Pareceres
Tratamento contabilístico da aquisição de carteira de clientes
14 Março 2024
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.

Tratamento contabilístico da aquisição de carteira de clientes
PT27903 – fevereiro de 2024

 

Determinado contabilista certificado, em janeiro de 2023, adquiriu a carteira de clientes de um outro contabilista certificado. O valor pago por esta carteira de clientes deve ser amortizado em 10 ou 20 anos? Esta amortização é aceite para efeitos fiscais?

 

Parecer técnico

 

O pedido de parecer está relacionado com o tratamento contabilístico da aquisição de uma carteira de clientes.
Na questão não é referido o normativo contabilístico adotado pela entidade, assim iremos partir do pressuposto que adota as NCRF, ao abrigo das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 98/2015, de 2 de junho ao Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho. Em todo o caso, para a situação em apreço, independentemente da norma contabilística a utilizar.
Nos termos do  parágrafo 49 a) da Estrutura Conceptual do SNC (EC), os ativos são definidos como recursos controlados pela entidade como resultado de acontecimentos passados e dos quais se espera que fluam para a entidade benefícios económicos futuros.
O controlo sobre recursos está, normalmente, associado a direitos legais, incluindo o direito contratual. Ainda assim, para determinar a existência dum ativo, o direito legal sobre determinado contrato não é necessariamente essencial, devendo atender-se à substância económica das operações para além da forma legal.
Se os benefícios económicos associados aos referidos direitos contratuais irão fluir, diretamente ou indiretamente, para a sociedade poderia eventualmente concluir-se que existe algum tipo de controlo da sociedade sobre esses direitos.
O tratamento contabilístico dos ativos intangíveis está previsto na norma contabilística e de relato financeiro (NCRF) n.º 6 - Ativos intangíveis, que estabelece os critérios de reconhecimento e de mensuração, bem como as informações a serem divulgadas, relativas aos dispêndios associados a este tipo de ativos.
Para que um dispêndio possa ser definido como um ativo intangível, há a necessidade do cumprimento de três condições: identificabilidade, controlo e benefícios económicos futuros.
Um ativo intangível satisfaz a condição de identificabilidade quando este for separável do conjunto da entidade, de modo que possa ser vendido, transferido, licenciado, alugado ou trocado, ou então, quando este resultar de direitos contratuais ou legais separáveis da entidade.
Uma entidade controla um ativo se tiver o poder de obter benefícios económicos futuros relacionados diretamente com esse ativo intangível, e possa restringir o acesso de terceiros a esses benefícios. Normalmente, esse poder advém de direitos legais que a empresa possua sobre esse ativo intangível (por exemplo, copyrights).
Os benefícios económicos futuros relacionados com o ativo intangível podem incluir réditos da venda ou prestações de serviços, poupanças de custos ou outros benefícios resultantes do uso desse ativo pela entidade.
Quanto ao critério da identificabilidade e produção de expectativa de obtenção de benefícios económicos futuros, parece não haver dúvidas que no caso em apreço podem estar reunidas as condições. Já quanto ao controlo, a conclusão pode não ser a mesma.
Por exemplo, no caso dos contratos com os clientes, estes apenas podem cumprir a definição de ativo intangível quando em resultado de direitos legais ou contratuais, a sociedade em causa possa manter o controlo do relacionamento com esses clientes ou a sua fidelidade para com a empresa, de forma a garantir que os benefícios económicos futuros relacionados com esses clientes continuem a fluir para a empresa, conforme determina a parte inicial do parágrafo 16 da NCRF 6.
Os meros esforços para criar tais relacionamentos e fidelização com os clientes (se não existirem contratos ou legislação que force a manutenção desses clientes), apesar de poder gerar potenciais benefícios económicos, não determinam que a empresa detenha controlo sobre esses clientes, pelo que não está cumprido um dos elementos da definição como ativo intangível.
A parte final do parágrafo 16 da NCRF 6 estabelece também que, ainda que não existam os direitos legais ou contratuais que protejam e mantenham o relacionamento com os clientes, caso existam operações (transações) de compra e venda frequentes desse tipo de contratos de clientes tal pode constituir prova de que a empresa está capacitada para controlar os benefícios económicos futuros esperados que fluam dos relacionamentos com os clientes.
Tal como já referido, cabe ao órgão de gestão da empresa efetuar julgamentos e juízos de valor sobre a operação em causa, para perceber se, não existindo contratos ou legislação que obrigue os clientes a manter as relações com a empresa adquirente (dos contratos), pela existência de operações de compra e venda de contratos de clientes que habitualmente são efetuadas, é mais provável do que não, que de esses clientes continuem os seus relacionamentos com a empresa adquirente.
Como critério geral de reconhecimento dos ativos intangíveis, a NCRF 6 estabelece que estes apenas devem ser reconhecidos como tal, quando seja provável que os benefícios económicos futuros relacionados diretamente com esse ativo intangível fluam para a entidade, e quando o custo desse ativo possa ser fiavelmente mensurado.
