Sucursal
23-11-2021
Determinada empresa com sede em Portugal é detentora de uma sucursal na Sérvia.
Pontualmente são efetuadas transferências de bens da sede à sucursal. Estas transferências são acompanhadas de faturas isentas ao abrigo do art.º 14ºº do CIVA.
As faturas são consideradas como rédito na sede e como gasto (matérias-primas e serviços...), na sucursal. Aquando da integração das contas da sucursal e nas operações de fecho devem ser eliminadas estas transações internas?
Considerando a opção do art.º 54.º-A do IRC, e uma vez que o gasto considerado na sucursal irá influenciar o lucro tributável na Sérvia, e consequentemente o de Portugal (uma vez que será deduzido no campo 794 do quadro 07 da declaração modelo 22), existe alguma incompatibilidade na consideração do gasto na sucursal? Qual o procedimento mais correto?
Parecer técnico
A questão colocada refere-se ao tratamento contabilístico e fiscal do exercício de uma atividade económica através de uma sucursal na Sérvia por uma sociedade com sede em Portugal.
As sucursais não têm personalidade jurídica própria e independente da sede da empresa, embora adquiram personalidade tributária no território onde desenvolvem a sua atividade, para a tributação dos rendimentos aí obtidos, nos termos da legislação aplicável.
A criação de uma sucursal da empresa portuguesa na Sérvia determina a existência de um estabelecimento estável nesse país.
A existência de um estabelecimento estável na Sérvia da sociedade portuguesa implica a detenção de personalidade tributária nesse país, e como tal tem de estar registada nesse país como sujeito passivo, sendo-lhe atribuído um número de identificação fiscal sérvio.
Esta qualificação de se deter, ou não, um estabelecimento estável na Sérvia é relevante para efeitos de tributação dos rendimentos obtidos pelo desenvolvimento da atividade da empresa, através da sucursal (ou outro tipo de estabelecimento estável), em sede de imposto sobre o rendimento da Sérvia.
Esse estabelecimento estável terá de cumprir todas as obrigações estabelecidas na legislação sérvia, nomeadamente as obrigações fiscais e contabilísticas.
As obrigações contabilísticas e fiscais na Sérvia estão fora do âmbito de resposta do departamento de consultoria da OCC, devendo consultar a legislação, ou um profissional da área, desse país para poder efetuar o cumprimento dessas obrigações.
Porém, todas as operações efetuadas pelo estabelecimento estável devem ser integradas na contabilidade da empresa que representa (sede), de acordo com as regras da contabilidade onde se situa geograficamente, independentemente das questões fiscais e da eliminação da dupla tributação internacional derivada de eventuais acordos para evitar a dupla tributação que possam existir entre Estados.
Efetivamente, o n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de fevereiro, por remissão do artigo 125.º do Código do IRC (CIRC) refere que a contabilidade deve ser elaborada e estar centralizada em território nacional, abrangendo quer as operações ocorridas em Portugal, quer as realizadas no estrangeiro.
O estabelecimento estável tem de possuir um sistema de contabilidade própria no sentido de permitir o apuramento do lucro tributável da atividade desenvolvida na Sérvia.
Posteriormente esses movimentos contabilísticos do estabelecimento estável são integrados na contabilidade da sede em Portugal, sendo também objeto de tributação, pois relativamente às pessoas coletivas e outras entidades com sede ou direção efetiva em território português, o IRC incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território, de acordo com n.º 1 do artigo 4.º do Código deste imposto, nomeadamente os obtidos pelo estabelecimento estável na Sérvia.
Esta integração deve constituir uma reprodução de todos os movimentos escriturados na contabilidade do estabelecimento estável (na Sérvia) na contabilidade da sede em Portugal.
Existem duas formas de fazer esta integração, ou através de fotocópias dos documentos ou através de um resumo mensal dos movimentos reproduzindo-os nas correspondentes contas, por extração dos balancetes a enviar pelo "estabelecimento estável", acompanhados também de fotocópia dos documentos.
