Pareceres
IRS / Rendimentos da categoria A
22 Julho 2024
Parecer técnico do departamento de consultoria da Ordem

PT28047 - IRS / Rendimentos da categoria A
Fevereiro de 2024

 

Uma empresa - com CAE 45200 - adquiriu um imóvel que servirá de habitação para o sócio. A escritura de compra e venda menciona isso mesmo com a finalidade "destinado à habitação". Esse imóvel tem um compartimento que servirá de escritório para a empresa. Qual o tratamento contabilístico e fiscal a dar ao imóvel para habitar e ao escritório?

                                                                                                     Parecer técnico


O pedido de parecer está relacionado com o tratamento contabilístico e fiscal da aquisição de uma habitação destinada a ser habitada pelo sócio. Refere ainda que uma divisão da habitação destinar-se-á a uso como escritório da empresa.

Visto que não é indicado o normativo contabilístico adotado pela entidade, iremos abordar esta temática no âmbito das normas contabilísticas e de relato financeiro (NCRF) previstas no aviso n.º 8 256/2015, de 29 de julho.

Em termos genéricos, no âmbito do SNC, há que atender às normas contabilísticas e de relato financeiro (NCRF) n.º 7 - Ativos fixos tangíveis e n.º 11 - Propriedades de investimento.

Nos termos do parágrafo 7 da NCRF 11 - Propriedades de investimento, propriedade de investimento é a propriedade (terreno ou um edifício, ou parte de um edifício, ou ambos) detida (pelo proprietário ou pelo locatário numa locação financeira) para obter rendas ou para valorização do capital ou para ambas as finalidades, e não para o uso na produção ou fornecimento de bens ou serviços ou para finalidades administrativas; nem para venda no decurso ordinário do negócio.

Nesse sentido, o item adquirido (imóvel), se destinado a ser utilizado para fins administrativos, operacionais ou para a realização de prestações de serviços, esperando-se que seja usado durante mais do que um período, deve ser classificado inicialmente como um item do ativo fixo tangível, nos termos da Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) n.º 7 - "Ativos fixos tangíveis".

Os imóveis adquiridos, classificados como um item do ativo fixo tangível, devem ser mensurados inicialmente pelo respetivo custo, conforme previsto no parágrafo 16 da NCRF 7.

O custo do item do ativo fixo tangível pode incluir o custo de aquisição, quaisquer custos diretamente atribuíveis para colocar o ativo na localização e condição necessárias para o mesmo ser capaz de funcionar da forma pretendida, e ainda a estimativa inicial dos custos de desmantelamento e remoção do item e de restauro do local no qual este está localizado, se existir tal obrigação legal ou contratual.

Como custo de aquisição, pode ser constituído pelo preço e custos diretamente relacionados com essa aquisição, nomeadamente o montante do IMT e imposto de selo.

Como quaisquer custos diretamente atribuíveis para colocar o ativo na localização e condição necessárias para o mesmo ser capaz de funcionar da forma pretendida, podem ser incluídas as obras de adaptação do edifício à atividade da empresa.

Nessa classificação como item do ativo fixo tangível, há que proceder à contabilização separada entre o valor do edifício e do terreno que não está sujeito a depreciação, conforme previsto no parágrafo 58 da NCRF 7.

Essa separação entre o valor do edifício e do terreno deve ser efetuada com base no custo de aquisição de ambos os itens, se estiverem separados na escritura de compra e venda. Se não existir essa separação na escritura pode ser efetuada uma estimativa para determinar os respetivos valores.

Em termos fiscais, para a determinação da depreciação fiscal do edifício, quando não existe essa separação entre o valor do edifício e do terreno na escritura, o valor do terreno deve corresponder a 25% do valor global, conforme previsto no n.º 3 do artigo 10.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009.

Apenas o valor do edifício passa a estar sujeito a depreciações, determinadas em função da estimativa da respetiva útil, conforme o parágrafo 50 e seguintes da NCRF 7.

A vida útil do item deve ser estimada em função do uso esperado do edifício, do seu desgaste normal esperado, limites legais à sua utilização ou outros fatores que contribuam para o aumento ou diminuição dessa estimativa. Essa vida útil não tem necessariamente que ser estimada em função das taxas de depreciação fiscais previstas nas Tabelas Anexas ao Decreto Regulamentar n.º 25/2009.