Em termos de momentos de reconhecimento, bem como de mensuração, há que atender às diferentes situações em que se pode estar perante um ativo intangível.
Em relação aos dispêndios com a aquisição de contratos com os clientes, assumimos que estamos perante uma carteira de clientes, pelo que, há que considerar as seguintes situações em que se possa, ou não, estar perante um ativo intangível: aquisição separada, aquisição numa concentração empresarial ou ativos gerados internamente.
De referir que a NCRF 6 estabelece as carteiras de clientes como os esforços para criar relacionamentos e fidelizar clientes, para que estes continuem a negociar com a empresa.
Quando uma entidade decide adquirir separadamente uma carteira de clientes, não adquirindo, portanto, o resto do património da empresa, pagando para o efeito um preço estabelecido pelo vendedor por tal recurso intangível, está a prever que esse valor pago irá gerar benefícios económicos futuros para a entidade.
Desta forma, o primeiro critério de reconhecimento de um ativo intangível está sempre cumprido neste tipo de situações, uma vez que a probabilidade de que fluam benefícios económicos futuros para entidade está refletida no custo do ativo intangível, ou seja, no respetivo dispêndio incorrido.
Por outro lado, o custo desse ativo intangível adquirido separadamente da entidade pode ser mensurado com fiabilidade, uma vez que esse custo normalmente está definido em dinheiro ou em outros ativos cedidos, cumprindo, assim, o segundo critério de reconhecimento dos ativos intangíveis.
Em termos de mensuração, o ativo intangível deve ser registado inicialmente pelo seu custo, que inclui o preço de compra líquido de descontos, despesas acessórias e outros custos diretos necessários à preparação do ativo para ser usado pela entidade, ficando, de seguida, sujeito a depreciações e a imparidades.
Conclui-se, desta forma, que se a carteira de clientes for adquirida a uma outra entidade separadamente, ou seja, não seja adquirida em conjunto com o restante património, esta pode eventualmente ser registada pela entidade adquirente como um ativo intangível, uma vez que os critérios de reconhecimento estão em princípio cumpridos.
No caso de estarem cumpridos os critérios, o registo contabilístico da aquisição da carteira de clientes deverá ser efetuado na conta 44x - Ativos intangíveis.
Caso um dos critérios para o reconhecimento do ativo intangível não seja cumprido, a aquisição da carteira de clientes não pode ser reconhecida como ativo intangível. Nestas circunstâncias, a aquisição da carteira de clientes deve ser reconhecida como um gasto do período em que for incorrido (conta 688 - Outros gastos).
Em termos de mensuração subsequente do ativo intangível, em termos de amortização, há que avaliar a existência de vida útil finita para determinar a quantia amortizável da carteira de clientes (ver parágrafos 72 a 106 da NCRF 6).
Quando a vida útil do ativo intangível dependa de direitos contratuais ou de outros direitos legais (por exemplo, carteiras de clientes), a vida útil é definida até ao período prevista para o exercício desses direitos contratuais ou legais.
No caso desses direitos contratuais ou legais de utilização da carteira de clientes forem adquiridos por um prazo limitado que possa ser renovado, a vida útil da carteira de clientes deve incluir esse(s) período(s) de renovação, mas apenas se existir evidência que suporte a renovação pela entidade sem um custo significativo.
Se não for possível determinar com fiabilidade a vida útil da carteira de clientes, tendo uma vida útil indefinida, esse ativo intangível deve ser amortizado em dez anos, conforme o parágrafo 105 da NCRF 6.
Em termos fiscais, o artigo 16.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro estabelece que são aceites como gastos fiscais as amortizações de ativos intangíveis sujeitos a deperecimento, nomeadamente quando tenham uma vigência temporal limitada.
A carteira de clientes, por exemplo, pode ser enquadrada na alínea b) do n.º 2 do artigo 16.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, desde que se possa determinar com segurança que os contratos com os clientes tenham um período limitado de tempo.
A taxa de amortização fiscal deve ser determinada em função desse período limitado de utilização da carteira de clientes, tal como previsto no código 2475 da tabela II das taxas genéricas (anexo ao Decreto Regulamentar n.º 25/2009).
Se os ativos intangíveis não tiverem uma vigência temporal limitada, não é possível determinar uma vida útil, havendo a amortização no período máximo de 10 anos.
Essa amortização não é aceite fiscalmente, pois não resulta de um ativo intangível sujeito a deperecimento, ou seja, não possui uma vigência temporal limitada.
Nesse caso, a entidade pode efetuar uma dedução fiscal, em partes iguais, durante os primeiros 20 períodos de tributação após o reconhecimento inicial, do custo de aquisição da carteira de clientes, conforme o n.º 1 do artigo 45.º-A do CIRC.
Voltamos a dar nota que, caso um dos critérios para o reconhecimento do ativo intangível não seja cumprido, os dispêndios não poderão ser reconhecidos como ativo intangível. Nestas circunstâncias, devem ser reconhecidos como um gasto do período em que for incorrido (conta 688 - Outros gastos).