A este respeito, de referir que, embora a Autoridade Tributária e Aduaneira Portuguesa não aceite fotocópias como documentos de suporte aos lançamentos, nesta situação, em concreto, devem ser aceites não só devido à particularidade do caso, como também pelo facto dos originais da documentação terem que ficar no estabelecimento estável para serem presentes à Administração Fiscal sérvia.
Quando o POC se encontrava em vigor, foi publicada uma diretriz contabilística sobre este tema (Diretriz Contabilística n.º 23 - relação entre entidades contabilísticas de uma mesma entidade jurídica), que preceituava:
«A integração dos movimentos contabilísticos da sede e das sucursais, para efeito dos lançamentos periódicos e das demonstrações financeiras globais, deve processar-se mediante a elaboração de mapas de trabalho que evidenciem todas as operações das sucursais e eliminem as operações internas e eventuais resultados derivados das mesmas, designadamente nas transferências de existências.»
Em certa medida, este entendimento permanece válido quando se refere à obrigação de integração de todas as operações das sucursais, eliminação das operações internas e eventuais resultados derivados das mesmas. O que importa ter em conta quanto ao demais – ou seja, a forma como essa integração se processa – é a relevação de todas as operações das sucursais, atendendo a que a contabilidade deve estar apta a ser exportada através do ficheiro normalizado de dados conhecido como SAF-T, nos termos do já citado n.º 8 do artigo 123.º do CIRC.
Em termos fiscais, o artigo 4.º do CIRC refere que «sobre as pessoas coletivas e outras entidades com sede ou direção efetiva em território português, o IRC incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.»
Ou seja, a regra geral de tributação dos rendimentos obtidos em território nacional, opera para os residentes numa base universal (tributa-se a totalidade dos rendimentos obtidos, incluindo os obtidos fora do território nacional); para os não residentes, opera numa base territorial (tributam-se os rendimentos obtidos em território nacional).
Pelo princípio da atração do estabelecimento estável (consignado no n.º 3 do artigo 3.º do Código do IRC português) são certamente imputáveis ao estabelecimento estável na Sérvia as operações praticadas naquele território provenientes de atividades idênticas ou similares às habitualmente realizadas pelo estabelecimento estável, independentemente da faturação ser emitida pela, ou para a, sede ou pelo, ou para o, estabelecimento estável.
Apesar desta tributação na Sérvia, relativamente aos rendimentos obtidos pelo estabelecimento estável ali localizado, nos termos do artigo 91.º do CIRC, a empresa portuguesa pode deduzir à coleta do IRC, o imposto sobre esses rendimentos pago na Sérvia, desde que este não seja superior à fração do IRC, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados.
Atendendo a estas regras contabilísticas e fiscais, os lucros ou prejuízos obtidos por uma empresa portuguesa num estabelecimento estável localizado noutro país, devem ser integrados nos resultados dessa empresa, sendo objeto de sujeição a IRC.
Em termos do preenchimento da declaração de rendimentos modelo 22, não há qualquer distinção entre os rendimentos obtidos no país onde a empresa é residente e os rendimentos obtidos no estabelecimento estável localizado noutro país, devendo o resultado líquido global da empresa ser sujeito a tributação nos termos do CIRC.
Uma das formas de evitar a dupla tributação jurídica internacional, uma vez que os rendimentos atribuídos ao estabelecimento estável na Sérvia também são tributados nesse país, é através da dedução à coleta do imposto pago na Sérvia, conforme o artigo 91.º do CIRC, com a respetiva inclusão desse valor no campo 353 do quadro 10 da declaração modelo 22, com o limite já mencionado.
Nos termos do artigo 68.º do CIRC, quando seja utilizado o crédito de imposto por dupla tributação internacional previsto no artigo 91.º do CIRC, tem-se que acrescer, no campo 724 do quadro 07 da declaração modelo 22, o imposto sobre o rendimento pago na Sérvia (na contabilidade da sede deve estar relevado na conta 812x – Imposto sobre o rendimento do período – Imposto sérvio).
