NCRF-PE - tratamento contabilístico de ações cotadas em bolsas
PT28207 - junho 2024
Determinada empresa qualificada como microentidade pelo IAPMEI, cuja atividade é principalmente compra e venda de imóveis e arrendamentos e aplica a NCRF-PE, tem investido na bolsa de valores e adquirido um número significativo de ações.
No primeiro ano, registou-se a 31 de dezembro o justo valor pela cotação à data.
Este ano a empresa questionou o facto de ser uma microentidade e não ser obrigatório este registo da cotação a 31 de dezembro e nas vendas poder considerar o preço de custo para obter o valor da mais-valia.
Se por aplicar a NCRF-PE dever ser registado o justo valor, seria possível passar a aplicar a norma das microentidades e só o preço de custo relevar sem ter de registar o justo valor de cada ação?
Parecer técnico
O pedido de parecer está relacionado com o tratamento contabilístico de ações cotadas em bolsas, detidas por uma sociedade que adota a norma contabilística e de relato financeiro para as pequenas entidades (NCRF-PE). A sociedade em causa está classificada como microentidades em termos de IAPMEI.
Atendendo à situação exposta, consideramos importante efetuar a classificação da sociedade para efeitos contabilísticos e para efeitos de IAPMEI (esta última classificação com impacto no preenchimento da Modelo 22).
Atendendo à questão colocada, importa referir que existem diferenças entre o conceito de PME (pequenas e médias empresas), no qual se inclui o conceito de microempresa, estatuto atribuído exclusivamente pelo IAPMEI, nos termos do Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, e as categorias de entidades contabilísticas previsto no Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, com alterações posteriores, que instituiu o Sistema de Normalização Contabilística (SNC).
Classificação da entidade para efeitos contabilísticos
Nos termos do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 158/2009 (redação dada pelo Decreto-Lei n.º 98/2015, de 2 de julho:
«1 - Consideram-se microentidades aquelas que, de entre as referidas no artigo 3.º, à data do balanço, não ultrapassem dois dos três limites seguintes:
a) Total do balanço: 350 000 euros;
b) Volume de negócios líquido: 700 000 euros;
c) Número médio de empregados durante o período: 10;
2 - Consideram-se pequenas entidades aquelas que, de entre as referidas no artigo 3.º, excluindo as situações referidas no número anterior, à data do balanço, não ultrapassem dois dos três limites seguintes:
a) Total do balanço: 4 000 000 euros;
b) Volume de negócios líquido: 8 000 000 euros;
c) Número médio de empregados durante o período: 50.
3 - Consideram-se médias entidades aquelas que, de entre as referidas no artigo 3.º, excluindo as situações referidas nos números anteriores, à data do balanço, não ultrapassem dois dos três limites seguintes:
a) Total do balanço: 20 000 000 euros;
b) Volume de negócios líquido: 40 000 000 euros;
c) Número médio de empregados durante o período: 250.
4 - Grandes entidades são as entidades que, à data do balanço, ultrapassem dois dos três limites referidos no número anterior.
5 - Para efeitos do presente decreto-lei, as entidades de interesse público são consideradas grandes entidades,
Independentemente do respetivo volume de negócios líquido, do total do balanço ou do número médio de empregados do período.»
Como decorre do artigo 9.º-A do referido diploma, estes limites reportam-se ao período imediatamente anterior, devendo, quando aplicável, observar-se as seguintes regras:
- Sempre que em dois períodos consecutivos imediatamente anteriores sejam ultrapassados dois dos três limites enunciados como microentidades ou como pequenas entidades, as entidades deixam de poder ser consideradas na respetiva categoria, a partir do terceiro período, inclusive.
- As entidades podem novamente ser consideradas nessa categoria, caso deixem de ultrapassar dois dos três limites enunciados para a respetiva categoria nos dois períodos consecutivos imediatamente anteriores.
As entidades que cumpram os limites de pequenas entidades aplicam a Norma Contabilística e de Relato Financeiro para Pequenas Entidades (NCRF-PE), sem prejuízo da opção pela aplicação das 28 NCRF, conforme o artigo 9.º-C do Decreto-Lei.
As entidades que cumpram os limites de microentidades aplicam a norma contabilística para microentidades (NC-ME), sem prejuízo de poder optar pela aplicação da NCRF-PE ou das 28 NCRF, tal como decorre do artigo 9.º-D do Decreto-Lei.
Essa opção de aplicação da NCRF-PE ou das 28 NCRF pelas entidades enquadradas na categoria de microentidades deve ser efetuada no campo 423 do quadro 11 da Declaração Modelo 22 para os sujeitos passivos de IRC, conforme o n.º 2 do artigo 9.º-D do Decreto-Lei.