De referir que, a taxa de depreciação fiscal de 5% (estimativa de vida útil de 20 anos) apenas está disponível para os edifícios industriais. Os edifícios destinados a fins comerciais ou administrativos ou para habitação têm uma taxa de depreciação fiscal de 2% (estimativa de vida útil de 50 anos).

As depreciações do edifício devem ser iniciadas quando este estiver disponível para ser usado nas condições pretendidas pelo órgão de gestão da empresa, conforme determina o parágrafo 55 da NCRF 7.

Em termos de registos contabilísticos, os mesmos poderão ser:

- Débito da conta 431 - "Terrenos e recursos naturais", pelo valor do terreno;

- Débito da conta 432 - "Edifícios e outras construções", pelo valor de aquisição abatido do valor do terreno

- Crédito da conta 12 - "Depósitos à ordem"

Em sede de IRC, no tocante à aceitação fiscal, o n.º 1 do artigo 23.º do CIRC indica que "para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC."

Assim, em primeiro lugar, para que um gasto seja aceite fiscalmente, terá o sujeito passivo de conseguir comprovar que o mesmo foi incorrido ou suportado para obter rendimentos sujeitos a IRC.

Não obstante, clarifica o n.º 3 do mesmo artigo 23.º do CIRC que "os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito."

Nesta sequência e de forma a complementar o disposto nos números anteriores, o n.º 4 do referido artigo 23.º contempla os elementos mínimos necessários, que os documentos comprovativos têm de possuir, de modo que o gasto possa ser aceite fiscalmente.

A este respeito, destacamos que nos termos da alínea a) deste número, o documento comprovativo deve conter, entre outros, o nome ou denominação social do adquirente ou destinatário.

Neste sentido, é indispensável que os gastos suportados com a aquisição e utilização do imóvel se encontrem emitidos em nome do sujeito passivo de IRC.

Face ao exposto, caso estejam os documentos dos encargos em nome do sujeito passivo de IRC, e desde que o requisito do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC se encontre cumprido, ou seja, o sujeito passivo consiga comprovar que o mesmo foi incorrido ou suportado para obter rendimentos sujeitos a IRC, somos de opinião de que os gastos em causa podem ser, de facto, aceites fiscalmente.

Assim, se os encargos com o imóvel (depreciações, eletricidade, comunicação) se afigurarem como um gasto diretamente ligado para a manutenção da fonte produtora de rendimentos, considera-se que o mesmo tem enquadramento no artigo 23.º do CIRC.

Apesar da conclusão anterior, cumpre ressalvar que este imóvel, irá figurar como o local de residência do sócio da empresa.

A este respeito, determina artigo 2.º do CIRS (rendimentos da Categoria A - Trabalho dependente) que qualquer remuneração, paga ou colocada à disposição do trabalhador proveniente da relação laboral existente, independentemente da designação, periodicidade ou frequência e natureza, será tributada.

Neste sentido, o n.º 2 do artigo 2.º do CIRS dispõe que "as remunerações referidas no número anterior compreendem, designadamente, ordenados, salários, vencimentos, gratificações, percentagens, comissões, participações, subsídios ou prémios, senhas de presença, emolumentos, participações em coimas ou multas e outras remunerações acessórias, ainda que periódicas, fixas ou variáveis, de natureza contratual ou não."

Por sua vez, o n.º 3 deste artigo define diversas situações que devem ser consideradas como rendimentos do trabalho dependente, referindo concretamente as subalíneas 4) e 6) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS que:

"3 - Consideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente:

(...)

b) As remunerações acessórias, nelas se compreendendo todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituam para o respetivo beneficiário uma vantagem económica, designadamente: (...)

4) Os subsídios de residência ou equivalentes ou a utilização de casa de habitação fornecida pela entidade patronal; (...)

6) As importâncias despendidas pela entidade patronal com viagens e estadas, de turismo e similares, não conexas com as funções exercidas pelo trabalhador ao serviço da mesma entidade;"

Pelo exposto, no caso em análise, o sócio utilizará parcialmente o imóvel (escritório) no desenvolvimento da atividade geradora de rendimentos tributáveis, pelo que os gastos de depreciação e utilização do imóvel poderão ser aceites fiscalmente.