Para além do procedimento para evitar ou atenuar a dupla tributação em imposto sobre o rendimento pelo método do crédito de imposto previsto no artigo 91.º do CIRC, a empresa portuguesa tem a opção de aplicar o método de isenção previsto no artigo 54.º-A do CIRC, como forma alternativa para evitar a dupla tributação relativamente aos rendimentos líquidos obtidos e imputáveis ao estabelecimento estável situado fora do território nacional.
A empresa portuguesa tem, assim, a opção de aplicar o método do crédito de imposto previsto no artigo 91º ou o método de isenção previsto no artigo 54º-A, para os rendimentos obtidos e imputáveis ao estabelecimento estável situado fora do território nacional.
O método de isenção previsto no artigo 54.º-A apenas pode ser aplicado desde que se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:
- Os lucros imputáveis a esse estabelecimento estável estejam sujeitos e não isentos de um imposto referido no artigo 2.º da Diretiva n.º 2011/96/UE, do Conselho, de 30 de novembro (no caso em concreto, do imposto sobre os rendimentos das sociedades sérvias);
- E, esse estabelecimento estável não esteja localizado em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.
A opção do método de isenção deve ser mantida por um período mínimo de três anos, a contar da data em que se inicia a sua aplicação.
Essa opção (ou cessação de aplicação) deve ser efetuada através de envio de declaração de alterações até ao fim do terceiro mês do período de tributação em que se pretende iniciar ou cessar a respetiva aplicação.
Optando-se pela utilização do método de isenção, os lucros (contabilísticos) obtidos e imputáveis ao estabelecimento estável devem ser deduzidos no campo 794 do quadro 07 da declaração modelo 22. Os prejuízos (contabilísticos) obtidos e imputáveis ao estabelecimento estável devem ser acrescidos no campo 787 do quadro 07 da declaração modelo 22.
Em termos de registos contabilísticos, pode-se atender às regras previstas na diretriz contabilística n.º 23/98 – Relações entre entidades contabilísticas de uma mesma entidade jurídica, ainda que esta tenha sido revogada com a entrada em vigor do SNC.
Esta diretriz contabilística refere que os movimentos de fundos iniciais (normalmente dinheiro) efetuados pela sede para o estabelecimento estável, relativos a valores assimiláveis ao capital social desse estabelecimento estável, devem ser registados em subcontas da conta 41 – Investimentos financeiros criadas para o efeito, com a designação de «Estabelecimento estável X», sendo os movimentos de fundos posteriores, por exemplo, a título de reforços de tesouraria, ou outros similares, registados em contas de terceiros, por exemplo, uma subconta da conta 278 – Outros devedores e credores.
Na contabilidade do estabelecimento estável, esses mesmos movimentos de fundos são registados numa conta de capital, com a designação de sede, quando se trate do movimento inicial e dos que tenham características de dotação de capital, sendo os restantes movimentos de fundos registados também numa conta de terceiros (com movimento contrário ao registado na sede).
O objetivo destes registos contabilísticos é que exista uma anulação destes montantes, quando se efetuar a integração da contabilidade do estabelecimento estável na contabilidade da sede.
De referir, que esta integração das contabilidades destas entidades (sede e estabelecimento estável) não é efetuada de acordo com as normas previstas para a consolidação de contas, uma vez que tais normas apenas se devem aplicar quando existam duas entidades claramente independentes, o que não acontece nestes casos, em que se tratam de duas atividades da mesma entidade.
Por outro lado, todos os movimentos comerciais que possam existir entre a sede e o estabelecimento estável, nomeadamente as transferências de inventários e outras operações internas (dentro da empresa), incluindo eventuais resultados derivados dos mesmos, devem ser eliminados por inteiro quando se efetuar essa integração das duas contabilidades.
Para que se consiga efetuar este controlo das operações internas, com o objetivo de preparar as demonstrações financeiras globais da empresa, a ser apresentadas e publicadas em Portugal, mas distinguindo as operações da sede e do estabelecimento estável, a empresa deverá criar subcontas específicas, intituladas «estabelecimento estável» nas contas da classe 3 – Inventários, nomeadamente na conta de compras e nas várias contas de inventários, nas contas da classe 4 – Investimentos e classe 5 – Capital, Reservas e Resultados Transitados, como no exemplo já foi referido em cima, e, ainda, nas contas de gastos e perdas (classe 6) e rendimentos e ganhos (classe 7).