Face ao exposto, no caso em concreto importa aferir se a entidade está obrigada a adotar a NCRF-PE ou se a está a adotar por opção. Caso esteja a adotar por opção, esta opção deve ser efetuada no campo 423 do quadro 11 da Modelo 22.
Este enquadramento do normativo contabilístico é indicado na IES, para tal, na declaração deve ser indicado as normas contabilísticas o que foram aplicadas pela entidade na elaboração das demonstrações financeiras do respetivo exercício, em conformidade com o artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 98/2015, de 2 de junho.
Classificação da entidade para efeitos de IAPMEI e de preenchimento da declaração modelo 22
Para efeitos de preenchimento da declaração modelo 22 a classificação das entidades deve ser feita nos termos do Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro.
De acordo com o anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, a categoria das micros, pequenas e médias empresas (PME) é constituída por empresas que empregam menos de 250 pessoas e cujo volume de negócios anual não excede 50 milhões de euros ou cujo balanço total anual não excede 43 milhões de euros.
Na categoria das PME, uma pequena empresa é definida como uma empresa que emprega menos de 50 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 10 milhões de euros.
Uma microempresa é definida como uma empresa que emprega menos de 10 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 2 milhões de euros.
Como se constata por esta definição de PME, se a empresa em causa tiver mais de 10 empregados é considerada como uma pequena empresa, e não como microempresa.
Há que também ter em atenção se a empresa em causa faz parte de um grupo de empresas ou se detém outras empresas.
Tratando-se de uma empresa que tenha empresas parceiras e associadas, nos termos definidos no anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, a determinação dos resultados da empresa (cálculo dos efetivos e dos montantes financeiros) é efetuada de acordo com o disposto no artigo 6.º do anexo ao referido Decreto-Lei.
Assim, ainda que os dados da empresa se encontrem dentro dos limites para poder ser qualificada como PME, se os dados agregados (da empresa e das suas parceiras e associadas) ultrapassarem tais limites, as empresas envolvidas não podem obter a qualificação de PME ou podem alterar de microempresa para pequena empresa.
Mensuração dos Instrumentos financeiros
As entidades que adotem a norma contabilística para as microentidades (NC-ME) aplicarão o método do custo em todos os investimentos financeiros, nos termos do parágrafo 017.3 da NC-ME, que refere que «(...) Ativos financeiros relativos a contas a receber e a participações de capital são mensurados ao custo de aquisição, sujeito a ajustamentos subsequentes derivadas de eventuais imparidades.»
Ao nível da mensuração contabilística, no método do custo são tendencialmente irrelevantes as variações patrimoniais ocorridas nas participadas/investidas. Efetivamente, o valor do investimento financeiro não é aumentado, nem diminuído, pelos resultados e outras variações patrimoniais das participadas, sendo mensurado pelo custo de aquisição deduzido de eventuais perdas por imparidade.
Consequentemente, sem prejuízo do reconhecimento de eventuais perdas por imparidade, as aplicações em instrumentos financeiros (por exemplo, fundos, ações, obrigações) não serão ajustadas, no final de cada período, em função da (des)valorização da sua cotação.
Numa futura alienação desses ativos financeiros, apurar-se-á, nessa data, em termos contabilísticos e fiscais, as respetivas mais-valias ou menos-valias, as quais serão determinadas pela diferença entre o valor de realização e o custo de aquisição desses ativos. Fiscalmente, aplicar-se-á o disposto na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 46.º do Código do IRC. Notamos que, nos termos do n.º 2 do artigo 47.º do Código do IRC, a atualização do custo de aquisição mediante aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda (correção monetária) não é aplicável aos instrumentos financeiros, salvo quanto às partes de capital.
As contas a utilizar para o reconhecimento dos eventuais ganhos (mais-valias) ou perdas (menos-valias) apurados poderão ser as contas 7862 - Outros rendimentos - Rendimentos nos restantes ativos financeiros - Alienações ou 6862 - Outros gastos - Gastos nos restantes investimentos financeiros - Alienações, respetivamente.
Estando a sociedade a adotar a norma contabilística e de relato financeiro para as pequenas entidades (NCRF-PE) o tratamento contabilístico é distinto do preconizado para quem adota a NC-ME.
