Pareceres
Desreconhecimento de ativos intangíveis
17 Janeiro 2025
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.


Desreconhecimento de ativos intangíveis
PT28309 – setembro de 2024

 

Uma empresa com atividade de programação informática esteve durante cerca de um ano a desenvolver uma plataforma/tokens de criptomoedas. Para isso afetou ao projeto trabalhadores da empresa e subcontratou serviços a freelancers e entidades da área.
Estes custos suportados pela empresa, incluindo registo de marcas, foram contabilizados em ativos intangíveis em curso, pois o projeto ainda não terminou.
No entanto, no decorrer deste ano, a empresa passou por um incidente que fez com houvesse uma desvalorização da rede, onde as próprias marcas já registadas perderam praticamente todo o valor que tinham adquirido ao longo do projeto.
Com isto tudo, a única solução viável foi encerrar o projeto.
Neste momento, temos a desvalorização total do projeto, um software desenvolvido que deixou de ter qualquer utilidade possível em consonância com a desvalorização da marca utilizada.
A empresa tem registado um ativo que neste momento não gera quaisquer benefícios económicos futuros (por abandono completo do mercado).
Deve ser desreconhecido este ativo? Se sim, como? Pode ser constituída uma imparidade? Em caso afirmativo, qual o suporte documental para justificar todos estes registos?
Como referência, informa-se que a empresa disponibilizou documentação de suporte aos factos através do acesso a links que evidenciam o relatório técnico do incidente, incluindo a linha temporal dos eventos, anúncio onde é dito que o projeto irá encerrar.

 

Parecer técnico

 

