Pareceres
IRC - dupla tributação internacional
16 Janeiro 2025
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.


IRC - dupla tributação internacional
PT28308 – setembro de 2024

 

Determinado sujeito passivo de IRC, residente em Portugal, constituiu um contrato de suprimentos com o seu acionista único, não residente em território nacional. Tal contrato prevê que, no final de cada ano civil, o valor de juros calculados se incorpore no valor em dívida, ou seja, convertendo-se os mesmos em suprimentos.
Perante tal situação, considera-se que os juros ficam vencidos na data de conversão em suprimentos ou se tal situação depende do tipo de contrato celebrado, nomeadamente se o acionista tem ou não a possibilidade imediata de reaver o valor de juros convertido em dívida?
Tal prende-se com a aplicação dos mecanismos necessários para evitar a dupla tributação e aplicação da diretiva europeia relativamente à dispensa de retenção na fonte.

 

Parecer técnico

 

Nos termos do artigo 243.º do Código das Sociedades Comerciais, considera-se contrato de suprimento o contrato pelo qual o sócio empresta à sociedade dinheiro ou outra coisa fungível, ficando aquela obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade, ou pelo qual o sócio convenciona com a sociedade o diferimento do vencimento de créditos seus sobre ela, desde que, em qualquer dos casos, o crédito fique tendo caráter de permanência. Constitui índice do caráter de permanência a estipulação de um prazo de reembolso superior a um ano, quer tal estipulação seja contemporânea da constituição do crédito quer seja posterior a esta.
Os contratos de suprimento não carecem de deliberação prévia de consentimento dos sócios, nem em sede de contrato de sociedade nem em sede de assembleia-geral, exceto nos casos em que o contrato de sociedade assim o determine. Também não necessitam de registo na conservatória.
Os suprimentos podem ou não vencer juros. De acordo com a alínea m) do n.º 1 do artigo 23.º-A do Código do IRC não são aceites fiscalmente os gastos com os juros e outras formas de remuneração de suprimentos e empréstimos feitos pelos sócios à sociedade, na parte em que excedam a taxa definida por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, salvo no caso de se aplicar o regime estabelecido no artigo 63.º do Código do IRC.
Aplicando-se o artigo 63.º do Código do IRC, que institui o regime dos preços de transferência, deverão prevalecer os termos e condições que seriam normalmente contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.
Considera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, direta ou indiretamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre uma entidade e os titulares do respetivo capital, ou os cônjuges, ascendentes ou descendentes destes, que detenham, direta ou indiretamente, uma participação não inferior a 20 por cento do capital ou dos direitos de voto [alínea a) do n.º 4 do artigo 63.º do Código do IRC].
A portaria a que faz referência a alínea m) do n.º 1 do artigo 23.º-A do Código do IRC é a Portaria n.º 279/2014, de 30 de dezembro, a qual define o valor limite da remuneração de suprimentos e empréstimos feitos pelos sócios à sociedade a aceitar como gasto fiscal, aplicando-se dois limites distintos:
- Sempre que se trate de juros e outras formas de remuneração de suprimentos e empréstimos feitos pelos sócios a micro, pequenas ou médias empresas (PME), tal como definidas no anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, é fixado em seis por cento o spread a acrescer à taxa Euribor a 12 meses do dia da constituição da dívida;
- Nos restantes casos, o limite é fixado em dois por cento o spread a acrescer à taxa Euribor a 12 meses do dia da constituição da dívida.
Tratando-se de empréstimos entre entidades com relações especiais nos termos do artigo 63.º do Código do IRC, o que ocorre, claramente, na situação apresentada, para a aceitação fiscal dos juros reconhecidos não se aplicarão as taxas mencionadas na portaria a que fizemos referência. Assim sendo, a dedutibilidade fiscal dos gastos com juros suportados dependerá da definição de taxas de juro «normalmente contratadas, aceites e praticadas entre entidades independentes em operações comparáveis.»
A alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IRC determina que são sujeitos passivos de IRC as entidades, com ou sem personalidade jurídica, que não tenham sede nem direção efetiva em território português e cujos rendimentos nele obtidos não estejam sujeitos a IRS. O n.º 2 do artigo 4.º do Código do IRC estabelece que as pessoas coletivas e outras entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos.