Contudo, a sociedade irá incorrer em gastos (depreciação e utilização) com o imóvel usado parcialmente para a habitação dos colaboradores, acrescentando-lhe uma vantagem, económica e não diretamente relacionados com a obtenção da fonte geradora de rendimentos da empresa. Desta forma, poderemos estar perante rendimentos do trabalho dependente atribuídos em espécie, na esfera do beneficiário, sujeito a IRS nos moldes gerais.

Nesta hipótese, não existirá impedimento à aceitação fiscal desses gastos quando estes sejam considerados rendimento do trabalho dependente na esfera do sócio, nomeadamente, por via do disposto nas subalíneas 4) ou 6) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS.

Quando estes rendimentos são tributados na esfera dos beneficiários, são considerados rendimentos em espécie previsto no n.º 4 do artigo n.º 2 do CIRS.

Segundo o n.º 2 do artigo 24.º do CIRS, quando se tratar da utilização de habitação, o rendimento em espécie corresponde à diferença entre o valor do respetivo uso e a importância paga a esse título pelo beneficiário, observando-se na determinação daquele as regras seguintes:

"a) O valor do uso é igual à renda suportada em substituição do beneficiário;

b) Não havendo renda, o valor do uso é igual ao valor da renda condicionada, determinada segundo os critérios legais, não devendo, porém, exceder um terço do total das remunerações auferidas pelo beneficiário;

c) Quando para a situação em causa estiver fixado por lei subsídio de residência ou equivalente quando não é fornecida casa de habitação, o valor do uso não pode exceder, em qualquer caso, esse montante."

Se a entidade, além da atribuição de casa de habitação suporta também encargos com a sua utilização, somos do entendimento que estes devem igualmente ser enquadrados como rendimentos em espécie.

Será o valor estipulado no n.º 2 do artigo 24.º do CIRS, assim como outras despesas, relacionadas a habitação, que irão configurar rendimento em espécie.

Os rendimentos em espécie não são sujeitos a retenção na fonte, conforme resulta do n.º 1 do artigo 99.º do CIRS.

Desta forma, a entidade patronal pode incluí-los no recibo de vencimento. A sua não menção no recibo não afasta a obrigação de os incluir, conjuntamente com os restantes rendimentos pagos da categoria A e respetivas retenções, no documento comprovativo das importâncias devidas, a entregar até ao dia 20 de janeiro do ano seguinte à colocação à disposição ou pagamento desses rendimentos, conforme a alínea b) do n.º 1 do artigo 119.º do CIRS.

Estes rendimentos em espécie têm também de ser incluídos na Declaração Mensal de Remunerações, a ser entregue pela entidade patronal até ao dia 10 do mês seguinte à colocação à disposição ou do pagamento desses rendimentos, código A63.

Em termos de Segurança Social, de referir o n.º 2 do artigo 46.º do Código Contributivo (CC) que determina quais as prestações do trabalho dependente que estão sujeitas a contribuições para a Segurança Social.

Assim, integram a base de incidência contributiva, designadamente, as seguintes prestações:

"a) A remuneração base, em dinheiro ou em espécie; (...)

m) Os subsídios de residência, de renda de casa e outros de natureza análoga, que tenham carácter de regularidade;"

A respeito do tema em causa, remetemos ainda para o artigo 234.º da Lei n.º 82/2023, de 29 de dezembro, referente ao Orçamento do Estado para 2024, o qual transcrevemos.

"Artigo 234.º - Incentivo fiscal à habitação dos trabalhadores

1 - Os rendimentos de trabalho em espécie que resultem da utilização de casa de habitação permanente localizada em território nacional, fornecida pela entidade patronal, nos termos do n.º 4) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS, referentes ao período compreendido entre 1 de janeiro de 2024 e 31 de dezembro de 2026, estão isentos de IRS e de contribuições sociais.

2 - Para efeitos do número anterior, a isenção de IRS e de contribuições sociais aplica -se até ao valor limite das rendas previstas no Programa de Apoio ao Arrendamento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 68/2019, de 22 de maio, sem prejuízo de os imóveis referidos no número anterior não estarem inseridos no âmbito daquele programa.