Não é indicado qual o referencial contabilístico aplicável na entidade em causa, pelo que, nas considerações que faremos, tomaremos por base o regime geral do SNC. De todo o modo, neste caso em concreto, a adoção de diferentes níveis de normalização contabilística não alteraria o sentido do nosso parecer.
Nos termos do parágrafo 8 da NCRF 6 - Ativos intangíveis, um ativo intangível é um ativo não monetário identificável sem substância física.
Um ativo intangível é identificável se (parágrafo 12 da NCRF 6):
- For separável, ou seja, capaz de ser separado ou dividido da entidade e vendido, transferido, licenciado, alugado ou trocado, seja individualmente ou em conjunto com um contrato, ativo ou passivo relacionado, independentemente da intenção da entidade de o fazer; ou
- Resultar de direitos contratuais ou de outros direitos legais, independentemente desses direitos serem transferíveis ou separáveis da entidade ou de outros direitos e obrigações.
Uma entidade controla um ativo se tiver o poder de obter benefícios económicos futuros que fluam do recurso subjacente e puder restringir o acesso de outros a esses benefícios. A capacidade de uma entidade de controlar os benefícios económicos futuros de um ativo intangível enraíza-se nos direitos legais que sejam de cumprimento forçado por um tribunal. Na ausência de direitos legais, é mais difícil demonstrar o controlo sobre o ativo. Porém, o cumprimento legal de um direito não é uma condição necessária para o controlo porque uma entidade pode ser capaz de controlar os benefícios económicos futuros de alguma outra maneira (parágrafo 13 da NCRF 6).
De acordo com as definições que constam no parágrafo 8 da NCRF 6:
- Pesquisa é a investigação original e planeada levada a efeito com a perspetiva de obter novos conhecimentos científicos ou técnicos;
- Desenvolvimento é a aplicação das descobertas derivadas da pesquisa ou de outros conhecimentos a um plano ou conceção para a produção de materiais, mecanismos, aparelhos, processos, sistemas ou serviços, novos ou substancialmente melhorados, antes do início da produção comercial ou uso.
Um ativo intangível proveniente de desenvolvimento (ou da fase de desenvolvimento de um projeto interno) deve ser reconhecido se, e apenas se, uma entidade puder demonstrar tudo o que se segue (parágrafo  55 da NCRF 6):
- A viabilidade técnica de concluir o ativo intangível a fim de que o mesmo esteja disponível para uso ou venda;
- A sua intenção de concluir o ativo intangível e usá-lo ou vendê-lo;
- A sua capacidade de usar ou vender o ativo intangível;
- A forma como o ativo intangível gerará prováveis benefícios económicos futuros. Entre outras coisas, a entidade pode demonstrar a existência de um mercado para a produção do ativo intangível ou para o próprio ativo intangível ou, se for para ser usado internamente, a utilidade do ativo intangível;
- A disponibilidade de adequados recursos técnicos, financeiros e outros para concluir o desenvolvimento e usar ou vender o ativo intangível; e
- A sua capacidade para mensurar fiavelmente o dispêndio atribuível ao ativo intangível durante a sua fase de desenvolvimento.
Notamos que nenhum ativo intangível proveniente de pesquisa (ou da fase de pesquisa de um projeto interno) deve ser reconhecido. O dispêndio com pesquisa (ou da fase de pesquisa de um projeto interno) deve ser reconhecido como um gasto quando for incorrido (parágrafo 52 da NCRF 6).
Na fase de pesquisa de um projeto interno, uma entidade não pode demonstrar que existe um ativo intangível que irá gerar benefícios económicos futuros prováveis. Por isso, este dispêndio é reconhecido como um gasto quando for incorrido (parágrafo 53 da NCRF 6).
Exemplos de atividades de pesquisa são (parágrafo 54 da NCRF 6):
- Atividades visando a obtenção de novos conhecimentos;
- A procura de, avaliação e seleção final de, aplicações das descobertas de pesquisa ou de outros conhecimentos;
- A procura de alternativas para materiais, aparelhos, produtos, processos, sistemas ou serviços; e
- A formulação, conceção, avaliação e seleção final de possíveis alternativas de materiais, aparelhos, produtos, processos, sistemas ou serviços novos ou melhorados.
Exemplos de atividades de desenvolvimento são (parágrafo 57 da NCRF 6):
- A conceção, construção e teste de protótipos e modelos de pré-produção ou de pré-uso;
- A conceção de ferramentas, utensílios, moldes e suportes envolvendo nova tecnologia;
- A conceção, construção e operação de uma fábrica piloto que não seja de uma escala económica exequível para produção comercial; e
- A conceção, construção e teste de uma alternativa escolhida para materiais, aparelhos, produtos, processos, sistemas ou serviços novos ou melhorados.
Os sistemas de custeio de uma entidade podem muitas vezes mensurar com fiabilidade o custo de gerar internamente um ativo intangível, tais como os ordenados e outros dispêndios incorridos para assegurar copyrights ou licenças ou para desenvolver software de computadores (parágrafo 60 da NCRF 6).
Acrescente-se que o dispêndio com um item intangível que tenha sido inicialmente reconhecido como um gasto não deve ser reconhecido como parte do custo de um ativo intangível em data posterior (parágrafo 69 da NCRF 6).
Os encargos associados como atividades de pesquisa devem ser reconhecidos como gasto no período a que respeitam, não se admitindo, assim, a sua capitalização como ativo. Já relativamente aos encargos suportados (reconhecidos como gasto) com despesas de desenvolvimento, pressupondo que estarão reunidas as condições para qualificar esses dispêndios como ativos intangíveis (nomeadamente as condições previstas no parágrafo 55 da NCRF 6), contabilisticamente poder-se-á debitar a conta 454 - Investimentos em curso - Ativos intangíveis em curso, ou a conta 442 - Ativos intangíveis - Projetos de desenvolvimento, em contrapartida (a crédito) da conta 742 - Trabalhos para a própria entidade - Ativos intangíveis.
No caso apresentado, supomos que a capitalização dos encargos suportados com o desenvolvimento da plataforma tenha sido devidamente fundamentada. No entanto, terá ocorrido um incidente que determinou a desvalorização do software, tendo a única solução viável sido o encerramento do projeto de desenvolvimento.
