PT23230 – Vendas à consignação
14-08-2019
Uma micro entidade que faz confeção de vestuário, cuja atividade de confeção só deu início este ano, não tem inventario permanente, fez uma serie de vestidos e enviou à consignação para uma loja, para tal emitiu uma fatura á consignação não sujeita a IVA.
A minha questão coloca-se em como devo contabilizar esta fatura à consignação, quando eu neste momento na contabilidade apenas tenho compras de matérias-primas, e não tenho nenhum valor em produtos acabados em armazém.
Inicialmente pensei que deveria lançar 346-produtos em poder de terceiros a 341 - produtos acabados em armazém - mas conta 341 vai ficar credora porque não vou ter nada contabilizado em produtos em armazém. Será que o mais correto seria lançar 384 a 346?
Mas se o produto acabado for devolvido pela loja por não ter sido vendido, que regularização devo fazer? Porque se regularizo 346 por 341 vou ter um valor de produtos em armazém que apenas vai dizer respeito aos produtos devolvidos, mas eu posso ter mais produtos acabados em armazém.
E se o produto acabado for vendido, que regularização se deve fazer?
A questão prende-se com o fato de ter matérias-primas e produtos acabados que não estão inventariados porque a empresa não tem inventário permanente.
Parecer técnico
Na questão em apreço, estamos na presença de uma empresa na área da confeção de vestuário, que executou vestidos e envio-os à consignação para determinada loja. É-nos referido que a empresa em causa não tem sistema inventário permanente.
Face ao exposto é-nos questionado o enquadramento contabilístico a efetuar por parte da empresa de confeção.
Começamos por referir que nos termos do n.º 5 do artigo 7.º do Código do IVA (CIVA), nos bens enviados à consignação o imposto só é devido e exigível no momento em que o consignatário os puser à disposição do adquirente, isto é, quando os bens forem efetivamente vendidos.
Se esses bens entregues à consignação não forem vendidos, nem devolvidos ao fornecedor, o IVA é devido e exigível no prazo de um ano a contar da data da entrega ao destinatário, dessas mercadorias enviadas à consignação, conforme o n.º 6 do artigo 7.º do CIVA.
Assim, estabelece o n.º 1 do artigo 38.º do Código que, "No caso de entrega de mercadorias à consignação, procede-se à emissão de faturas no prazo de cinco dias úteis a contar:
a) Do momento do envio das mercadorias à consignação;
b) Do momento em que, relativamente a tais mercadorias, o imposto é devido e exigível nos termos dos n.ºs 5 e 6 do artigo 7.º.
Face ao disposto, os bens enviados à consignação vão em suspensão de imposto (sem liquidação do IVA), devendo a respetiva fatura fazer referência que são mercadorias à consignação e colocando-se uma menção pela não aplicação de IVA ("Não tributável nos termos do n.º 5 e 6 do artigo 7.º do CIVA").
Essa fatura de entregas de bens à consignação pode ser processada através de uma série especial de faturação, para a diferenciar das faturas das vendas efetivas, devendo ser emitida até ao 5.º dia útil seguinte a essa entrega de mercadorias à consignação.
Quando as mercadorias são efetivamente vendidas pelo consignatário ou for atingido o prazo previsto de 1 ano sem que essas mercadorias tenham sido vendidas ou devolvidas, o consignante (fornecedor – empresa de confeção) está obrigado à emissão da fatura definitiva ao consignatário (alínea b) do n.º 1 do artigo 38.º), liquidando o IVA à respetiva taxa.
Essa fatura definitiva deve fazer menção à fatura emitida pela entrega dos bens à consignação.
Essa fatura definitiva deve incluir os bens entregues à consignação, agora vendidos (ou após se ter atingido o prazo de 1 ano da entrega à consignação), sendo emitida nos termos gerais do CIVA, com a menção expressa à fatura inicial da entrega dos bens à consignação.
Em termos contabilísticos, o parágrafo 12.1 da Norma Contabilística para as Microentidades refere o tratamento contabilístico do rédito proveniente da venda de bens, prestação de serviços e uso por outros de ativos da entidade que produzam juros, royalties e dividendos
O rédito é reconhecido quando for provável que benefícios económicos futuros fluirão para a entidade e esses benefícios possam ser fiavelmente mensurados.