Em termos dos inventários, a empresa deve registar as suas compras de mercadorias e matérias-primas em subcontas separadas da conta 31 – Compras, conforme essas compras sejam destinadas ao armazém da sede ou do estabelecimento estável, sendo posteriormente transferidos esses valores para a respetiva conta de armazém (conta 32 – Mercadorias), de forma a evidenciar as existências existentes no armazém da sede e no armazém do estabelecimento estável.
Assim, numa fase inicial a empresa deve desagregar as compras de mercadorias nas seguintes subcontas da conta 31 - compras, sendo efetuada uma desagregação para as restantes contas da classe 3 – Inventários, como por exemplo:
311.1 – Compras - Mercadorias – Sede
311. 2 – Compras - Mercadorias – Estabelecimento estável.
No caso de existirem transferências de inventários entre o armazém da sede para o armazém do estabelecimento estável, ou vice-versa, nomeadamente quando existam produtos acabados produzidos na sede que tenham como destino a sua utilização na Sérvia, deve ser efetuada uma mera transferência entre contas de inventários (e não uma venda), podendo eventualmente, essa transferência passar pela conta 38 – Reclassificação e regularização de inventários e ativos biológicos, de forma a existir um controlo de tais operações, como por exemplo:
Primeiro, na sede:
- Débito da conta 3821 – Reclassificação e regularização de inventários e ativos biológicos – Mercadorias – Sede;
- Crédito da conta 321 – Mercadorias – Sede, pelo custo das mercadorias do armazém da sede (determinado pela fórmula de custeio utilizada pela entidade).
Este primeiro movimento pode ter como documento de suporte a ordem de encomenda e a guia de transporte destes produtos acabados da sede em Portugal para o armazém na Sérvia (se existir).
É através deste movimento (expedição de bens de fornecedor português para a empresa na Sérvia) que é efetuada a exportação dos bens, da sede da empresa que é um sujeito passivo português, para o estabelecimento estável da mesma empresa que é um sujeito passivo na Sérvia, conforme conceito previsto no art.º 14º do CIVA.
Estas operações devem ser incluídas no campo 8 do Quadro 06 da Declaração periódica de IVA em Portugal, e comprovadas com os respetivos documentos alfandegários, nos termos previstos no n.º 8 do art.º 29.º do CIVA.
As bases tributáveis, destes movimentos de operações assimiladas a transmissões intracomunitária de bens, podem ser retiradas dos movimentos da referida conta 3821 – Reclassificação e regularização de inventários e ativos biológicos – Mercadorias – Sede.
De seguida, na sucursal (estabelecimento estável):
- Débito da conta 322 – Mercadorias – Estabelecimento estável;
- Crédito da conta 3822 – Reclassificação e regularização de inventários e ativos biológicos – Mercadorias – Estabelecimento estável, pelo custo das mercadorias no armazém do estabelecimento estável.
Estes tratamentos em sede de IVA, nomeadamente a consideração da existência de uma exportação de bens em Portugal e importação na Sérvia, apenas ocorrem caso se verifique a expedição física de bens de Portugal para a Sérvia, com destino às necessidades da atividade da empresa na Sérvia (ou seja, para serem vendidos a clientes a partir do estabelecimento na Sérvia).
Em termos globais para a empresa, e quando seja efetuada a integração de movimentos, estes movimentos anulam-se entre si, ficando, no entanto, o respetivo registo para efetuar o referido controlo e, eventual, tributação, a nível de imposto sobre o rendimento e de IVA.
Desta forma, a empresa portuguesa, através do estabelecimento estável sérvio, tem que efetuar a liquidação de IVA sérvio na importação, ao Estado sérvio, aplicando as respetivas taxas previstas na Sérvia para esses bens. Podendo, ao mesmo tempo, efetuar a respetiva dedução de IVA da mesma operação, uma vez que se tratam de aquisições de bens para ser utilizados para venda no âmbito da atividade do estabelecimento estável, se tiver o direito à dedução.