Para determinar se um ativo intangível está com imparidade, uma entidade aplica a NCRF 12 - Imparidade de ativos (parágrafo 107 da NCRF 6).
Perda por imparidade é o excedente da quantia escriturada de um ativo, ou de uma unidade geradora de caixa, em relação à sua quantia recuperável.
Uma entidade deve avaliar em cada data de relato se há qualquer indicação de que um ativo possa estar com imparidade. Se existir qualquer indicação, a entidade deve estimar a quantia recuperável do ativo (parágrafo 5 da NCRF 12), que é definida como a quantia mais alta entre o justo valor de um ativo, ou de uma unidade geradora de caixa, menos os custos de alienação e o seu valor de uso.
O «justo valor menos os custos de alienação» é a quantia a obter da venda de um ativo ou unidade geradora de caixa numa transação entre partes conhecedoras e dispostas a isso, sem qualquer relacionamento entre elas, menos os custos de alienação.
O «valor de uso» é o valor presente dos fluxos de caixa futuros estimados, que se espere surjam do uso continuado de um ativo ou unidade geradora de caixa e da sua alienação no fim da sua vida útil.
Se, e apenas se, a quantia recuperável de um ativo for menor do que a sua quantia escriturada, a quantia escriturada do ativo deve ser reduzida para a sua quantia recuperável. Esta redução é uma perda por imparidade (parágrafo 27 da NCRF 12).
Uma perda por imparidade deve ser imediatamente reconhecida nos resultados, a não ser que o ativo seja escriturado pela quantia revalorizada de acordo com uma outra norma. Qualquer perda por imparidade de um ativo revalorizado deve ser tratada como decréscimo de revalorização de acordo com essa outra norma (parágrafo 28 da NCRF 12).
Após o reconhecimento de uma perda por imparidade, a depreciação/amortização do ativo deve ser ajustada nos períodos futuros para imputar a quantia escriturada revista do ativo, menos o seu valor residual (se o houver) numa base sistemática, durante a sua vida útil remanescente (parágrafo 30 da NCRF 12).
Ora, considerando o caso apresentado, a quantia escriturada dos ativos intangíveis em curso será objetivamente superior à sua quantia recuperável, que será igual a zero, razão pela qual poderiam estar reunidas as condições para se proceder ao reconhecimento de uma perda por imparidade. Contabilisticamente, pelo reconhecimento da perda por imparidade, debitar-se-ia a conta 657 - Perdas por imparidade - Em investimentos em curso, e creditar-se-ia a conta 459 - Investimentos em curso - Perdas por imparidade acumuladas.
Devemos relevar, no entanto, que, de acordo com o parágrafo 108 da NCRF 6, um ativo intangível deve ser desreconhecido:
- No momento da alienação; ou
- Quando não se esperam futuros benefícios económicos do seu uso ou alienação.
O ganho ou perda decorrente do desreconhecimento de um ativo intangível deve ser determinado como a diferença entre os proventos líquidos da alienação, se os houver, e a quantia escriturada do ativo (parágrafo 109 da NCRF 6).
Consequentemente, se, como nos parece que corresponderá ao caso apresentado, for entendido que o projeto de desenvolvimento está definitivamente encerrado, não se esperando quaisquer benefícios económicos futuros do seu uso ou alienação, poder-se-á, ao invés de reconhecer uma perda por imparidade, proceder ao desreconhecimento do ativo intangível. Neste caso, contabilisticamente poder-se-á debitar a conta 6873 - Outros gastos - Gastos em investimentos não financeiros - Abates e creditar a conta 454 - Investimentos em curso - Ativos intangíveis em curso.
Por fim, entendemos que os documentos indicados serão suficientes e apropriados para justificar, contabilisticamente, o desreconhecimento do ativo.
O enquadramento fiscal associado ao desreconhecimento/abate contabilístico de ativos não correntes (com natureza tangível ou intangível) encontra-se expressamente previsto no artigo 31.º-B do Código do IRC, com a epígrafe «Perdas por imparidade em ativos não correntes». Nestas situações, a perda por imparidade ou o gasto decorrente do abate que venha a ser reconhecido apenas será fiscalmente dedutível, em sede de IRC, desde que cumpridas determinadas formalidades.
Todavia, as obrigações de índole declarativa previstas no normativo em referência, apesar de se aplicarem igualmente às desvalorizações excecionais de ativos intangíveis, não têm em consideração a efetiva natureza destes ativos, nomeadamente o facto de o seu caráter desmaterializado não permitir, na maioria dos casos, efetivar o seu abate físico, desmantelamento, abandono ou inutilização, sendo por isso inviável comunicar esse facto de forma antecipada à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
No caso dos ativos intangíveis, entendemos que os formalismos previstos no artigo 31.º-B do Código do IRC, dos quais depende a dedutibilidade fiscal do gasto associado ao seu desreconhecimento, deverão ser cumpridos com as necessárias adaptações, tendo em consideração a natureza específica das desvalorizações excecionais verificadas nestes elementos.
Assim sendo, caso a entidade pretenda salvaguardar a dedutibilidade fiscal do gasto associado ao desreconhecimento do ativo intangível, entendemos que devem adotar os seguintes procedimentos:
- Comunicar ao serviço de finanças da área da sede da entidade que se irá proceder ao desreconhecimento do ativo intangível, manifestando desde logo a disponibilidade (podendo desde logo ser sugerida uma data indicativa) para receber os técnicos da AT nas suas instalações, por forma a comprovarem a natureza e valor (contabilístico e fiscal) dos elementos a desreconhecer.
- Não ocorrendo um efetivo abate físico, desmantelamento, abandono ou inutilização do ativo, como data de referência a considerar para a comunicação, a realizar com 15 dias de antecedência ao serviço de finanças competente, entendemos que este prazo poderá ser cumprido tendo por referência a data prevista para o desreconhecimento contabilístico.
- Posteriormente, dever-se-á solicitar a aceitação da desvalorização excecional, mediante exposição devidamente fundamentada e dirigida à AT, a apresentar até 31 de janeiro do ano seguinte ao da ocorrência dos factos que determinaram as desvalorizações excecionais.