Esta Norma identifica as circunstâncias em que estes critérios serão satisfeitos e, por isso, o rédito será reconhecido.
No caso da venda de bens, de acordo com o parágrafo 12.4 da Norma, o rédito deve ser reconhecido quando tiverem sido satisfeitas todas as condições seguintes:
- A entidade tenha transferido para o comprador os riscos e vantagens significativos da propriedade dos bens;
- A entidade não mantenha envolvimento continuado de gestão com grau geralmente associado com a posse, nem o controlo efetivo dos bens vendidos;
- A quantia do rédito possa ser fiavelmente mensurada;
- Seja provável que os benefícios económicos associados com a transação fluam para a entidade; e
- Os custos incorridos ou a serem incorridos referentes à transação possam ser fiavelmente mensurados.
No caso de vendas à consignação, o consignante (o proprietário dos bens) reconhece, contabilisticamente, o rédito, quando reunidos todos os requisitos acima explanados, ou seja, só deve reconhecer o rédito aquando da venda pelo consignatário, pois é nesse momento que satisfaz todos os critérios contabilísticos de reconhecimento do rédito, nomeadamente, a transferência para o comprador de todos os riscos e vantagens inerentes à propriedade do bem.
Para que se possa proceder à contabilização dos bens efetivamente já vendidos pelo consignatário, existirá a necessidade de efetuar uma prestação de contas entre ambos os intervenientes (consignante e consignatário), de forma a estabelecer quais os valores a contabilizar como rédito pela venda de bens, e quais os valores que devem constar da conta "Mercadorias em poder de terceiros".
Esta transferência de bens através da consignação deve ser contabilizada na contabilidade do consignante, pela simples transferência entre contas de inventários, mas apenas quando o consignante estiver a utilizar o sistema de inventário permanente (débito da conta 33.6 - Produtos em poder de terceiros, por contrapartida a crédito da conta 33.1 - Produtos– Armazém), o que não se aplica no caso em apreço.
No caso do consignante estar a utilizar o sistema de inventário intermitente, não efetua o referido registo contabilístico no momento da saída dos bens para o consignatário, apenas deve ser efetuado um controlo extracontabilístico, em termos dos seus stocks, nomeadamente através dos documentos de saídas de bens do armazém para o armazém do consignatário, no sentido de obter informação atualizada sobre as quantidades transferidas para o consignatário (uma vez que não há controlo contabilístico).
Este controlo extracontabilístico dos stocks pode ser efetuado através de um programa informático de stocks, com a emissão dos referidos documentos de saída dos bens para o consignatário.
No final do ano, após a contagem física dos bens em poder de terceiros e dos restantes bens em armazém do consignante, que deve ter um caráter obrigatório no Sistema de Inventário Intermitente, serão efetuados os seguintes registos contabilísticos:
Pelas entregas de bens em consignação:
- Débito da conta 336 - Produtos em poder de terceiros, por contrapartida a crédito da conta 341 – Produtos acabados em armazém, pelo valor do stock final resultante da contagem física.
De seguida, efetua-se a anulação do valor que eventualmente tenha transitado do período anterior da conta 336 - Produtos em poder de terceiros:
- Débito da conta 61 - Custo das Mercadorias Vendidas e Matérias Consumidas (CMVMC), por contrapartida a crédito da conta 336 - Produtos em poder de terceiros, pelo valor do stock inicial desses bens (inventário final do período anterior).
- A conta 341 – Produtos acabados em armazém será creditada pelo valor das existências iniciais e debitada pelo valor das existências finais em contrapartida da conta 81 Resultados operacionais.
Desta forma, conseguirá efetuar o apuramento do Custo das Mercadorias Vendidas e Matérias Consumidas (CMVMC), efetuando os cálculos habitualmente realizados no final do ano, tendo em conta, os bens efetivamente vendidos pelo consignatário e os bens eventualmente devolvidos ao consignante.
Aquando da fatura definitiva, a contabilização ocorre normalmente, como se de uma venda normal se tratasse:
Débito da conta 211- Clientes c/c
A Crédito da conta 711- Mercadorias e 2433 – IVA Liquidado.