3 - Para efeitos de determinação do lucro tributável das entidades patronais, aos imóveis detidos, construídos, adquiridos ou reconvertidos pelos sujeitos passivos para habitação dos trabalhadores, que beneficiem do regime previsto nos números anteriores, pode ser aplicada uma quota de depreciação correspondente ao dobro da que resulta da tabela anexa ao Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro.

4 - Para efeitos do presente regime não são considerados os titulares dos rendimentos referidos no n.º 1 que detenham direta ou indiretamente uma participação não inferior a 10 % do capital social ou dos direitos de voto da entidade patronal."

Face ao exposto, caso o sócio detenha uma participação igual ou superior a 10% não poderá beneficiar da referida isenção, pelo que será indispensável aferir a respetiva percentagem.

No que se refere aos limites aplicáveis, notamos que nos termos do Decreto-Lei n.º 68/2019, de 22 de maio, mencionado no n.º 2 do artigo 234.º, determina o seu artigo 10.º - "Limites do preço de renda" que:

"1 - O preço de renda mensal de um alojamento a disponibilizar no âmbito do Programa de Arrendamento Acessível deve ser inferior aos seguintes limites:

a) O limite geral de preço de renda por tipologia, a definir por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da habitação;

b) O limite específico de preço de renda por alojamento, a definir nos termos dos números seguintes. (...)"

Neste sentido, é definido na Portaria n.º 176/2019, de 6 de junho, nomeadamente pelo artigo 1.º que "a presente portaria regulamenta as disposições do Decreto-Lei n.º 68/2019, de 22 de maio, relativas aos limites de renda aplicáveis no âmbito do Programa de Arrendamento Acessível, estabelecendo:

a) Os limites gerais de preço de renda por tipologia, previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º;

b) O valor de referência do preço de renda por alojamento para efeitos de determinação do limite específico de renda do alojamento, previsto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 10.º"

Face ao exposto, para que se possa determinar o limite de renda aplicável, será necessário consultar a mencionada Portaria n.º 176/2019, de 6 de junho, uma vez que o referido limite será influenciado, entre outros, pelo concelho em que se situa o imóvel, bem como a sua tipologia.

Note-se que nos termos da Portaria n.º 33/2024, de 31 de janeiro, que aprova a DMR (declaração mensal de remunerações - AT) e respetivas instruções de preenchimento, para o ano de 2024, foi criado o código A40 referente aos "[rendimentos do trabalho dependente - Utilização de casa de habitação permanente, localizada em território nacional, , fornecida pela entidade patronal, na parte que não exceda o limite das rendas previstas no Programa de Apoio ao Arrendamento , aprovado pelo Decreto-Lei n.º 68/2019, de 22 de maio (artigo 234.º da Lei n.º 82/2023, de 29 de dezembro) - ano de 2024 a 2026".

Adicionalmente é esclarecido que a parte que exceda o limite anteriormente referido deve ser mencionado na DMR com o código A63.

Por último, importa referir que o n.º 1 do artigo 63.º do CIRC transmite-nos que:

"Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis."

Nos termos da alínea a) do n.º 4 do artigo 63.º do CIRC, considera-se que existem relações especiais entre duas entidades "nas situações em que uma tem o poder de exercer, direta ou indiretamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre:

a) Uma entidade e os titulares do respetivo capital, ou os cônjuges, ascendentes ou descendentes destes, que detenham, direta ou indiretamente, uma participação não inferior a 20% do capital ou dos direitos de voto;

(...)"

No caso em concreto, pressupomos pelo exposto que a base da operação está intrinsecamente relacionada com a criação de uma vantagem económica na esfera do sócio, pelo que, neste caso, somos da opinião que os encargos incorridos neste sentido serão considerados rendimentos em espécie.

No mesmo sentido, não existe impedimento à aceitação fiscal desses gastos quando estes sejam considerados rendimento do trabalho dependente na esfera do beneficiário, nomeadamente, por via do disposto nas subalíneas 4) ou 6) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS, uma vez que a alínea d) do n.º 2 do artigo 23.º do CIRC considera a dedutibilidade dos gastos e perdas "de natureza administrativa, tais como remunerações (...)".

Todavia, a conclusão supra, em princípio, não prejudica a aceitação fiscal na parte correspondente à utilização em fins tributáveis da empresa.