As sociedades que adotam a NCRF-PE devem mensurar os seguintes instrumentos financeiros ao custo menos perdas por imparidade (parágrafo 17.6 da NCRF-PE):
- Ativos e passivos financeiros tais como clientes, fornecedores, contas a receber, contas a pagar ou empréstimos bancários, incluindo os em moeda estrangeira;
- Contratos para conceder ou contrair empréstimos; e
- Investimentos em subsidiárias, associadas e empreendimentos conjuntos e outros instrumentos de capital próprio de uma outra entidade que não sejam negociados publicamente.
A mensuração dos investimentos em subsidiárias, associadas e empreendimentos conjuntos poderá ser efetuada de acordo com o método da equivalência patrimonial, desde que esta opção seja aplicada a todos os investimentos da mesma natureza.
Com exceção dos investimentos em subsidiárias, associadas e empreendimentos conjuntos, os instrumentos de capital próprio de uma outra entidade, negociados em mercado líquido e regulamentado, devem ser mensurados ao justo valor, reconhecendo-se as alterações de justo valor na demonstração dos resultados (parágrafo 17.8 da NCRF-PE).
Os custos de transação só podem ser incluídos na mensuração inicial do ativo financeiro desde que este seja mensurado ao custo menos perda por imparidade (parágrafo 17.10 da NCRF-PE). Consequentemente, aplicando-se o justo valor, esses custos de transação não são capitalizáveis, devendo ser reconhecidos, de imediato, como gastos.
Após o reconhecimento inicial, caso esteja a ser adotado o regime geral do SNC ou o regime contabilístico para as pequenas entidades, a entidade deverá mensurar os ativos financeiros em análise (títulos cotados em bolsa), em cada data de relato, pelo justo valor, sendo as alterações de justo valor reconhecidas na demonstração dos resultados. No caso exposto, como está a ser utilizado o justo valor, cremos que não adotará o regime contabilístico para as microentidades.
As contas a utilizar para o reconhecimento dos ganhos por aumentos de justo valor e das perdas por reduções de justo valor serão as contas 772 - Ganhos por aumentos de justo valor - Em investimentos financeiros ou 662 - Perdas por reduções de justo valor - Em investimentos financeiros, respetivamente.
Neste tipo de instrumentos financeiros, a determinação de qualquer lucro ou prejuízo no momento da alienação é obtido pela diferença entre o valor de realização (preço de venda) e a quantia escriturada (justo valor obtido na última data relevante). Note-se que o custo do instrumento financeiro irá variando em função das flutuações do justo valor ao longo do tempo de detenção. Para a determinação deste ganho ou perda relevará então o justo valor obtido na última data relevante e não o custo de aquisição.
Aquando de uma eventual alienação, o ganho ou perda apurado deverá ser reconhecido nas contas 7862 - Outros rendimentos - Rendimentos nos restantes ativos financeiros - Alienações ou 6862 - Outros gastos - Gastos nos restantes investimentos financeiros - Alienações, respetivamente.
Fiscalmente, nos termos da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do Código do IRC, os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados, exceto quando respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, quando se trate de instrumentos de capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, direta ou indiretamente, uma participação no capital igual ou superior a cinco por cento do respetivo capital social.
Assim, tratando-se de instrumentos financeiros mensurados ao justo valor através de resultados, as variações de justo valor, reconhecidas como ganhos ou perdas, são relevantes fiscalmente no período em que forem contabilizadas, conforme previsto na primeira parte da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do Código do IRC. No caso de detenção, direta ou indireta, igual ou superior a cinco por cento de instrumentos de capital próprio (por exemplo, ações) cotados num mercado regulamentado, as variações do justo valor apenas são relevantes em termos fiscais no período em que forem realizados esses ativos financeiros (por exemplo, alienação), de acordo com a parte final da alínea a) do referido n.º 9 do artigo 18.º do Código do IRC.
Face ao exposto, adotando-se o justo valor na mensuração das ações cotadas em mercado regulamentado e considerando que as percentagens de interesse detidas são inferiores a cinco por cento, quer os ganhos por aumentos de justo valor quer as perdas por reduções de justo valor reconhecidos na mensuração dos ativos financeiros indicados serão relevantes para efeitos fiscais (os ganhos serão tributados e as perdas serão dedutíveis), razão pela qual não se deverão efetuar quaisquer correções no quadro 07 da declaração periódica de rendimentos (declaração modelo 22). Estando os instrumentos financeiros mensurados ao justo valor, não haverá também, no momento da alienação, a determinação de qualquer mais-valia ou menos-valia fiscal nos termos do artigo 46.º do Código do IRC, mas o apuramento de um ganho ou de uma perda, os quais serão fiscalmente relevantes, pelo que não haverá igualmente que efetuar qualquer correção no quadro 07 da declaração modelo 22.