Consideram-se obtidos em território português os rendimentos imputáveis a estabelecimento estável aí situado e, bem assim, os que, não se encontrando nessas condições, se encontrem expressamente referidos na alínea c) do n.º 3 do artigo 4.º do Código do IRC, cujo devedor tenha residência, sede ou direção efetiva em território português ou cujo pagamento seja imputável a um estabelecimento estável nele situado. Ora, nos termos da subalínea 3) da alínea c) do n.º 3 do artigo 4.º do Código do IRC, consideram-se obtidos em território português os rendimentos de aplicação de capitais cujo devedor tenha residência, sede ou direção efetiva em território português. O elemento de conexão, neste caso, corresponde ao local da fonte financeira, ou seja, o local da entidade devedora/pagadora dos rendimentos.
Não obstante a legislação nacional impor a tributação do rendimento em causa, importará sempre, quando estamos perante transações internacionais, aferir a existência, ou não, de acordo internacional. O artigo 98.º do Código do IRC prevê uma dispensa de efetuar retenção na fonte, no todo ou em parte, consoante os casos, relativamente aos rendimentos referidos no n.º 1 do artigo 94.º do Código do IRC quando, por força de uma convenção destinada a evitar a dupla tributação (CDT) ou de um outro acordo de direito internacional que vincule o Estado Português ou de legislação interna, a competência para a tributação dos rendimentos auferidos por uma entidade que não tenha a sede nem direção efetiva em território português e aí não possua estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis não seja atribuída ao Estado da fonte ou o seja apenas de forma limitada.
Quando for possível, poderá aplicar-se a isenção de IRC prevista na diretiva n.º 2003/49/CE, do Conselho, de 3 de junho, a qual está transposta nos números 12 a 16 do artigo 14.º do Código do IRC. Nos termos do n.º 12 do artigo 14.º do Código do IRC, estão isentos de IRC os juros e royalties, cujo beneficiário efetivo seja uma sociedade de outro Estado-membro da União Europeia ou um estabelecimento estável situado noutro Estado-membro de uma sociedade de um Estado-membro, devidos ou pagos por sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, cooperativas e empresas públicas residentes em território português ou por um estabelecimento estável aí situado de uma sociedade de outro Estado-membro, desde que verificados os termos, requisitos e condições estabelecidos na Diretiva n.º 2003/49/CE.
Os juros pagos a uma entidade sediada noutro Estado-membro podem assim ficar isentos em Portugal, não havendo que efetuar qualquer retenção na fonte, quando estejam cumpridos os requisitos e condições previstos no n.º 13 do artigo 14.º do Código do IRC, nomeadamente por se tratar de uma participação qualificada. Fazem parte dessas condições, nomeadamente, a existência de uma participação de, pelo menos, 25 por cento do capital da outra sociedade e a participação ter sido detida, de modo ininterrupto, durante os dois anos anteriores à data em que se verifica a obrigação de efetuar a retenção na fonte.
A alínea c) do n.º 1 do artigo 94.º do Código do IRC determina que estão sujeitos a retenção na fonte, à taxa de 25 por cento, os rendimentos de aplicação de capitais não abrangidos nas alíneas a) e b) e os rendimentos prediais, tal como são definidos para efeitos de IRS, quando o seu devedor seja sujeito passivo de IRC ou quando os mesmos constituam encargo relativo à atividade empresarial ou profissional de sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade.
De acordo com o n.º 6 do artigo 94.º do Código do IRC, a obrigação de efetuar a retenção na fonte ocorre na data que estiver estabelecida para obrigação idêntica no Código do IRS ou, na sua falta, na data da colocação à disposição dos rendimentos. Assim, o facto gerador que determina a obrigação de se efetuar a retenção na fonte, no caso de juros, não ocorre no pagamento, mas sim no vencimento que estiver contratualmente estabelecido, por força do disposto na alínea c) do n.º 1 e no n.º 6, ambos do artigo 94.º do Código do IRC, conjugados com o artigo 7.º do Código do IRS.
Consequentemente, ainda que, no caso apresentado, os juros sejam capitalizados na dívida (aumento do passivo financeiro), dado que os juros se vencem (ainda que não sejam pagos) no final de cada ano civil, entendemos que será essa a data (final de cada ano civil) em que nascerá a obrigatoriedade de se proceder à eventual retenção na fonte que seja legalmente exigida.