12)
b) é de presumir que os serviços tenham procedido a essa correcção (art. 68.° n.° 4 al. b LGT)

c) a correcção foi efectuada com larga antecedência em relação ao início do período para a apresentação das declarações de IRS dos anos 2002 e 2003 (art. 60.° n.°1 CIRS)


CONCLUSÃO


O recurso merece provimento.

A sentença impugnada deve ser revogada e substituída por acórdão denegatório do direito dos recorrentes a serem tributados segundo o RCO nos anos 2002 e 2003.


3 - A Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, introduziu no CIRS o regime de tributação pelo regime simplificado.

Nos n.ºs 2 e 4 do art. 31.º do CIRS, na redacção introduzida por aquela Lei ([3]), estabeleceu-se o seguinte:


2 - Ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, não tendo optado pelo regime de contabilidade organizada no período de tributação imediatamente anterior, não tenham atingido valor superior a qualquer dos seguintes limites:
a) Volume de vendas: 30.000.000$00;

b) Valor ilíquido dos restantes rendimentos desta categoria: 20.000.000$00.

4 - A opção a que se refere o n.º 2 deve ser formalizada pelos sujeitos passivos:
a) Na declaração de início de actividade;

b) Até ao fim do mês de Março do ano em que pretende utilizar a contabilidade organizada como forma de determinação do rendimento, mediante a apresentação de uma declaração de alterações.

Como resulta da matéria de facto fixada, a Administração Tributária informou os Autores, quer através dos seus funcionários quer através de uma brochura distribuída, de que a opção pela tributação segundo o regime de contabilidade organizada que formulassem até 29 de Junho de 2001 seria válida por cinco anos.

Posteriormente, a Administração Tributária entendeu que a opção pela tributação segundo o regime de contabilidade organizada seria válida apenas por um ano, mas não se provou que tivesse sido concretizada qualquer alteração na referida brochura nem que os seus funcionários tivessem informado os contribuintes de que a opção que tinham formulado seria válida apenas por um ano.

Provou-se ainda que os Autores ficaram com a convicção que seriam tributados segundo o regime de contabilidade organizada durante os cinco anos subsequentes às decisões que apresentaram entre Abril e Junho de 2001.

A questão que é objecto do presente recurso jurisdicional é a de saber se, não tendo os Autores apresentado qualquer declaração de opção pelo regime de contabilidade organizada, depois das que apresentaram em 2001, até ao final de 2003, tinham direito a ser tributados por aquele regime nos anos de 2002 e 2003.


4 - Desde logo, a interpretação que o Recorrente faz da alínea b) do n.º 4 do referido art. 31.º (28.º, na redacção do Decreto-Lei n.º 198/2001), no sentido de as declarações de opção pelo regime de contabilidade organizada terem de ser renovadas todos os anos, carece de suporte legal.

Com efeito, naquela alínea b), em que se refere que as declarações devem ser apresentadas «até ao fim do mês de Março do ano em que pretende utilizar a contabilidade organizada como forma de determinação do rendimento», não se fixa qualquer termo inicial do prazo de apresentação, mas apenas um termo final: para ser relevante a opção, ela tem de ser apresentada até 31 de Março do ano em que se pretende ser tributado pelo regime de contabilidade organizada.
Mas, não se refere nessa norma que essas declarações tenham se ser apresentadas no próprio mês de Março de cada ano, nem sequer no próprio ano em que se pretende ser tributado pelo regime de contabilidade organizada.

Por outro lado, constata-se que o CIRS, noutras disposições, fixa termos iniciais e finais para a prática de actos (como sucede no art. 60.º, na redacção vigente) pelo que o facto de naquele art. 31.º se estabelecer apenas um termo final tem o significado objecto de expressar que o interessado pode fazer a declaração com a antecipação que entender.

Sendo assim, nada na letra daquela alínea b) impede que a opção pelo regime de contabilidade organizada seja efectuada no ano anterior ou anos anteriores àquele em que se pretende tal regime de tributação.
Por isso, tendo os Autores formulado, no ano de 2001 a opção pelo regime de tributação de contabilidade organizada durante cinco anos, como resulta da matéria de facto fixada, não há qualquer obstáculo legal à relevância dessa opção para os anos de 2002 e 2003, pois, como é óbvio, tendo a opção, relativamente ao ano de 2002, sido formulada antes de 31-3-2002 e, relativamente ao ano de 2003, sido apresentada antes de 31-3-2003, é evidente a sua tempestividade. ([4])

Sendo este regime de inexistência de termo inicial para a declaração relativa a cada ano o previsto na lei, não é legalmente possível o seu afastamento por actos da Administração, pois os actos de natureza legislativa não podem ser, com eficácia externa, interpretados, integrados, modificados, suspensos ou revogados (art. 112.º, n.º 5, da CRP).
Por outro lado, consubstanciando a indicação de validade por cinco anos contida na referida brochura, uma informação escrita prestada pela Administração Tributária aos contribuintes sobre o cumprimento dos seus deveres acessórios, a Administração sempre estaria vinculada por ela, por força da alínea a) do n.º 4 do art. 68.º da LGT, pelo é ilegal, por violação desta norma, uma actuação posterior em sentido divergente do informado.

Conclui-se assim, que, por terem formulado tempestivamente a opção pela tributação pelo regime de contabilidade organizada relativamente aos actos de 2002 e 2003, os Autores adquiriram o direito respectivo, pelo que procede a sua pretensão de o verem reconhecido e declarado.

Termos em que acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar o decidido na sentença recorrida.

Sem custas, por o Recorrente estar isento, no presente processo (art. 2.º da Tabela de Custas).


Lisboa, 14 de Março de 2007.

Jorge de Sousa (relator) - Baeta de Queiroz - Pimenta do Vale.»



([1]) Acórdão STA ¿ Secção de Contencioso Tributário, 26.10.94, processo n.º 17626.

 ([2]) Acórdão citado na nota 1
([3]) Este artigo 31.º passou a ser o art. 28.º, após a renumeração efectuada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho.
([4]) As dúvidas de legalidade que se poderiam suscitar à relevância da opção (independentemente da vinculação da Administração Tributária por informações escritas prestadas aos contribuintes) seriam em relação ao próprio ano de 2001, uma vez que as declarações foram efectuadas depois de 31-3-2001, mas não está em causa no presente processo apreciar essa questão.